A proposta de emenda à Constituição da reforma da Previdência, que deve ser entregue nesta quarta-feira (20) ao Congresso não é tão dura quanto setores da opinião pública avaliam. Pelo contrário, é “frouxa”. É a opinião do economista Ricardo Amorim, um dos apresentadores do programa Manhattan Connection, da Globonews.
Considerado pela Forbes uma das cem pessoas mais influentes do país, ele esteve em Porto Alegre nesta terça-feira (19) a convite da Cyrela Goldsztein para falar sobre “As mudanças no mundo e o impacto positivo no mercado imobiliário”, em evento no Teatro da Unisinos. Antes, concedeu entrevista.
Que avaliação você faz do projeto da reforma da Previdência, que deve ser encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso?
Aí tem vários aspectos que a gente precisa considerar. Por que uma reforma da Previdência? Há duas razões básicas.
A primeira é uma questão de justiça. O sistema de Previdência brasileiro é absolutamente injusto. Segundo a Constituição, somos todos iguais, mas segundo a Previdência, não. Se a gente for comparar as regras da Previdência do setor privado com as diferentes regras do funcionalismo, há uma injustiça brutal.
No caso do funcionalismo, o governo é o empregador, a gente precisa descontar a contribuição do governo como empregador. Mas, aí, a gente chega no déficit da Previdência, que é a parte dos benefícios que não é coberta pelas contribuições. Aí a primeira injustiça: o déficit per capita, na média no setor privado, é 1/11 avos da média do setor público. O que significa: em média, os funcionários públicos estão sendo tratados como se fossem 11 vezes mais importantes do que o cara do setor privado. Não vejo razão pela qual devesse ser assim.
Qual seria a segunda razão?
O segundo ponto é uma questão de equilíbrio de contas públicas. O governo brasileiro chegou a um grau de endividamento muito elevado. Não dá para continuar crescendo, que é o que vai acontecer se a gente não fizer uma bela reforma da Previdência. Vão faltar uns R$ 400 bi. De onde vêm? Na prática, você está tirando dinheiro de saúde, educação, segurança, infraestrutura para complementar os benefícios da Previdência. Isso explica em parte o estado caótico dos serviços públicos brasileiros.
Mas o projeto que está sendo encaminhado é bom ou ruim?
A reforma ideal tinha de ter regra igual para todos. O regime ideal seria de capitalização, como a Previdência privada, que você coloca o seu dinheiro e vai receber (quando se aposentar) proporcional a quanto colocou mais o que rendeu. Não tem déficit. Se hoje eu começar a pagar a minha Previdência e parar de pagar a de quem está aposentado, esse cara não recebe. Como cobrir o buraco? Usando receitas extraordinárias. Há várias receitas importantes que o governo deve ter daqui para frente, algumas associadas ao pré-sal, outras com potenciais privatizações, que permitiriam uma transição nesse modelo.
Mas esse não é o projeto proposto pelo atual governo.
Não foi o projeto do governo. Já começou com uma proposta (do ministro Paulo Guedes) menos ambiciosa do que isso, mas que reduz em relação ao modelo atual os gastos projetados com Previdência nos próximos 10 anos em mais de R$ 1 trilhão. É uma economia, sem dúvida, significativa. É a solução ideal? Não. Mas ajuda bastante. Na realidade, se aposentar na mesma idade já seria, do ponto de vista da Previdência, um benefício que está sendo dado às mulheres pela seguinte razão: a expectativa de vida delas é maior. Já vão receber benefícios por mais tempo se elas se aposentarem na mesma idade. Já estão sendo beneficiadas. Nunca ninguém contou essa história direito. Acho que tem de ser combatida dupla jornada, discriminação, mas o instrumento definitivamente não é a Previdência.
Quais serão as dificuldades para aprovar a reforma?
O Congresso, isso sempre acontece no Brasil e em qualquer outro país, quer dar pitaco. Como a reforma da Previdência não é algo popular de ser feito, o congressista quer falar para a base: “Eu consegui torná-la mais leve”. Bolsonaro, com essa decisão, abriu mão desnecessariamente de ter poder de barganha. Agora, vai ter de ser mais duro na negociação com o Congresso. É um erro estratégico grave. A reforma proposta está longe da ideal, mas vai na direção certa e, ao contrário do que muitos dizem que é muito dura, é muito frouxa.
No RS, o debate sobre a reforma da Previdência fez com que os pedidos de aposentadoria tivessem alta de quase 20%. Faltou debate com a população?
É difícil falar que faltou debate com a população em um assunto que já está sendo discutido há dois anos. Se faltasse debate, não haveria esse movimento de antecipação das aposentadorias.
A população tanto entende o que está acontecendo que está tentando tomar decisões que, do ponto de vista individual, eventualmente são as que fazem mais sentido. Não faltou debate.
Que avaliação você faz desses primeiros movimentos do governo Bolsonaro? Você já elogiou em artigo para a revista IstoÉ o ministério técnico, porém, criticou problemas de comunicação. Agora, há a saída do ex-ministro Gustavo Bebianno. O que muda na sua percepção?
A sua leitura foi de que eu elogiei. Recebi porrada dos bolsonaristas exatamente pelo mesmo artigo porque critiquei o governo. Quis realçar dois pontos, os erros e os acertos. Você chamou a atenção para os acertos, mas houve outros vários erros importantes. Está na hora de corrigir os erros. A gente tem um governo com várias disputas de poder internas e isso enfraquece o governo.
Mas você continua otimista em relação à expectativa para a economia brasileira?
A parte mais importante é a aprovação da reforma da Previdência. Apesar de todos os problemas, acredito que, sim, ela vai passar (no Congresso). O projeto que vai ser mandado não será o mesmo que será aprovado porque nunca é em qualquer lugar do mundo. Assumo que o que vai sobrar dele vai ser ao menos de 70% do que está sendo enviado, senão mais. Desde que a gente não tenha no cenário externo nenhuma grave crise financeira, estou convencido de que o Brasil vai atrair uma quantidade de investimento externo gigantesca. Isso vai aumentar brutalmente a geração de emprego, o que aumenta a capacidade de consumo das pessoas, aumenta a venda das empresas, que contratam mais. Você gera todo um círculo virtuoso.
O mundo já começou a olhar o Brasil de forma diferente?
Completamente. Foi feita uma pesquisa pela Bloomberg no final do ano passado com investidores, perguntaram quais eram os mercados que eles estavam mais otimistas. Ações: primeiro lugar, Brasil. Segunda pergunta: mercado de renda fixa, primeiro lugar, Brasil. Terceira pergunta: moeda? Primeiro lugar real. O mundo está olhando para o Brasil como a bola da vez. Se a gente fizer a reforma da Previdência a gente vai estar muito bem posicionado.