SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O cenário desfavorável para o consumo dos argentinos, com inflação e desemprego em alta, está afetando a indústria brasileira e deve se manter assim por mais algum tempo.
De acordo com o presidente da Camarbra (Câmara de Comércio Argentino Brasileira), Federico Servideo, os ajustes exigidos pelo FMI como moeda para conceder empréstimo ao país têm segurado o consumo.
"É um programa muito duro que está provocando uma queda significativa na atividade econômica. E isso não está conseguindo reduzir a inflação por lá, porque existe uma inércia inflacionária nas tarifas públicas e em outros preços."
A alteração do humor dos consumidores argentinos do começo do ano passado para agora freou as vendas de calçados brasileiros para o país, já que os distribuidores não conseguem vender e, por isso, aumentaram seus estoques, disse Heitor Klein, presidente da Abicalçados.
"No primeiro semestre de 2018, nós tivemos um crescimento muito forte nos nossos embarques de calçados para lá. Isso fez com que a Argentina assumisse a liderança das compras. Hoje, ela está em terceiro lugar, perdendo para os Estados Unidos e França."
Segundo dados de exportação do Brasil, as vendas de calçados para a Argentina em fevereiro de 2018 chegaram ao valor de US$ 16,3 milhões (R$ 62,5 milhões). Neste ano, no mesmo mês, o valor fechou em US$ 9,8 milhões (R$ 37,6 milhões).
Para Klein, essa situação não deve se reverter antes da segunda metade do ano que vem. "Não se vislumbra ainda uma melhora pela frente. Seguramente no segundo semestre de 2020, caso a Argentina tenha uma recuperação que traga de volta o consumo."
Além do setor calçadista, o automobilístico também sentiu a força da demanda desaquecida no país vizinho. Segundo dados da Anfavea as exportações de veículos montados reduziu 41,9% no acumulado dos dois primeiros meses deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado.
"No mês de janeiro, a venda de carros leves na Argentina foi 50% menor quando comparado com o mesmo mês de 2018. Isso afeta nossa relação bilateral porque ela está baseada substancialmente nesta indústria", afirmou Servideo.
O presidente da Camarbra, porém, disse enxergar na safra de soja uma luz no fim do túnel. "Espera-se 50% a mais de toneladas de soja neste ano. Em dinheiro é US$ 7 bilhões a mais na economia. Isso traz certa reativação econômica e uma estabilidade no câmbio."
Se concretizada essa injeção de dólares na economia argentina com a commodity, a economia pode retomar já no segundo trimestre deste ano, disse Servideo.
Uma possível retomada, contudo, não é sinal de aumento imediato nas compras de produtos brasileiros, na avaliação de Klein. "Primeiro, é preciso reduzir os estoques [criados] no período de consumo fraco, para depois as compras voltarem a crescer."