A incapacidade de gerar receitas suficientes para custear a estrutura da máquina pública atinge mais da metade dos 497 municípios gaúchos. São pelo menos 56,7% das administrações que não conseguem levantar recursos próprios sequer para bancar os gastos de manutenção das prefeituras, que incluem pagamento de salários de funções administrativas e legislativas, como prefeitos, secretários e vereadores.
O dado faz parte de estudo da Federação das Indústrias do Rio (Firjan), que realizou a pesquisa na esteira da polêmica envolvendo um projeto de lei que autoriza a criação de municípios no país. A proposta estabelece critério populacional, adaptado por região, para novos municípios: 6 mil habitantes nas regiões Norte e Centro-Oeste, 12 mil na região Nordeste e 20 mil nas regiões Sul e Sudeste.
Com base nesse modelo e usando relatórios das prefeituras entregues à Secretaria do Tesouro Nacional, a Firjan analisou todas as localidades que não se encaixam no piso populacional de sua região.
Pelo estudo, 3.056 municípios existentes hoje não teriam a população mínima estabelecida no projeto de lei. Desse grupo, 1.872 não geram receita suficiente para cobrir as despesas de manutenção da máquina pública. Essa fatia representa um terço do total de municípios brasileiros (5.570).
Todos os 282 municípios do Rio Grande do Sul avaliados pelo levantamento têm população inferior aos 20 mil habitantes exigidos para criação de um município na Região Sul, e dependem, sobretudo, de transferências do Estado e da União para custear suas despesas.
– Como o estudo avalia as cidades que não se encaixam ao piso populacional, o número de municípios sem capacidade de geração própria poderia ser ainda maior – afirma Nayara Freire, analista de estudos econômicos da Firjan.
Dirigente da Famurs vê mais desenvolvimento
Nayara diz que a arrecadação própria dos municípios é formada por tributos como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). Como os locais citados no levantamento são pequenos e, em geral, têm economia com menor capacidade de atrair negócios, a receita proveniente dos tributos locais é reduzida em relação a localidades maiores. Assim, as prefeituras tornam-se mais dependentes de transferências como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), repassado pela União.
– Os municípios existem, mas não conseguem sustentar, com receita própria, a estrutura das prefeituras. Necessitam de transferências para funcionar – ressalta a analista.
Dos 282 municípios gaúchos citados no estudo, 164 (58,2%) têm até 30 anos de fundação. O dado reflete a busca pela criação de novas cidades no Estado a partir da Constituição de 1988, que alterou regras dos processos de emancipação. Desses 164 municípios, 123 nasceram no intervalo entre 1992 e 1998.
Novo projeto tramita no Congresso para a criação de municípios. O texto não é o primeiro sobre o assunto. Outros dois (de 2008 e de 2014) já foram vetados. A Firjan tem posicionamento contrário à proposta.
– A solução de dificuldades que existem não passa pela criação de mais municípios. As prefeituras ficarão muito engessadas para suprir suas estruturas. Serão dependentes de transferências para contemplar ações sociais – diz Nayara.
Antonio Cettolin, presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), avalia que as pequenas cidades cumprem “função social importante”, apesar da menor capacidade de arrecadação:
– Muitos distritos aqui no Estado não conseguiam atender a população de maneira adequada. Quando viraram municípios, houve maior desenvolvimento.
Pinhal da Serra, a que mais depende de verbas externas
O município gaúcho com população inferior a 20 mil habitantes e menor capacidade de geração de receitas para custeio da máquina pública é Pinhal da Serra, que se emancipou em 1996. Dados apurados pela Firjan – referentes a 2016 – indicam que a administração consegue levantar apenas 4,29% dos recursos necessários para a manutenção da prefeitura.
Com população estimada de 1,9 mil habitantes, Pinhal da Serra fica na divisa com Santa Catarina. O prefeito Anderson de Jesus Costa (PP), que assumiu o cargo em 2017, reconhece que a maior parte das despesas da prefeitura é custeada por transferências do Fundo de Participação dos Municípios.
– A população é basicamente rural. A arrecadação com tributos como IPTU é quase insignificante.
Embora haja dificuldades para geração de receitas, o prefeito defende a criação do município sob o argumento de que o processo trouxe maior desenvolvimento à população local. Segundo Costa, a emancipação favoreceu a busca por recursos para aplicação em áreas como saúde e educação.
Projeto polêmico
- Após passar pelo Senado, projeto que trata das condições para criação de municípios depende de avaliação dos deputados na Câmara.
- Entre as medidas propostas pelo texto, está o piso populacional para novos municípios. Nos Estados da Região Sul, teriam de apresentar pelo menos 20 mil habitantes.
- O autor é o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que busca a reeleição. GaúchaZH tentou contato com o parlamentar, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.
- Presidente da Famurs, o prefeito de Garibaldi, Antonio Cettolin (MDB), diz que o RS está bem “situado” com os atuais 497 municípios.