O saldo positivo de 1.107 empregos formais gerados no Rio Grande do Sul no primeiro semestre deste ano foi puxado pelo desempenho de um setor que ainda enfrenta dificuldades: a indústria de transformação. Entre janeiro e junho, as fábricas gaúchas abriram 12.448 vagas com carteira assinada, decorrentes de 136.494 contratações e 124.046 demissões, mostram os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. No sentido oposto, todos os demais setores tiveram resultados negativos no período, especialmente o comércio.
– Houve números positivos no primeiro semestre, mas ainda estão muito aquém para dizer que estamos em trajeto de crescimento – pondera a economista Iracema Castelo Branco, supervisora do Centro de Pesquisa de Emprego e Desemprego da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
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A alta na indústria de transformação entre janeiro e junho foi puxada por um avanço sazonal de 10.118 empregos no grupo que reúne empresas como as que trabalham com fumo. Em seguida, o ramo calçadista teve o segundo melhor desempenho do setor, com geração de 2.586 vagas.
Um dos gaúchos que conseguiu voltar para o mercado de trabalho graças à indústria foi Fabiano Cidade, 18 anos, morador de Estância Velha, no Vale do Sinos. Depois de terminar o Ensino Médio, o jovem encontrou na vizinha Ivoti uma chance para colocar um ponto final nos cinco meses sem emprego formal. Em abril, começou a atuar como auxiliar de expedição na fabricante de calçados West Coast. E não quer parar por aí. Seu plano agora é galgar novos cargos dentro da empresa.
– Penso em fazer um curso técnico e, depois, uma faculdade – conta Fabiano.
Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Iara Welle avalia que a abertura de vagas na indústria, como a preenchida por Fabiano, pode dar início a uma retomada consistente no mercado de trabalho. No entanto, pondera que as atuais condições do setor ainda freiam a reação.
– A recuperação no mercado de trabalho pode começar pela indústria, mas, com a grande capacidade ociosa, vai demorar – projeta Iara.
Na contramão das fábricas, o comércio, setor com o maior saldo negativo no primeiro semestre, fechou 6.814 empregos. Segundo Iracema, o corte reflete a queda nos negócios do setor, prejudicado pela redução na massa salarial de consumidores.
– É resultado do processo de recessão – diz a economista da FEE.
Depois do comércio, a agropecuária teve o segundo maior saldo negativo no Estado, com redução de 2.377 postos de trabalho. Em seguida, aparece a construção civil, que cortou 884 vagas no primeiro semestre.
– Podemos dizer que o mercado de trabalho ficou praticamente estagnado no Rio Grande do Sul – define o professor de Economia do Trabalho da UFRGS Giácomo Balbinotto Neto.
Em relação aos outros Estados da Região Sul, o crescimento gaúcho, de 1.107 empregos, foi o menos vigoroso. Entre janeiro e junho, enquanto Santa Catarina abriu 22.366 vagas, Paraná teve saldo positivo de 23.189 empregos com carteira assinada.
A alta menor na comparação com os vizinhos tem ligação com o resultado de junho, quando o Estado registrou fechamento de 9.513 empregos – puxado pela indústria de transformação e agropecuária. Foi o maior saldo negativo do país. Em 12 meses, o corte atingiu 39.715 vagas.
– A recuperação vista em outros indicadores econômicos ainda não chegou ao mercado de trabalho. Tem muito túnel até que a luz seja encontrada – sublinha Balbinotto.
Avanço nas fábricas com ajuda do fumo
A abertura de 12.448 vagas de trabalho formal na indústria de transformação no Estado, no primeiro semestre, foi puxada pelo ramo de empresas de borracha, fumo, couros e peles, com criação de 10.118 postos. Esse avanço, mostra o Caged, respingou em Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires. Conhecidas pela concentração de fumageiras, as duas cidades do Vale do Rio Pardo apresentaram os maiores saldos positivos no período, com geração de 5.078 e 4.660 empregos. Por ter relação com um evento específico, sublinham especialistas, o crescimento não é suficiente para indicar melhora no cenário dos próximos meses:
– O resultado tem relação com a colheita do fumo. É algo sazonal. Não sinaliza que estamos melhorando, tanto é que, em junho, houve queda em Santa Cruz – ressalta a economista da FEE Iracema Castelo Branco.
