Dez anos após ser federalizada, a Ceitec dá uma guinada na tentativa de ganhar relevância, ser financeiramente sustentável e reverter a sensação de frustração em relação às promessas da época em que deixou de ser uma associação sem fins lucrativos. As receitas acumuladas desde o início da venda de chips em 2012 até o ano passado alcançaram apenas R$ 16 milhões.
O prejuízo, segundo a empresa, chega a R$ 42,6 milhões. O problema é que a Ceitec foi criada com a missão tirar o Brasil do atraso na área de microeletrônica, recebeu R$ 1,08 bilhão da União em investimentos, mas não deslanchou.
Com trajetória marcada por mudanças de rota, a possibilidade de ser privatizada por enquanto é deixada de lado. Foi cogitada por gestores e pelo Palácio do Planalto há cinco anos pela conclusão de que a velocidade do setor era incompatível com as amarras estatais. Está traçada a meta de chegar ao equilíbrio em 2021, mas a pressão para ter receitas próprias que cubram os custos ficou menor, diz o engenheiro Paulo de Tarso Mendes Luna, presidente da Ceitec desde o final de 2016. A nova prioridade, avalizada pelo governo, é potencializar a percepção de valor no mercado.
— Empresas de base tecnológica têm o seu valor mais associado ao posicionamento de mercado, ao que pode vir a render no futuro, do que o faturamento em si — diz Luna, que considera ser normal empresas do setor demorarem mais de uma década para assegurarem autossuficiência.
A maior paciência, resultado da percepção do papel estratégico da Ceitec, não significa desobrigação em melhorar os números. Pelo contrário. Nos últimos anos, os recursos repassados pela União caíram, o que aumenta a necessidade de caminhar com próprias pernas e reforça a nova estratégia de atender mais o mercado do que a demanda do governo.
É estratégico para um país dominar essa tecnologia. Ainda que a Ceitec tenha dificuldade, os valores investidos são irrisórios perto de outras iniciativas da área.
ROGERIO NUNES
Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores
Em 2013, o orçamento da Ceitec era de R$ 79,4 milhões. No ano passado, R$ 52 milhões, um terço a menos. Enquanto isso, a receita própria em 2017 foi de R$ 4,6 milhões, alta de 18% sobre o ano anterior. Em 2018, a expectativa é de um salto de até 80% no faturamento, estima Luna.
Assim, a ordem é ter maior esforço comercial, focar no mercado privado e se associar pontualmente a outras empresas da área ou mesmo clientes que possam investir em algo que o orçamento da Ceitec não suporte.
— Temos de unir a competitividade à competência técnica que a empresa já tem — diz o diretor de negócios Sergio Roberto de Lima e Silva.
O novo posicionamento foi apresentado neste mês na Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, ligada ao Ministério do Planejamento, e aprovada pelo conselho de administração da empresa, na segunda-feira passada.
Para driblar as limitações de orçamento, a orientação é buscar parcerias e investidores para tocar projetos, uma alternativa para contornar a falta de dinheiro e a morosidade estatal. É o caso de empreitadas que necessitem de investimento em um equipamento, exemplifica Luna. O trabalho em conjunto com outras empresas também traz mais competitividade. Hoje, por exemplo, um chip fabricado pela Ceitec pode ser mais caro do que um asiático, mas se o produto for vendido já dentro de uma etiqueta (pequeno objeto que contém o chip), pode chegar mais barato ao cliente do que um concorrente importado.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), Rogerio Nunes, lembra que o setor de microeletrônica depende de agilidade e investimentos vultosos, mas defende a mão do governo na área.
— É estratégico para um país dominar essa tecnologia. Ainda que a Ceitec tenha dificuldade para dar resultado ou conquistar mercado, os valores investidos são irrisórios perto de outras iniciativas da área. Mas quanto mais agilidade e autonomia tiver, melhor —diz Nunes.
O setor de semicondutores movimenta cerca de US$ 450 bilhões por ano no mundo, cita o dirigente. No Brasil, são entre US$ 10 bilhões e US$ 11 bilhões, mas apenas em torno de US$ 1 bilhão são de vendas de empresas brasileiras.
O potencial, então, é grande, mas parte da baixa inserção das companhias instaladas no Brasil está no fato de o centro de decisão das fabricantes de eletrônicos estar no Exterior. Assim, observa o dirigente, mesmo que 90% dos smartphones e computadores vendidos no Brasil sejam de fabricação nacional, os chips vêm de outros países, especialmente da Ásia.
O que é um chip
Um pequeno dispositivo microeletrônico (geralmente menor do que um grão de arroz) formado por milhões de componentes que armazenam, processam e comunicam dados. Os chips estão cada vez mais presentes no dia a dia. Estão em veículos, eletrodomésticos, TVs, computadores, celulares, cartões de crédito e nas etiquetas para cobrança de pedágios colocadas nos para-brisas de automóveis. A Ceitec concentra atividades na fabricação de chips RFID — sigla para Radio Frequency Identification, ou identificação por radiofrequência.
Etiquetas RFID
É uma evolução do código de barras. Enquanto esse precisa ser posicionado a uma curta distância do equipamento leitor para ser lido, um a um, várias etiquetas RFID podem ser lidas simultaneamente, a distância de até alguns metros. Isso traz maior eficiência ao processo de conferência de itens, por permitir maior agilidade e precisão.