Segundo o coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Antônio Carlos de Mello Rosa, o Brasil pode começar a ser citado como exemplo negativo nos organismos multilaterais por conta da portaria, publicada na segunda-feira (16), que dificulta a comprovação de trabalho escravo. As informações são do jornal O Globo.
A medida do governo — que muda o que os fiscais podem considerar trabalho análogo à escravidão, previsto no Código Penal — é considerada ilegal por Mello Rosa e por entidades de defesa dos direitos dos trabalhadores. Segundo especialistas, qualquer mudança teria de ser feita por lei e não através de portaria.
— A OIT lamenta essa regressão na luta contra o trabalho escravo. Este documento, de uma vez só, impede o trabalho da fiscalização e esvazia a lista suja. Ao obrigar que um policial lavre um boletim de ocorrência, impede ações de resgate. Se um auditor fiscalizar uma obra e constatar que há trabalhadores escravizados, não poderá resgatá-los — afirmou Mello Rosa ao O Globo.
A portaria, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira, também estabelece que deverá constar "obrigatoriamente" do auto de infração uma série de materiais para identificar a existência dos delitos. São eles: "menção expressa a esta Portaria e à PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016; cópias de todos os documentos que demonstrem e comprovem a convicção da ocorrência do trabalho forçado; da jornada exaustiva; da condição degradante ou do trabalho em condições análogas à de escravo; fotos que evidenciem cada situação irregular encontrada, diversa do descumprimento das normas trabalhistas, nos moldes da Portaria MTE 1.153, de 14 de outubro de 2003; e descrição detalhada da situação encontrada".
O texto também faz alterações na norma que criou o cadastro de empregadores que submetem indivíduos a essa situação, a chamada "lista suja do trabalho escravo".
A portaria traz o conceito de quatro situações que configuram regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo e que devem ser observadas e documentadas pelos auditores do ministério na hora da fiscalização das propriedades para comprovar as condições de trabalho das vítimas.
As exigências valem para o enquadramento dos casos no crime e para possibilitar a inclusão na "lista suja" do empregador, a quem será assegurado o exercício do contraditório e ampla defesa diante da conclusão da inspeção do governo. Na prática, a portaria dificulta a punição de flagrantes em situações desse tipo.
O diretor-presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, que reúne 500 empresas que defendem a atuação socialmente responsável, diz que a portaria tira a credibilidade da lista suja:
— A lista vai ficar submetida à questão política. É um risco para as empresas que vão comprar e financiar quem pode ter sido flagrado usando trabalho escravo. Corre o risco de ser considerado corresponsável. Essas medidas geram insegurança e afetam a credibilidade da lista, o instrumento mais importante no mundo, referência global. As empresas vão ficar sem bússola para identificar oportunistas que se beneficiam da exploração.
Além disso, a medida pode prejudicar a economia do Brasil, conforme explicou Leonardo Sakamoto, conselheiro do Fundo das Nações Unidas contra o Trabalho Escravo.
— O Brasil não teve problemas graves no comércio internacional por causa da lista suja. Ela permite que um comprador externo elimine um fornecedor de sua cadeia em vez de impor uma barreira ao Brasil. Grandes varejistas e gigantes do setor alimentício global usam a lista. O Brasil pode ter o comércio internacional bloqueado setorialmente. Não vão conseguir separar o joio do trigo.