O segundo maior saldo de abertura de empregos na indústria foi registrado pelas fábricas calçadistas, com criação de 2.586 vagas de trabalho no primeiro semestre. O presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, comenta que, além de melhora na demanda doméstica, o segmento teve alta nas exportações entre janeiro e junho.
– Não foi um espetáculo porque as empresas vinham em baixa. Mas, no início do ano, as exportações ficaram acima do que era esperado. Os maiores compradores foram Estados Unidos e Argentina, onde houve boa recuperação – relata o executivo.
Apesar do número positivo no primeiro semestre, a indústria calçadista teve saldos negativos de 917 vagas de trabalho fechadas em junho e de 294 no acumulado de 12 meses. Com esse cenário, segundo Klein, não há garantia de que o segmento seguirá andando para frente até o fim do ano nos negócios e, consequentemente, nas contratações.
– Neste momento, o frio poderia contribuir para as vendas, mas isso ainda não se apresentou. Até agora, as pessoas não se animaram a buscar produtos para o inverno – salienta.
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Alívio no polo metalmecânico
Depois de Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires, Caxias do Sul – com abertura de 1.010 vagas formais – completa o pódio das cidades gaúchas que registraram os melhores saldos de geração de empregos no primeiro semestre. O município da Serra é considerado polo de indústrias mecânica e metalúrgica no Rio Grande do Sul, que tiveram criação de 922 e 913 postos de trabalho entre janeiro e junho.
Presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs), Reomar Slaviero afirma que o resultado semestral ainda não permite que se fale em crescimento. No entanto, observa que as companhias já atingiram o fundo do poço e, por isso, avalia que a situação não deva piorar nos próximos meses.
– Após a perda de cerca de 22 mil empregos em quatro anos, a abertura de mil é um sinal de que a indústria parou de cair. O semestre foi positivo, mas é preciso esperar – resume.
Nos últimos 12 meses, no Estado, a indústria mecânica encerrou 1.377 vagas de trabalho, enquanto a metalúrgica fechou 1.025 empregos.
– Houve reposições no primeiro semestre porque o nível de pessoal e os estoques haviam sido muito reduzidos. Mas isso não significa que as indústrias produziram mais. É difícil dizer que esse é o início da retomada – analisa a economista da FEE Iracema Castelo Branco.
Impacto do comércio na Capital
O fechamento de 6.814 empregos no comércio do Rio Grande do Sul, no primeiro semestre, foi puxado pelo segmento varejista, com saldo negativo de 7.229 vagas. No sentido oposto, o ramo atacadista abriu 415 postos.
Iracema aponta que o resultado do comércio se refletiu em Porto Alegre, pelo fato de o setor concentrar fatia relevante dos trabalhadores ocupados na cidade – em 2015, o percentual chegava a 16%. Segundo os dados do Caged, entre janeiro e junho deste ano, a Capital fechou, no total, 5.566 empregos formais, o pior saldo entre os municípios gaúchos.
– Com a crise, temos desemprego em alta, pequena recuperação nos rendimentos médios e menos consumo – afirma a economista do Dieese Iara Welle, ao citar os fatores que vêm puxando o desempenho do comércio para baixo.
Apesar do resultado negativo, o presidente da Associação Gaúcha para Desenvolvimento do Varejo (AGV), Vilson Noer, avalia que as empresas estão encarando estágio final de fechamento de vagas. Segundo o dirigente, há projeção de retomada "lenta e gradual" na criação de postos de trabalho no segundo semestre deste ano.