Atualmente, o Brasil tem cerca de 20 milhões de aposentados pelo INSS, sendo que, de cada três, dois ganham um salário mínimo. Consultora e professora de psicologia econômica na ESPM, Luciane Fagundes avalia que a relação do brasileiro com o seu futuro financeiro é de "despreocupação e imprevidência". Ou seja, a maioria da população está desprotegida para enfrentar os desafios de uma longevidade cada vez maior.
– Essa é uma questão fundamentalmente comportamental. É preciso mudar nossa relação com o dinheiro e encarar a previdência complementar como necessidade básica, assim como já fazemos com a saúde suplementar, afinal, ninguém deseja ter de depender do SUS. Daqui para frente, cada um será responsável por complementar a aposentadoria oficial, viabilizando a sua sustentabilidade financeira – diz Luciane.
Leia também
Simule quanto você pode acumular em um plano de previdência privada
Crise e reforma dão gás à previdência privada
Expansão dos fundos fechados não afasta riscos de fraude e má gestão
A psicóloga lembra que o hábito de poupar para o futuro é uma prática que exige frequência, regularidade e, sobretudo, antecipação: quanto antes começar, melhor. Segundo Luciane, o grande desafio é conscientizar os jovens que encaram o futuro como algo ainda muito distante e intangível:
– Nada mais doloroso e indigno do que chegar à velhice e não dispor de recursos e ter de depender da ajuda de terceiros ou precisar continuar trabalhando forçosamente. Com o aumento da nossa longevidade, crescem também nossos riscos. Além de precisarmos de fôlego financeiro, estaremos mais expostos a vulnerabilidades, como doenças incapacitantes e invalidez. Pensar e agir buscando independência e autonomia econômica é sinal de maturidade financeira.
Apesar de estar em crescimento, o mercado da previdência complementar – aquela na qual qualquer pessoa pode contratar um plano em bancos e seguradoras – ainda engatinha no Brasil. São pouco mais de 13 milhões de beneficiários. Estudo feito pela Willis Towers Watson, empresa global de consultoria, mostra que apenas sete países reúnem hoje 91,7% das reservas globais de previdência privada.
Líder do ranking, a Holanda conta com US$ 1,3 trilhão em ativos, correspondente a 168,3% do PIB. O país tem 17 milhões de habitantes e expectativa média de vida de 81,7 anos. Lá, além da previdência pública, foi criado um "segundo pilar", financiado por contribuições obrigatórias. Quando contratado, o empregado é automaticamente inscrito em um plano de previdência complementar. No final do ano passado, o total de ativos nos 22 principais mercados mundiais somava US$ 36,99 trilhões, alta de 4,3% em relação a 2015. Conforme a Willis Towers Watson, na última década, o Brasil (8%) foi o quarto país com a maior taxa de crescimento, atrás de México (11,8%), África do Sul (9,7%) e Chile (9,2%).
Proteção para novos papéis na aposentadoria
A preocupação com o futuro começou cedo para José Eray Martins e Silva, 73 anos. Duas décadas antes de se aposentar da Petrobras, aderiu ao plano Petros assim que o fundo de pensão da estatal foi criado, em 1970. A mesma decisão foi tomada pela maioria dos seus colegas. Afinal, conta, era um sonho antigo dos funcionários da empresa e uma espécie de salvaguarda para manter a qualidade de vida num futuro não tão distante.
A aposentadoria chegou em 1991. Passado o baque inicial da mudança de rotina que cumpriu ao longo de quase três décadas, Eray se permitiu desfrutar do tempo livre. O teatro virou um dos seus hobbies preferidos. Desde 2003, participa do grupo Tanabeira, que reúne atores e atrizes maduros e nasceu nas dependências do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetro-RS). Recentemente, também começou a participar dos ensaios do grupo da Casa do Poeta de Canoas.
O aposentado não se arrepende de ter investido na previdência complementar, e aconselha quem puder a fazer mesmo. De acordo com ele, o valor recebido da fundação Petros permite que tenha um padrão de vida bem melhor do que se recebesse só o benefício pago pelo INSS. Hoje, seus vencimentos totais correspondem a aproximadamente 90% do que receberia se ainda estivesse na ativa.
– Acho que a gente deve se preparar, fazendo algumas reservas. Quando te aposenta, mesmo que se aposente bem, o salário diminui e, por outro lado, as despesas aumentam, com mais consultas, remédios. Para mim, todo mundo deveria ter uma aposentaria digna. Porque a aposentadoria não é o fim, é o início de uma nova vida – reflete.
Pai de Daniel, 38 anos, Eray agora tem outros planos. O aposentado vai ganhar um novo papel em novembro, talvez um dos mais importantes que irá desempenhar em sua vida: o de avô. À espera de Henrique, o primeiro neto, ele sabe que, para esse personagem, não adianta ensaiar. O segredo é apenas curtir o presente.
Leia também
Por apoio à reforma da Previdência, Planalto admite relevar traições da base
Placar de votação dá mais segurança para reformas, diz ministro
ENTREVISTA: Fábio Giambiagi, economista
"O país é viciado no chamado 'curtoprazismo'"
Um dos maiores especialistas do país em previdência e finanças públicas, o economista Fábio Giambiagi entende que a educação financeira deveria ser disciplina obrigatória no Ensino Médio. Segundo ele, mais do que reformar o sistema previdenciário, o Brasil tem um desafio cultural pela frente para fazer com que os jovens se preparem para a aposentadoria.
Como avalia o desempenho do Brasil frente ao de outros países?
Diria que estamos na Série B, mas no G-4 da Série B. Não temos o desenvolvimento institucional de países como Inglaterra ou Estados Unidos, mas, entre as economias emergentes, estamos bem situados. Temos tido uma série de problemas, a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) precisa melhorar, precisamos nos preparar muito melhor para o contexto de juros baixos, mas temos regras que têm sido aprimoradas com o tempo, instituições fortes financeiramente e boas perspectivas.
O governo deveria estimular as pessoas a contratarem planos?
O principal desafio é cultural: temos de introjetar desde cedo no jovem a consciência de que um dia ele vai ter 65 anos, e se não se preparar durante 40 anos para esse dia, sua vida no futuro pode enfrentar série de problemas. Sou contra, no atual contexto, dar benefícios tributários, que não podem ser comportados no contexto fiscal.
Qual é o perfil dos investidores?
O perfil ideal do investidor deve ser o de alguém precavido, com visão de longo prazo e disposto a correr riscos moderados, com responsabilidade. Mas o país é viciado no chamado "curtoprazismo". Uma das coisas nas quais o Brasil deveria pensar é em instituir o curso obrigatório de educação financeira no segundo ano do Ensino Médio, complementado por outro de educação previdenciária no terceiro.