Depois de pedir demissão do emprego em uma petshop de Porto Alegre, em dezembro de 2016, e não encontrar novo trabalho durante o verão, Diego Machado da Silveira, 29 anos, resolveu tentar a sorte nos negócios. Em março, buscou informações no Sebrae e abriu uma microempresa de serviços de corte de grama e limpeza de pátios. Para realizar as tarefas, tem o auxílio do primo Arlem Machado Nast, 34 anos.
– Minha família é do Interior, trabalhou no campo. Sempre gostei de terra, de grama – diz Silveira.
Ele faz parte da parcela conhecida como microempreendedor individual (MEI), que vem puxando a criação de empresas no Rio Grande do Sul. No primeiro semestre de 2017, o número de novos negócios com essa natureza jurídica chegou a 46.166, o que significa avanço de 53,3% desde 2013 – em igual período daquele ano, foram 30.112, aponta estatística da Junta Comercial, Industrial e Serviços do RS (JucisRS). A participação de MEIs na abertura de empresas cresceu 26,75% no período.
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Entre janeiro e junho deste ano, os MEIs representaram 75,8% de todas as 60.905 empresas criadas no Estado. No mesmo período de 2016, quando a economia não esboçava sinais de retomada, o número foi até levemente superior. À época, o contingente de 47.191 novos microempreendimentos individuais correspondia a 75,9% de todos os 62.170 negócios inaugurados no Rio Grande do Sul.
– Com o alto índice de desemprego no país, as pessoas passaram a abrir suas empresas. O grande avanço dos MEIs nos últimos anos tem relação com a crise – analisa o presidente da JucisRS, Paulo Roberto Kopschina.
A inserção do microempreendedor individual no mercado formal de trabalho do país começou em 2009, com a entrada em vigor de legislação específica. Para ter seu CNPJ enquadrado nessa categoria, o empresário deve faturar até R$ 60 mil por ano ou R$ 5 mil por mês e pode ter um empregado que receba salário mínimo ou o piso da categoria em questão.
– Além das condições do cenário econômico, o crescimento de MEIs está ligado ao fato de que essa forma jurídica não existia até pouco tempo. Muitos acabaram se formalizando na atividade que já exerciam – sublinha o economista Flavio Calife, da Boa Vista SCPC.
No acumulado deste ano até julho, o número de microempreendimentos individuais abertos no Estado chegou a 46.190, segundo a JucisRS. Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, Marcio Sanches projeta que, quando a economia brasileira deixar a recessão para trás, os negócios de maior porte, como grandes companhias, serão mais enxutos, com menos funcionários. Assim, haveria espaço para os MEIs continuarem a crescer, observa:
– Apesar do risco que qualquer empresário enfrenta em relação ao faturamento, os microempreendedores individuais trazem um atributo da cultura das novas gerações: a busca por autonomia. Esses profissionais veem uma possibilidade interessante de trabalho, que se ajusta ao seu estilo de vida.
A economista Lucia Garcia, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), salienta que o crescimento dos MEIs gera garantias jurídicas para quem atuava de maneira informal – a lei prevê acesso a benefícios sociais. Lucia, entretanto, ressalta que, em alguns casos, as portas são fechadas logo depois de serem abertas – o tempo médio de existência dos negócios não é medido pela Junta Comercial:
– Qual é o futuro desse mercado? Os MEIs podem abrir empresas à vontade, mas nem sempre terão acesso ao mercado consumidor. A questão é olhar para o túnel e ver quem conseguirá atravessá-lo.
O que é MEI
-O microempreendedor individual pode faturar, no máximo, R$ 60 mil por ano ou R$ 5 mil por mês.
-Segundo a legislação, não pode participar de outra empresa como sócio ou titular.
-Pode ter, no máximo, um empregado que receba salário mínimo ou piso da categoria em questão.
-A empresa é enquadrado no Simples Nacional e fica isenta de tributos federais, como Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL.
