É falso que o Brasil se tornou “o maior comerciante do planeta” durante o governo de Jair Bolsonaro como afirma um artigo que viralizou na internet.
De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) de janeiro a julho deste ano, levando em consideração a corrente comercial (o valor somado de exportações e importações), o Brasil fica na 23ª posição mundial (US$ 248 bilhões). As primeiras colocações são da China (US$ 2,8 trilhões), Estados Unidos (US$ 2,3 trilhões), Alemanha (US$ 1,6 trilhão), Japão (US$ 816 bilhões) e França (US$ 751 bilhões).
O país está em 26º lugar no volume de exportações — a primeira colocação pertence aos Estados Unidos. Em relação ao mesmo período do ano passado, o valor das exportações brasileiras caiu 0,7%.
O texto afirma ainda que a Ucrânia está interessada em comprar aviões, que o Japão quer negociar nióbio e que a China tem interesse no etanol do Brasil. Essas informações de fato foram noticiadas em reportagens publicadas recentemente, porém até o momento não foram registradas transações desses itens, entre os países citados, pela Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais (Secint).
Essa investigação do Comprova analisou um artigo do site “O Alerta”, que não respondeu à tentativa de contato da reportagem.
Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos
O Comprova analisou dados públicos sobre exportações compilados pelo FMI e pela Secint. Também consultamos os especialistas em comércio exterior Arilda Teixeira, economista e professora da Fucape Business School, e Francisco Américo Cassano, professor de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo.
O Brasil é o maior comerciante do mundo?
Não. Os dados mais atualizados de exportações mundiais, do Fundo Monetário Internacional (FMI), colocam o Brasil em 26º lugar (US$ 107 bilhões). Essa colocação leva em consideração o valor comercializado em dólares no período de janeiro a julho deste ano. Os países que mais exportam no mundo, segundo o FMI, são Estados Unidos (US$ 1,4 trilhão), China (US$ 1,3 trilhão), Alemanha (US$ 727 bilhões), Reino Unido (US$ 400 bilhões) e França (US$ 397 bilhões). Veja o ranking dos países ano a ano:
Em valor de importações no mesmo período, o Brasil está em 24º lugar (US$ 140 bilhões). Nesse ranking, os primeiros cinco colocados são China (US$ 1,4 trilhão), Estados Unidos (US$ 924 bilhões), Alemanha (US$ 727 bilhões), Japão (US$ 382 bilhões) e Holanda (US$ 377 bilhões).
Levando em consideração a corrente comercial (o valor somado de exportações e importações), o Brasil fica na 23ª posição (US$ 248 bilhões). As primeiras colocações são da China (US$ 2,8 trilhões), Estados Unidos (US$ 2,3 trilhões), Alemanha (US$ 1,6 trilhão), Japão (US$ 816 bilhões) e França (US$ 751 bilhões).
Os dados da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais (Secint) também apontam tendência de queda no comércio exterior brasileiro, porém mais acentuada que a taxa de 0,7% apontada pelos dados do FMI, que vão até julho.
Segundo os dados da Secint, de janeiro a outubro, as exportações brasileiras caíram 6,8%, em relação ao mesmo período do ano passado — de R$ 198 bilhões em 2018 para R$ 185 bilhões em 2019. A corrente de comércio (soma das exportações e importações) também sofreu queda, de 4% — de R$ 350 bilhões para R$ 336 bilhões.
A diferença entre exportações e importações, o chamado saldo da balança comercial, foi de R$ 35 bilhões entre janeiro e outubro. No mesmo período do ano anterior, este valor havia sido 26% mais alto — R$ 47 bilhões. Veja abaixo a série histórica para esses quatro índices.
De acordo com Arilda Teixeira, economista e professora da Fucape Business School, o Brasil ainda está muito longe de ser um grande exportador. “Para isso, é preciso investir na base que é a educação, qualificando e especializando a mão-de-obra. Assim, o país conseguirá desenvolver a indústria de transformação e começar a exportar produtos de maior valor agregado”, diz.
A economista vê como positivas as políticas para comércio exterior propostas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, porém alerta que a equipe econômica não consegue fazer “mágica” em tão pouco tempo de governo.
O professor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Francisco Américo Cassano, alerta que o sistema protecionista prejudica as exportações e que o atual governo está tomando medidas importantes para abrir o mercado. “A relação de importação e exportação entre dois países é uma via de mão dupla: temos que abrir nosso mercado para investimentos estrangeiros e, por meio desta parceria, o país que investe aqui pode se tornar um grande importador”, diz.
Brasil vende aviões, nióbio e etanol para Ucrânia, Japão e China, respectivamente?
Recentemente, reportagens da imprensa apontaram interesse de investidores estrangeiros nos produtos citados no artigo de “O Alerta” — aviões, nióbio e etanol. Em agosto, a agência de notícias Reuters reportou que a China estabeleceu como meta misturar 10% de etanol em toda a gasolina utilizada no país até 2020. Essa iniciativa animou produtores brasileiros, mas fontes ouvidas pela Reuters não preveem alta nas exportações do biocombustível a curto prazo.
Em outubro, o jornal Valor Econômico mostrou que empresas japonesas têm interesse em investir em minerais raros brasileiros, como o nióbio e o grafeno. O embaixador brasileiro no Japão, Eduardo Saboia, ouvido pela reportagem, afirmou que os dois países estão aprofundando a cooperação para produção e uso desses metais. O Brasil detém 76% do comércio global de nióbio, de acordo com o Valor.
Também no mês passado, o jornal O Globo divulgou que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, demonstrou interesse em adquirir aviões militares brasileiros. A declaração foi feita durante reunião com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, quando os dois líderes visitaram o Japão para a entronização do imperador daquele país.
Apesar destes acenos positivos, a Secint ainda não registrou venda desses produtos para esses três países até outubro deste ano (confira aqui os produtos exportados para China, Japão e Ucrânia). Em geral, o valor comercializado de ferro-nióbio corresponde a apenas 1% do total das exportações brasileiras. Aviões (sem incluir partes de aeronaves) representam 1,3% do valor das exportações.
Os principais produtos exportados pelo Brasil são soja (12%), óleos brutos de petróleo (10%) e minérios de ferro (9%). Segundo a economista Arilda Teixeira, a concentração em produtos de baixo valor agregado coloca o Brasil em uma posição pouco confortável no comércio exterior.
Os principais parceiros comerciais do Brasil, segundo dados do Secint de janeiro a outubro deste ano, são a China (28% do valor das exportações), os Estados Unidos (13%), a Holanda (5%), a Argentina (4%) e o Chile (2%).
Repercussão nas redes
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
O artigo publicado pelo site “O Alerta” teve cerca de 204 mil interações no Facebook, sendo quase 36 mil compartilhamentos, segundo a ferramenta CrowdTangle. O texto foi publicado no dia 24 de outubro.
Falso
De acordo com dados do FMI, de janeiro a julho de 2019, o país ocupa a 26ª posição entre os exportadores. Em relação ao mesmo período do ano passado, o valor das exportações brasileiras teve queda de 0,7%.
Projeto Comprova
A verificação exposta nesta reportagem foi conduzida pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 24 veículos de mídia, incluindo GaúchaZH, para combater a desinformação sobre políticas públicas federais. A apuração deste texto foi feita por Estadão e Band, e verificada, por meio do processo de rechecagem, por outros seis veículos: SBT, Correio da Bahia, A Gazeta e Folha de S. Paulo.