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Com a vitória da empresa Fraport AG Frankfurt no leilão do Salgado Filho, inicia-se um novo capítulo no longo e tortuoso processo de ampliação da pista do aeroporto, para 3,2 mil metros. Para liberar as áreas que irão viabilizar as obras, será preciso reassentar as mais de 1,3 mil famílias que ainda ocupam o entorno do local.
Em anúncio feito horas depois do arremate, executivos da empresa afirmaram que o grupo não poderá atuar sozinho na questão, já que pode esbarrar em questões legais. Depende da colaboração da administração municipal para cumprir o prazo da obra – de 52 meses após a assinatura do contrato, marcada para julho.
A prefeitura de Porto Alegre, responsável pelo processo de reassentamento da comunidade, afirma que está dando prioridade para o assunto e garante que isso não deve atrasar as obras. Entretanto, deixa claro que não tem prazo para a conclusão da medida e que terá de enfrentar uma série de impasses para a liberação do espaço. Loteamentos destinados a reassentamento invadidos, resistência de moradores e atrasos nas construções de novos bairros são os principais desafios.
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Segundo o diretor do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Mário Marchesan, a questão financeira não deve afetar o processo. Até o momento, diz, foram destinados cerca de R$ 35 milhões de recursos do município e do Minha Casa Minha Vida para a realocação de pessoas de áreas impactadas – parte do valor ainda não foi usada. O montante, acrescenta, é suficiente para concluir o reassentamento.
Em torno de 5 mil pessoas vivem na região que deverá ser desocupada para que a obra seja executada. Estão concentradas nas vilas Nazaré e Dique. Na Nazaré, de acordo com o último levantamento da prefeitura, de 2010, são 1,3 mil famílias a serem reassentadas, das quais cerca de 360 fazem parte da região de urgência – ou seja, estão dentro do perímetro definido pela Infraero para liberar imediatamente a ampliação da pista.
O projeto para essas famílias é quase tão antigo quanto o de ampliação do aeroporto, que tem mais de uma década.
Em 2012, dois anos após realizar o cadastramento das famílias para estimar o tamanho do local de destino, a prefeitura deu início às obras de dois loteamentos para onde as comunidades seriam transferidas – um na Rua Senhor do Bonfim, no bairro Sarandi, e o outro na Rua Irmãos Maristas, no Mario Quintana. A previsão de conclusão era dezembro de 2013, mas até hoje as obras não foram finalizadas. Segundo o Demhab, no loteamento Irmãos Maristas, por exemplo, nenhuma casa foi construída.
– Reprogramações de obras se dão devido a problemas ambientais, adequação de projetos, execução orçamentária. É um atraso demasiado, não é normal. Mas há vários atores envolvidos, como, por exemplo, a Defensoria Pública e movimentos de resistência dos moradores, que acabam atrasando o trabalho – diz Marchesan, que ainda citou a necessidade de readequar o projeto das casas do loteamento Irmãos Maristas para os novos moldes do Minha Casa Minha Vida, que sofreu alterações no plano estrutural das unidades no último ano.
Conforme o diretor, os loteamentos foram projetados para o número de famílias do cadastro feito há sete anos, mas a Associação dos Moradores da Vila Nazaré (Amovin) estima que hoje são cerca de 1,6 mil famílias que moram lá – 300 acima do apurado em 2010. Questionado sobre o aumento do número de moradores, o diretor afirmou que o projeto contempla o total de famílias da previsão inicial – ou seja, não há um destino certo para as demais.
– Se houve mudança posterior (ao cadastramento), está fora do projeto. Mas acredito que não deve ter alterado muito, porque não há espaço para aumentar – argumenta.
Os moradores da região garantem que o número de famílias cresceu ao longo dos últimos anos.
– Quando fizeram o cadastramento, meu filho tinha 14 anos. Agora, saiu de casa, tem família. Os números aumentaram, com certeza – diz Daniel Alex Dutra, 41 anos, presidente do Instituto Criança Feliz Nazaré.
Há outro problema ainda mais emergencial para ser resolvido. O Condomínio BonFim, que está praticamente concluído, deveria ter recebido as famílias que moram na região de urgência da Vila Nazaré no início deste ano. Mas o local está ocupado ilegalmente desde novembro. Segundo o Demhab, a proposta de reintegração de posse segue na Justiça, aguardando decisão.
