Interrupções de repasse de recursos, mudanças no projeto, dificuldade em navegar pela burocracia e desafios técnicos de implantar a primeira fábrica de chips do país explicam por que o presidente Lula inaugura, hoje à tarde, na Capital, um projeto criado em junho de 2000. A empresa já emprega 120 engenheiros e projetistas e ajudou a atrair investimentos, mas tem pela frente o desafio de ser competitiva em um mercado global.
Veja como funciona a Ceitec:
Se tudo correr como o planejado pelos organizadores, hoje à tarde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vestirá um traje esterilizado e iniciará a linha de produção de chips da Ceitec SA, marcando o fim de uma espera iniciada em junho de 2000, quando a Motorola doou ao Estado equipamentos de uma fábrica que fechara em Austin, nos Estados Unidos.
Unanimidade rara entre políticos, empresários e universidades, a história do empreendimento de R$ 500 milhões, que já teve três nomes diferentes para a mesma sigla e diversas datas estimadas para o início da produção - a previsão atual é no fim deste ano - mostra como a dificuldade de trazer uma indústria totalmente nova ao país se soma aos percalços da burocracia estatal e à falta de recursos.
Inicialmente, o foco da parceria entre governo estadual e prefeitura, universidades e Motorola era formar mão de obra capaz de desenhar chips que poderiam ser usados em equipamentos eletrônicos e produzir protótipos na sala limpa, onde se fabrica o chip, doada pela Motorola. Agora, a Ceitec também quer competir em um mercado crescente de chips para funções específicas, como o rastreamento de animais, que dá mais segurança ao consumidor sobre a origem e a qualidade da carne.
Na assinatura do contrato com a Motorola, esperava-se que a produção começasse já em 2002. Mas fatores técnicos novos para os brasileiros surgiam - a ideia de colocar a fábrica no bairro Navegantes, por exemplo, não vingou por causa do solo da região, instável para os equipamentos de alta sensibilidade. A procura e a desapropriação de outra área, na Lomba do Pinheiro, levaram um ano.
Empresa abre caminho a outras
Além das dificuldades técnicas, havia falta de recursos. Transformado em uma empresa autônoma em 2001, o projeto teve a licitação para a construção aberta só no final de 2004. A burocracia estatal também deixa o processo mais lento, reconhece o coordenador-geral de microeletrônica do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), Henrique Miguel. Um investimento privado não precisa abrir concorrência pública nem tem obrigação de contratar um consórcio nacional para construir os prédios. A Ceitec, sim.
- A iniciativa privada contrata uma empresa no Exterior que constrói tudo de uma vez. Nós tínhamos de abrir uma licitação para cada etapa, de acordo com as regras. Isso leva bem mais tempo - diz Miguel.
A vantagem é que agora há um consórcio de empresas no país com experiência nesse tipo de construção, pondera Miguel. E esse sempre foi o principal objetivo da Ceitec, segundo o empresário Luiz Gerbase, da gaúcha Altus: abrir caminho para outras empresas do tipo. Alta tecnologia, explica, exige condições especiais de energia elétrica e tratamento de gases e de água, por exemplo, em um nível não visto antes no país.
- Isso tem um efeito multiplicador.
Há uma diferença crucial, na hora de negociar um investimento estrangeiro, quando há outros que abriram caminho. Foi difícil e demorado, mas era essa a função da Ceitec, ser uma rosa no deserto - afirma Gerbase, cuja empresa é sócia da HT Micron, fábrica de encapsulamento de chips que está sendo montada em São Leopoldo.
Vindo da iniciativa privada no ano passado para presidir a Ceitec em 2009, o alemão Eduard Weichselbaumer acostumou-se a driblar a burocracia para tocar um negócio que inova a toda hora. Isso exige ir a Brasília pelo menos uma vez a cada duas semanas. O esforço permitiu acelerar a contratação de 120 pessoas que vão coordenar os testes da fábrica e os cinco projetos em andamento no centro de design. Mas não garante tranquilidade: no orçamento de 2010 do MCT para a Ceitec, um erro de digitação colocou R$ 51 milhões na rubrica de gastos com pessoal e R$ 27,9 milhões para investimentos - o correto era o inverso.
- O pessoal do MCT é motivado e mais ágil do que eu esperava. Estão fazendo o possível para corrigir isso, mas alguns recursos não poderemos usar este ano - diz o executivo.
Weichselbaumer gosta de dizer que a Ceitec SA só iniciou há um ano, após a estatização. Definiu controle rígido das informações sobre negócios e projetos, preparando-se para uma competição internacional dura - sua expectativa é funcionar sem recursos federais até 2013. Para os gaúchos, ver a Ceitec inaugurada é resultado de uma década de esforço. Para Weichselbaumer e sua equipe, está só começando.
Já foi feito
PROJETOS FINALIZADOS
Mesmo sem ter produzido nenhum chip ainda, a Ceitec já desenhou três modelos e trabalha em mais cinco:
- Chip do boi Dispositivo de radiofrequência (RFID) que armazena os dados de cada animal em um rebanho e permite saber a origem de cada animal
- Chip para controladores eletrônicos da Altus
- Circuito para modulação de TV digital
PROJETOS EM ANDAMENTO
- Rastreamento de veículos
- Identificação de bagagem em aeroportos
- Identificação de medicamentos
- Pagamento automático de pedágio
- Rastreamento de produtos industrializados