Sob o argumento de ser mais um esforço em acertar as contas públicas, o governo de Michel Temer divulgou no fim da tarde de segunda-feira (24) uma nota na qual anuncia que vai implementar um Programa de Demissão Voluntária (PDV) e propor a jornada de trabalho reduzida com remuneração proporcional para servidores federais. A proposta, apesar da intenção, trará pouca economia aos cofres públicos e, mesmo que o governo estime incluir 5 mil funcionários no programa, o número representa apenas 0,75% do total de funcionários ativos que trabalham em órgãos ligados ao Executivo.
Os detalhes do programa devem ser definidos em medida provisória que será enviada ao Congresso ainda nesta semana. Até agora, o Ministério do Planejamento não informou se o PDV é focado para servidores ainda na ativa ou àqueles que já podem requisitar a aposentadoria. Nem explicou quais áreas terão direito.
Conforme o anúncio da pasta, o servidor terá direito a 1,25 do salário para cada ano trabalhado no funcionalismo público federal. Para entender, tome como exemplo alguém que trabalhou por 20 anos e ganha R$ 6 mil ao mês. Caso decida aderir ao PDV, essa pessoa irá receber R$ 7,5 mil por cada ano que trabalhou – totalizando R$ 150 mil pela sua contribuição ao longo de duas décadas.
Leia mais:
PDV deve atrair menos de 1% dos servidores federais na ativa; entenda
Governo prepara programa de demissão voluntária para servidores federais
Como evoluiu a carga tributária no Brasil em 10 anos
A outra proposta é que aqueles que trabalham oito horas ao dia possam reduzir a jornada de trabalho para seis ou quatro horas diárias – isto é, 36 ou 20 horas semanais. O salário diminuiria de forma proporcional e seria possível obter o pagamento adicional de meia hora diária.
Para Marilson Dantas, professor da faculdade de Administração, Economia, Contabilidade e Gestão Pública da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em finanças públicas, a proposta do governo deve ter como foco os servidores civis ativos que ainda têm idade para seguir na iniciativa privada.
– O governo quer economizar, então não vai se focar em quem já pode se aposentar, porque quem aderisse ao PDV nessa faixa ainda gerar custos com a aposentadoria. O foco deve ser em desligar do serviço público quem ainda tem idade para trabalhar – reflete.
O governo diz não ter uma estimativa de quantos servidores irão aderir ao PDV, uma vez que a adesão é voluntária. Contudo, no último PDV, realizado no governo FHC, houve cerca de 5 mil adesões ao plano. Caso esse número se repita, o impacto de economia da medida seria de aproximadamente R$ 1 bilhão por ano.
Apesar de 5 mil funcionários a menos parecer bastante, o número representa apenas 0,75% dos 656.298 mil servidores federais ativos ligados a órgãos do Executivo no país, segundo os dados do Painel Estatístico de Pessoal e do Boletim Estatístico de Pessoal, ferramentas alimentadas pelo Ministério do Planejamento na internet. Deste total, 36.224 são de funcionários lotados no Rio Grande do Sul que podem aderir às mudanças, cerca de 5,5% do total de servidores e 0,7% dos custos com folha de pagamento de funcionários na ativa no país.
As medidas serão aplicadas para conter os custos do funcionalismo – em especial, com a folha de pagamento – que vêm crescendo ano a ano. Em 2016, o governo gastou R$ 257,87 bilhões com servidores ativos, aposentados e pensionistas, o equivalente a 4,1% do Produto Interno Bruto (PIB). No ano anterior, o valor foi de R$ 238,49 bilhões, 4% do PIB. E, em 2014, foram R$ 222,37 bilhões, 3,8% do PIB.
O PDV apresentado pela equipe econômica de Michel Temer não é o primeiro do funcionalismo público. Os governos dos ex-presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso também apresentaram medidas semelhantes. Em nível estadual, o ex-governador Antônio Britto também promoveu um PDV.
Sindicatos e especialistas criticam medida
Entidades que representam os servidores públicos federais criticam o PDV e a redução da jornada de trabalho. Marizar Mansilha de Melo, secretário-geral adjunto do Sindicato dos Servidores Federais do RS (Sindiserf) e da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) diz que o governo não entrou em contato com a categoria para debater as propostas.
– PDVs apresentados por governos anteriores já não deram certo. O governo primeira libera verba descaradamente para deputado que votar a favor de corrupto e depois descarrega em cima da categoria mais frágil do funcionalismo público, que é o Executivo. Iremos combater até o fim – afirma.
O diretor da Condsef, Válter Cézar Dias Figueiredo, afirma que a proposta "está fadada ao fracasso" e que a entidade vai orientar os servidores a não aderirem.
– De uma forma geral nós somos contra qualquer plano de demissão, até mesmo porque o governo fala que está fazendo reforma para gerar emprego e ele é o primeiro a promover o desemprego. Então há uma contradição muito grande nisso – diz Figueiredo.
Já para professora de economia do setor público da UFRGS, Rosa Angela Chieza, a demissão voluntária e a redução na jornada são medidas com pouco critério de seleção e que podem fragilizar ainda mais a qualidade dos serviços públicos.
– A gestão pública deveria identificar onde há falta de servidores, onde há excedente e a partir daí oferecer o PDV e a redução da jornada para os funcionários que estão "sobrando". Mas, quando você oferece a qualquer um, corre-se o risco de perder quadros qualificados em áreas sensíveis, como saúde, educação ou segurança – defende.
Segundo o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, os servidores federais poderão aderir ao programa ainda neste ano, mas os desligamentos só devem ocorrer em 2018, já que não há recursos para fazer o programa. A ideia é incluir uma verba para esse fim no Orçamento de 2018 e limitar as adesões a esses recursos.
– Não estamos prevendo a adesão de um contingente elevado – disse Dyogo Oliveira, que na segunda-feira (24) havia projetado a adesão de até 5 mil servidores, com uma economia anual de R$ 1 bilhão.
A economia de R$ 1 bilhão com as medidas só deve ser sentida a partir de 2018, segundo o Ministério do Planejamento. O valor é pouco relevante se comparado às despesas da União para 2017, de quase R$ 3,4 trilhões, segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada na Câmara dos Deputados aprovada em janeiro deste ano. Além disso, será preciso arcar com os custos do próprio PDV, não revelados até agora, o que levanta em questão se a economia será de fato maior do que os gastos gerados com o programa.
O ministro do Planejamento admite que haverá um custo inicial do PDV, mas garante que o enxugamento da folha compensará os gastos, a longo prazo.
– Não se discute a viabilidade econômica do programa – diz.
Apesar do baixo impacto econômico, as propostas são importantes para colocar em pauta a gestão eficiente dos recursos públicos, argumenta Marilson Dantas, da UnB.
– O impacto na qualidade da oferta de serviços deve ser muito pequeno, porque o número esperado de pessoas para aderir (5 mil) é muito pequeno. O governo fez uma reposição de funcionários públicos muito grande no governo Lula e primeiro mandato da Dilma, de forma pouco gerenciada. Há a tendência de implementar ferramentas informáticas que melhorem a produtividade e, com isso, talvez não seja preciso tantos funcionários – diz o professor.