Desde que o governo federal manifestou o desejo de promover reforma na Previdência, em 2016, o contador Erno José Mallmann, 50 anos, ficou em dúvida em relação a possíveis alterações no sistema de aposentadorias.
Por conta das incertezas, o morador de Porto Alegre resolveu não aguardar as definições da política de Brasília. No primeiro trimestre deste ano, entrou com pedido no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em busca do benefício.
Para conseguir se aposentar por tempo de contribuição, Mallmann tem de comprovar que, antes de desembarcar na capital gaúcha, trabalhou como agricultor em Campina das Missões, na região noroeste do Estado, sua terra natal.
– Comecei no campo. Trabalho desde os 12 anos. Resolvi fazer o pedido de aposentadoria porque há instabilidade causada pelo projeto de reforma da Previdência, que tem de acontecer, mas não nos moldes adotados pelo governo. As mudanças precisariam ficar mais claras para a população – afirma o contador.
A decisão de Mallmann reflete movimento em alta no Rio Grande do Sul. Entre janeiro e setembro deste ano, o número de trabalhadores que encaminharam pedidos de aposentadoria chegou a 181,5 mil, crescimento de 26,7% na comparação com igual período de 2016, apontam dados fornecidos pelo INSS.
— O aumento está relacionado ao projeto de reforma. Com medo da proposta, muita gente resolveu fazer a solicitação — resume Luiz Felipe Pereira Veríssimo, um dos diretores do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev).
O avanço nos pedidos de aposentadoria também pode ser visto em intervalo mais amplo. Em cinco anos, a quantidade de requerimentos teve crescimento significativo no Estado.
Segundo o INSS, nos primeiros nove meses de 2013, o número de solicitações havia sido de 121,7 mil. No mesmo período de 2017, é de 181,5 mil, alta de 49,1%.
— O Rio Grande do Sul é um dos Estados em que o processo de envelhecimento se tornou muito rápido. É uma questão estrutural. Com as incertezas em relação ao projeto de reforma da Previdência, as pessoas tentam se antecipar e solicitam a aposentadoria — ressalta o economista e professor da PUCRS Adalmir Marquetti.
Para o pesquisador Bruno Ottoni, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), a recessão também explica, em parte, a alta na procura pelo benefício.
Com a dificuldade para encontrar emprego, uma parcela dos trabalhadores já em condições de se aposentar pode ter antecipado as solicitações ao INSS, pontua o especialista.
– Com o envelhecimento da população, a tendência é de que cada vez mais pessoas busquem se aposentar – acrescenta Ottoni.
Mesmo que, segundo analistas, a reforma da Previdência tenha alavancado a procura no INSS, o futuro do projeto no Congresso é cercado por interrogações.
Desde que o conteúdo da delação da JBS foi divulgado, em maio, as articulações do governo para alcançar a aprovação da proposta foram deixadas de lado devido à turbulência que atingiu o Palácio do Planalto.
Integrante da tropa de choque de Michel Temer na Câmara, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) diz que a segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o presidente, encaminhada em setembro, freou novamente a busca pelos 308 votos necessários na Casa para o avanço da reforma.
Apesar disso, considera que o governo tem condições de retomar as tratativas em busca da aprovação.
– De maio para cá, a Câmara votou ou ficou esperando novas denúncias da PGR. As flechadas (de Janot contra Temer) saíram pela culatra. Esperamos passar pela nova denúncia para retomar as conversas sobre a reforma – declara.
Do lado da oposição, o discurso de parlamentares coloca em xeque a capacidade de o Planalto obter apoio necessário para a aprovação da proposta. Para o deputado Pepe Vargas (PT-RS), a reforma busca dificultar o acesso da população ao sistema de aposentadorias.
– Posso dizer, com toda a certeza, que o governo não tem os votos de que precisa para a aprovação. A pau e corda, conseguiria uns 220. E olhe lá – calcula.