Pela primeira vez desde sua criação, em 1999, a meta fiscal do governo federal poderá ser revista para ampliar o rombo nas contas. Na última década, houve alterações em oito anos, mas em nenhuma das vezes a União obteve autorização para registrar déficit primário superior ao inicialmente previsto.
Embora tenha garantido, em 2016, que fecharia 2017 com no máximo R$ 139 bilhões no vermelho, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, passou a admitir a possibilidade de reconsiderar o compromisso – e para pior.
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Entre 2007 e 2013, as modificações se limitaram a reduzir a promessa de saldo positivo. De 2014 a 2016, o objetivo original, que era de superávit, passou a ser deficitário. Agora, o rombo, que já era certo, pode crescer em quase R$ 20 bilhões. A nova meta deve ser anunciada até o dia 15, e a expectativa é de que fique entre R$ 150 bilhões e R$ 156 bilhões negativos.
Entre economistas e analistas de mercado, a oscilação crônica, sobretudo desde que os déficits se tornaram inevitáveis, é motivo de preocupação. Na prática, indica que o governo tem dificuldades para conter o avanço do endividamento.
– É um problema sobretudo em termos de sinalização para o mercado, de geração de confiança. Revela descontrole no gasto público – avalia Paulo Bijos, da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados.
Mudança é criticada por especialistas
Professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcelo Portugal condena as alterações e, em especial, a nova revisão prevista, caso se confirme.
– É como o cara que está acima do peso e vai na churrascaria. Aí ele diz: na segunda-feira começo o regime, só que não começa nunca. Ele está se enganando. Com o governo é a mesma coisa – compara Portugal (leia mais na entrevista abaixo).
De janeiro a junho, o rombo das contas deste ano chegou a R$ 56,1 bilhões. A tendência é crescer em ritmo mais acelerado no segundo semestre, em razão de despesas como o 13º salário dos servidores, e atingir cerca de R$ 145 bilhões. Como o governo argumenta que a margem para reduzir os gastos e ampliar a arrecadação é limitada, a revisão é dada como certa por especialistas.
– Nunca achamos que o governo fosse cumprir a atual meta. O que nos preocupa é o que vem pela frente. Para fins de mercado, o mais importante é garantir a contínua melhora do resultado fiscal, ano a ano, ainda que pequena – diz o analista Fábio Klein, da Tendências Consultaria.
Meta fiscal
O que é?
A meta fiscal é um objetivo a ser perseguido pelo Tesouro Nacional. Foi criada para que o governo passasse a fazer uma espécie de poupança para pagar os juros da dívida pública e, assim, evitar a ampliação do endividamento.
Como é estabelecida?
A meta para cada ano é definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas, nos últimos anos, vem sendo alterada com frequência.
Por que é importante?
Porque indica o compromisso do governo com o equilíbrio das contas, além de ser uma maneira de estabilizar as dívidas. Se o resultado prometido é alcançado, ganha credibilidade e isso se reflete de forma positiva na economia.
Qual é a meta ideal?
O valor depende do objetivo da política econômica. O ideal seja sempre ter superávit – o que ocorreu entre 1999 e 2013. Déficits são toleráveis em situações de intensa crise, mas devem ser reduzidos a cada ano.
Qual é o risco de revisar muitas vezes a meta?
Pode passar a ideia de que o governo não tem compromisso com o equilíbrio das contas, o que leva a perda de credibilidade. Quando o governo aumenta a previsão de déficit, significa que não cumpre seu próprio planejamento.
Mudanças na última década
Alterações diretas
Foram realizadas em 2009, 2015 e 2016. Só em 2015, o governo revisou o objetivo duas vezes: em julho, reduziu a previsão de superávit, e, em dezembro, estabeleceu déficit. Em 2016, a então presidente Dilma Rousseff prometeu superávit e, em março, tentou autorização do Congresso para déficit de R$ 96,6 bilhões. Quando a equipe de Michel Temer assumiu, em maio, obteve aval para déficit de R$ 170,5 bilhões. Em 2017, a meta pode voltar a ser revista, assim como em 2018.
Alterações indiretas
Em 2007, 2010, 2011, 2013 e 2014, o governo flexibilizou a forma de cálculo da meta, com medidas como o abatimento de desonerações e de investimentos e a exclusão de empresas estatais da conta.
ENTREVISTA
"O mercado vai passar por cima", diz professor da FGV
Para o professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV) Nelson Marconi, o mercado será condescendente com a nova revisão da meta, caso seja confirmada pelo governo federal.
A nova revisão da meta fiscal é inevitável?
Só seria evitável se o governo conseguisse aumentar impostos, mas não vai conseguir. Então é inevitável. Minha avaliação é de que o governo cometeu um grande erro de estratégia. Mesmo mudando a meta agora, os problemas vão continuar.
A meta sofreu alterações em oito anos na última década. Qual é a sua a avaliação?
A receita a ser obtida muitas vezes é superestimada, e a lógica da execução orçamentária não é linear. Tem períodos em que o governo gasta mais ou menos, e ele não faz o planejamento adequado disso. Aí, começam pressões. Gasta aqui, gasta ali. Rever tantas vezes a meta é um problema, sem dúvida.
Se isso se confirmar outra vez, qual será o impacto?
No começo, vai ser difícil. Vai ter um certo baque, mas no fundo o mercado quer que essa equipe econômica se mantenha. O mercado vai passar por cima. Se fosse no passado recente, a reação seria bem diferente. Haveria muitas críticas.
Houve falha de planejamento?
Lógico. Primeiro, porque governo deveria ter aprovado a reforma da Previdência antes do teto de gastos. Sem a reforma, não tem como cumprir o teto. Segundo, por achar que bastava o mercado recuperar a confiança para a economia voltar crescer. Foi um erro crasso de política econômica. Terceiro, por ter dado reajuste aos servidores quando deveria contingenciar despesas.
ENTREVISTA
"Passará mensagem muito ruim", diz professor da Ufrgs
Professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcelo Portugal vê com preocupação a possibilidade de a equipe econômica revisar mais uma vez a meta fiscal.
A nova revisão da meta fiscal é inevitável?
Inevitável só a morte. Aliás, a morte e os impostos. A discussão é outra: queremos nos endividar mais ou não? Se o governo aumentar a meta, vai se endividar mais. Revisar a meta é empurrar o problema com a barriga.
A meta sofreu alterações em oito anos na última década. Qual é a sua a avaliação?
Essa história começou no fim do governo Lula e no início do governo Dilma. Temos meta fiscal desde 1999. De lá até 2007, não houve maiores problemas. Superávamos a meta com tranquilidade. Depois, passamos a fingir que a meta era cumprida, botando receitas aqui, tirando despesas dali. Aí, a meta deixou de ser crível. Se a gente define uma meta e muda a cada tropeço, na verdade, é como se ela não existisse.
Se isso se confirmar outra vez, qual será o impacto?
Passará uma mensagem muito ruim. O ministro Henrique Meirelles garantiu que isso tinha acabado, e a gente vai continuar se enganando. É como o cara que quer perder peso e altera a balança. O governo diz que a receita caiu. Não é que a receita caiu, é que o governo imaginou uma receita que obviamente não ia existir.
Houve falha de planejamento?
Não tenha a menor dúvida. O governo Temer deu aumento aos servidores já na saída. Será que não se deu conta de que isso afetaria a meta? E a austeridade? Infelizmente não aconteceu e, em parte, foi por questões políticas.