O abandono de trechos e a falta de equipamentos tornam mais caro o transporte de mercadorias para empresas e cooperativas, ao mesmo tempo em que a falta de interesse em ampliar o serviço diminui as chances de indústrias locais serem mais competitivas. Em Passo Fundo, a fabricante de biodiesel BsBios não consegue mais mandar de farelo de soja para o porto de Rio Grande via trilhos devido à escassez de vagões.
Em 2014, a empresa despachou 52 mil toneladas de farelo para o porto. Com isso, evitou 1.298 viagens de caminhão. Em 2015, apenas 13,3 mil toneladas, poupando as rodovias já abarrotadas e esburacadas de 339 veículos pesados. No ano passado, menos ainda: somente 870 toneladas, o equivalente a 22 caminhões. Em 2017, nada.
– Na maior parte das vezes, não há disponibilidade de vagões. Além disso, chama a atenção a falta de manutenção de dormentes e trilhos e a frota totalmente defasada – diz o gerente comercial da companhia, Leandro Luiz Zat.
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Mandar por caminhão é até 20% mais caro. Por caminhão, é R$ 75 a tonelada. Por vagão, custa entre R$ 60 e R$ 65 – se existisse oferta. Caso a BsBios enviasse todo o farelo que extrai do esmagamento da soja para fazer biodiesel por vagões, economizaria R$ 4 milhões em um ano, calcula o executivo, além de ajudar a aliviar a estradas e diminuir a emissão de poluentes.
Na vizinha Carazinho, a Cotrijal tem quatro unidades de grãos com terminais ferroviários. Uma está parada por causa da desativação do trecho até Cruz Alta e as outras três embarcam esporadicamente, em direção a Passo Fundo, muito abaixo do potencial pela dificuldade de conseguir vagões.
– Temos capacidade de carregar de 50 a 80 vagões por dia. Mas, durante todo este ano, foram apenas
140 vagões – lamenta Luiz Di Domênico Junior, gerente da unidade de negócios Carazinho da Cotrijal.
Ao mesmo tempo, os terminais poderiam receber até 40 mil toneladas de fertilizante por ano, porém, em 2016, chegaram por trilhos apenas 14 mil toneladas. Como o frete em períodos de safra é até 40% mais barato do que o rodoviário e, na entressafra, de 20% a 25%, essa diferença se reflete em custo maior para os produtores na compra do insumo e remuneração menor pelos grãos, observa Domênico.
Cooperativa perde negócio equivalente a 15% de seu arroz comercializado
Na Fronteira Oeste, a Cooperativa Agroindustrial Alegrete (CAAL), de Alegrete, também foi surpreendida pela decisão da Rumo de interromper o serviço. De segunda a sábado, eram enviados para São Paulo, diariamente, cerca de 11 mil fardos de 30 quilos para um cliente que comprava grão da cooperativa, já embalado com a marca da empresa. No final de 2015, a concessionária cessou transporte.
– Não alegaram nada. E antes tinham exigido um investimento em nossa linha dentro do parque industrial. Que foi feito, com gasto de R$ 140 mil. Mesmo assim, não colocaram mais vagão – conta Luis Carlos de Carvalho Figueira, gerente industrial da CAAL.
O custo do frete rodoviário, calcula Figueira, varia entre R$ 6 e R$ 7 por fardo, enquanto o ferroviário fica na casa dos R$ 4. Sem a vantagem no transporte, veio o transtorno. O cliente cancelou parte do volume que comprava da CAAL. De uma hora para outra, a cooperativa perdeu uma demanda equivalente a 15% do arroz comercializado.
Em Passo Fundo, a BsBios até tem aumentado o envio de biodiesel por via ferroviária, mas há uma explicação. A cidade conta com um terminal de distribuição de combustíveis servido por trem compartilhado por várias distribuidoras, que, a partir do local, transportam etanol, diesel e gasolina para diversos pontos do norte do Estado, por caminhões. O frete é contratado pelas próprias distribuidoras, e não pela BsBios. Uma das empresas de distribuição de combustível que opera no local, interessada no custo menor do transporte ferroviário, é a Raízen, controlada pela Cosan, dona da Rumo. Nesse caso, não faltam vagões.
Terminal do aço fica apenas no papel
Cidade que tem como marco fundador a chegada do trem, em 1910, Caxias do Sul luta para voltar a ter no transporte ferroviário opção para tornar as indústrias mais competitivas, mas tratativas com a Rumo não encarrilham. Empresários do município, um dos principais polos metalmecânicos do país, tentam viabilizar com a concessionária a construção de um terminal em Vacaria que receberia e distribuiria aço, principal insumo das empresas locais, vindo de siderúrgicas do centro do país. Na volta, indústrias da Serra enviariam produtos acabados para o Sudeste. Apesar de várias reuniões, o esforço por demonstrar a lógica econômica da operação até agora foi em vão. Não há resposta conclusiva, positiva ou negativa.
– Demos todos os dados para a Rumo, mas não demonstram interesse. Priorizam São Paulo e abandonam o resto – critica Reomar Slaviero, presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs).
A ideia de construção do terminal tem apoio do setor produtivo de Vacaria. A estrutura seria bancada por empresários locais. À Rumo, caberia só operar a logística do terminal. Mesmo assim, o sentimento é de que não há boa vontade por parte da companhia.
A intenção de empresários de Caxias é ganhar eficiência. Hoje, todo o aço que chega à cidade é transportado por caminhões. Estudo do Simecs mostra que, com isso, de 18% a 20% do custo dos produtos da indústria metalmecânica de Caxias – que vende mais de 70% da produção para o centro do país – é logístico, devido ao "passeio do aço". Ou seja, à necessi-
dade de a matéria-prima ser transportada para a cidade e, depois, retornar em forma de carrocerias de ônibus ou semirreboques, por exemplo. A alternativa por trilhos poderia diminuir a conta, elevar a competitividade e evitar que empresas locais transfiram investimentos para o centro do país. Caxias, que há quase três décadas não recebe trens, consome cerca de 55% de todo o aço processado no Estado.
– Com o terminal de Vacaria, o custo logístico cairia para entre 10% e 12% – sustenta Getulio Fonseca, ex-presidente do Simecs que fez o estudo com siderúrgicas da Região Sudeste.
O alívio para as estradas brasileiras seria grande, apesar de, a partir de Vacaria, a ideia ser de distribuir o insumo por rodovia. Cada caminhão transporta, em média, 25 toneladas de aço, diz Fonseca. Devido à crise na economia, no ano passado foram 760,3 mil toneladas usadas no Estado, um terço a menos do que em 2014. Levando em consideração só o consumo de Caxias, seriam mais de 15 mil viagens de caminhões evitadas nas rodovias entre o Sudeste e o Sul do país.