O fim do imposto sindical obrigatório, que completou um ano com a reforma trabalhista no início do mês, jogou as entidades de trabalhadores em uma crise financeira sem precedentes. A receita com o tributo, que em regra garantia cerca de 80% dos recursos das agremiações do gênero, como centrais, confederações e sindicatos que representam empregados (nessa conta, não entram os patronais), despencaram a partir do momento que deixaram de ser compulsórias. Dados do Ministério do Trabalho mostram que, de janeiro a setembro, a arrecadação com a contribuição sindical foi de apenas R$ 276,3 milhões, 86% menor do que no mesmo período do ano passado.
A partir da reforma, o desconto equivalente a um dia de jornada é feito apenas se o funcionário formalizar essa intenção na empresa. Mas há controvérsia jurídica. O Ministério Público do Trabalho (MPT) entende que essa decisão não precisa ser individual. Poderia ser por meio de assembleia geral da categoria.
Com a principal fonte secando, as entidades foram obrigadas a fazer forte ajuste em suas despesas, cortar serviços para as categorias e vender patrimônio.
As demissões foram inevitáveis. Apenas neste ano, até setembro, entidades laborais fecharam 4,6 mil vagas de trabalho no país, mostra levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Em 18 meses seguidos de retração, foram perdidos 8,48 mil postos formais no Brasil.
Uma das maiores centrais nacionais, a Força Sindical teve de mudar o endereço da seção gaúcha. O ponto onde funcionava a entidade, um prédio de quatro andares na Rua Cristóvão Colombo, na Capital, pertencia ao Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre (Sindec), que precisou se desfazer do imóvel, vendido por R$ 700 mil. Agora, está provisoriamente instalada na sede onde fica o Sindec. Doze pessoas trabalhavam para a Força. Restaram dois diretores.
— Muitos sindicatos estão quebrando porque o imposto era a única fonte de recursos. Claro que existem sindicatos que são "falcatrua", mas a reforma colocou todos na mesma vala. Eram recursos que usávamos para mobilizações, viagens a Brasília, caminhadas. Isso enfraquece o movimento sindical, que não sabe como vai sobreviver — reclama o presidente em exercício da Força no Estado, Marcelo Avencurt Furtado.
O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no RS, Claudir Nespolo, observa que a crise bate de forma diferente, de acordo com a categoria. Nas entidades de funcionários públicos, o problema é menor devido à estabilidade e maior grau de sindicalização. Os mais impactados são os de setores com grande rotatividade, como na área de comércio, alimentação e calçados.
— Mas todos tiveram de fazer algum tipo de ajuste — diz Nespolo.
Para tentar atenuar a queda na arrecadação, a saída foi fazer campanha para aumentar o número de sócios nos sindicatos. A própria CUT teve de se reorganizar.
Segundo Nespolo, a entidade reduziu em 12% seus custos, com demissões e racionalização dos espaços na sede, para economizar em água e luz. A central era contra o imposto sindical, mas afirmava que o fim da cobrança obrigatória e do repasse fosse gradual, com previsão de substituição de receita, o que não ocorreu.
Sindicatos e centrais reclamam que, com menos recursos, perdem a capacidade de mobilização para defender direitos dos empregados e, assim, a relação entre capital e trabalho fica mais favorável para os empregadores. Além disso, enfraquecem a entidade na capacidade de prestar serviços, como nas áreas jurídica e de saúde, às categorias.
— Tudo isso fica em xeque pela contenção de gastos que os sindicatos têm de fazer — afirma Luís Ribeiro, supervisor do Sistema de Acompanhamento de Informações Sindicais do Dieese.
Segundo Ribeiro, a tendência é de que sobrevivam os sindicatos mais representativos, que fazem negociações coletivas em nome dos trabalhadores, arrecadando a contribuição assistencial ou a taxa negocial em dissídios ou convenções coletivas. Além da prestação de serviços como forma de atrair a sindicalização, e assim garantir o financiamento, Ribeiro avalia que pode ter início um processo de fusão de entidades de categorias afins.
Há ainda a queixa da assimetria. O fim da contribuição obrigatória também atingiu as entidades patronais, mas em menor escala. Do total de recursos arrecadados em 2016, cerca de 60% foi repassada para agremiações laborais, 22% para patronais e 18% para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Mas, além de ter menor peso no orçamento, as organizações de empresários mantiveram a gestão dos recursos do Sistema S, como os serviços de aprendizagem industrial (Senai), do comércio (Senac) e rural (Senar).
Preparação prévia ajudou a escapar do sufoco
O aperto financeiro pelo fim do imposto sindical obrigatório não afeta os sindicatos de maneira generalizada. Entre os exemplos de organizações que vêm conseguindo manter o equilíbrio está o Sindicato dos Trabalhadores no Calçado e no Vestuário de Rolante, no Vale do Paranhana.
Quinze anos atrás, em assembleia, os associados decidiram pela devolução do valor, mas em troca começaram a pagar mensalidade. À época eram R$ 3 e, agora, R$ 6,90, o que garante benefícios em serviços como descontos em consultas médicas e exames (50%, na média) e atendimento odontológico. No dentista, a contrapartida, que era de R$ 14,40 em 2003, passou para R$ 15, reajuste de apenas R$ 0,60 em uma década e meia.
Uma recente campanha de sindicalização também reforçou o quadro. Cerca de 300 novos trabalhadores se associaram ao sindicato. O número subiu para cerca de 1,7 mil pessoas.
— A partir da reforma trabalhista, fomos mostrar à categoria o que significava a nova lei para convencer da importância da representação sindical. Com isso, aumentamos o número de associados — conta o secretário-geral do Sindicato, Enio de Souza Terra.