– A obra está na fase final, mas retrocedemos por causa da invasão do empreendimento por pessoas que não são as selecionadas para morar no local. Foi uma irregularidade que aconteceu em outubro, e que atrapalhou a entrega, prevista para o início de 2017. Uma situação como essa pode gerar atrasos de seis meses a um ano – explica Marchesan.
Ele afirma que não pode dar uma previsão para o reassentamento destas pessoas, já que depende, inicialmente, do Poder Judiciário para a reintegração de posse. Depois disso, será preciso fazer reparos nas unidades invadidas a fim de deixá-las em condições para os novos moradores.
Apesar da situação complicada, Marchesan disse que esse processo de reassentamento das famílias não deve atrasar a ampliação do aeroporto, já que o prazo para a conclusão da obra é superior a quatro anos, e o governo estaria dando prioridade para resolver a questão do reassentamento das famílias. Ele afirma que a Fraport ainda não entrou em contato com a prefeitura para negociar os termos da parceria, mas que, mesmo assim, pretende seguir o processo com urgência:
– O prazo de 52 meses foi assumido entre a Infraero e a Fraport, não foi definido em conjunto conosco. Mas é um prazo bem grande, e estamos trabalhando para resolver essa questão o quanto antes. A relocação das famílias não deve atrasar a ampliação do aeroporto.
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Mudança divide integrantes da Vila Nazaré
Além das questões de infraestrutura, o avanço das obras do aeroporto dependerá da resistência dos ocupantes que, segundo o presidente da Associação dos Moradores da Vila Nazaré (Amovin), Júlio Cesar Ortiz, estão divididos sobre a remoção. Enquanto metade gostaria de se mudar para os novos loteamentos, a outra quer ficar no local. Aqueles que não se opõem à mudança, entretanto, afirmam que só sairiam se fosse para o loteamento BonFim, por questões de localização e segurança.
– Mas essa área foi projetada para um terço das pessoas que vivem aqui. As demais, que são mais de mil, teriam de ir para o loteamento da Irmãos Maristas, e ninguém quer por causa das vilas que se estabeleceram ao redor – relata Ortiz.
Segundo Edineia da Luz, a comunidade irá resistir caso a prefeitura decida remover as famílias para o bairro Mario Quintana. Moradora da região desde que nasceu, ela teme perder a segurança que sente na Vila Nazaré:
– Temos esgoto, não é perigoso, saio à noite e volto sem problemas. Lá, é uma zona mais perigosa, e me preocupo por mim, pelos meus filhos.
A outra metade dos moradores defende a mudança por acreditar que trará melhorias na qualidade de vida. Para Valdemar Preus, de 50 anos, a ideia de sair da Vila Nazaré é animadora, já que vem com a promessa de melhores condições de saneamento básico.
O diretor do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Mário Marchesan, explica que, no caso de resistência da comunidade, o problema sai da alçada da prefeitura, podendo envolver tanto a Infraero quanto a empresa vencedora do leilão.
– Em vários casos, o Demhab ou a empresa responsável pela área aciona o Poder Judiciário para pedir a remoção, e aí existe uma responsabilidade final do proprietário da área neste processo.
Situação menos crítica na Vila Dique
Na Vila Dique, 922 famílias já foram removidas e reassentadas no Condomínio Porto Novo, perto do Complexo Cultural Porto Seco, entre 2009 e 2012. As outras 554 que vivem no local, vizinho ao aeroporto, não estão interferindo no planejamento da obra, afirma o Departamento Municipal de Habitação, pois naquela região já foi liberada a metragem solicitada para a ampliação da pista. Mesmo assim, a prefeitura quer remover os moradores, pois considera o local inadequado para moradia.
As demais famílias que ainda vivem na Vila Dique – e aguardam desde então serem relocadas – se dizem esquecidas pelo poder público.
Quem já foi realocado afirma estar satisfeito com a nova moradia. Paulo Barbosa fez parte do grupo que se mudou para o Porto Novo em 2009. Mesmo morando em uma casa de 42 metros quadrados ao lado de sete familiares, ele afirma que as condições de vida melhoraram desde então:
– Aqui temos saneamento, luz, água boa. Lá não tinha tudo isso.
Vindo da Vila Dique há cinco anos, o pedreiro Clodoaldo Lopes avalia que no local anterior era mais fácil conseguir um emprego, mas afirma que a vida melhorou desde que se mudou para o loteamento.
– Vim com minha mulher e quatro filhas e não me arrependo. Aqui as questões de higiene melhoraram muito.