-Tem de pagar, mensalmente, taxas de R$ 47,85 (comércio ou indústria), R$ 51,85 (prestação de serviços) ou R$ 52,85 (comércio e serviços).
-Permite ao microempreendedor acesso a direitos como auxílio-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria.
Orientação para manter a empresa aberta
Os microempreendedores individuais (MEI) dividem-se em dois grupos. Segundo o gerente da regional metropolitana do Sebrae-RS, Paulo César Bruscato, um é formado por quem não encontra vagas de trabalho e abre negócios por necessidade. O outro reúne os MEIs que vislumbram oportunidade para ter renda maior. Em ambos os casos, explica, é necessário planejamento antes de apostar em uma empresa própria.
– No Sebrae, passamos informações aos empreendedores sobre questões burocráticas de abertura de empresas. É preciso que eles olhem para o mercado e entendam como o mercado compra o que será vendido – salienta Bruscato.
Patricia Santos Pereira, 40 anos, procurou o Sebrae no primeiro semestre para buscar auxílio antes de reabrir sua loja de moda feminina em Canoas, na Região Metropolitana. Criado em 2013, já sob a figura de MEI, o negócio havia fechado as portas no ano passado em razão de dificuldades de caixa. Depois das orientações na instituição, Patricia passou a apostar, a partir de janeiro, em um nova estratégia, batizada com o slogan "desapega e movimenta":
– Agora, além de comprar, as clientes podem trazer para a loja roupas que não usam mais. Avalio se as peças são do perfil procurado. Se forem, são colocadas à venda. Se outro cliente comprar as roupas, quem deixou as peças aqui ganhará bônus para usar na loja.
Por conta da reabertura do estabelecimento, Patricia diz não ter vontade de deixar a vida de microempreendedora. Antes de criar a loja, ela havia trabalhado em outro ponto de venda de roupas localizado em Canoas.
– Não penso em voltar para o mercado de trabalho – garante.
Encerramento de atividades diminui no primeiro semestre
O número de abertura de empresas gaúchas com diferentes naturezas jurídicas chegou a 60.905 no primeiro semestre deste ano. Em relação a igual período de 2016, quando estava em 62.170, indica relativa estabilidade, conforme a Junta Comercial, Industrial e Serviços do RS (JucisRS).
Depois dos microempreendimentos individuais (MEIs), a maior criação de negócios foi registrada pelas sociedades empresariais de responsabilidade limitada (Ltda), que atingiram a marca de 6.435 novos estabelecimentos – 10,6% do total. Nesse modelo, é admitida a presença de sócios nas empresas, e a participação de cada um é definida conforme a sua contribuição.
– Quando a crise terminar, a tendência é de que parte das pessoas que trabalham como MEIs abram mão disso e busquem outras atividades. O nível de aumento na parcela de microempresários individuais deve ser reduzido – estima o economista Guilherme Stein, da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
Para o presidente da JucisRS, Paulo Roberto Kopschina, a relativa estabilidade na abertura geral de empresas no Estado "impede uma análise mais criteriosa" sobre o resultado do primeiro semestre.
O que Kopschina destaca é que o fechamento de negócios diminuiu com maior força no Estado. Entre janeiro e junho deste ano, o número encerramentos de atividades foi de 24.125, recuo de 18,3% em relação a igual período de 2016, quando estava em 29.530.
– Esse resultado indica que paramos de cair. É sinal de retomada. É evidente que tudo não está resolvido, mas começamos a enxergar uma luz – observa Kopschina.
Conforme a Junta Comercial, o acumulado do ano até julho aponta que 63.399 empresas iniciaram suas atividades no Rio Grande do Sul. No sentido contrário, 26.595 fecharam as portas nos sete primeiros meses de 2017.
– Para a recuperação no meio empresarial, é fundamental que o Banco Central continue cortando o juro básico neste segundo semestre. O juro estava alto, e essa era uma das críticas do empresariado – acrescenta Kopschina.