A melhora acelerada do humor desde o final do primeiro trimestre, detectada nos indicadores que tentam captar o nível de confiança de empresários e consumidores, indicava que a economia poderia começar a reagir no segundo semestre, mas a esperança desmoronou diante da realidade. Apesar de o pessimismo continuar a perder terreno, o futuro parece um pouco mais distante, e a atividade emite sinais de que vai demorar mais tempo para se recuperar. A expectativa era de que a reviravolta começaria no último trimestre de 2016. Agora, ficou para o início de 2017.
Apenas na semana passada, três números divulgados por órgãos oficiais ajudaram a solidificar a impressão de que o país ainda patina na tentativa de deixar a recessão para trás. O IBGE mostrou que, em agosto, as vendas do varejo caíram 0,6% em relação a julho e, no ano, a retração é de 6,6%, enquanto o índice de confiança do setor, medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), avança 23% ao longo de 2016.
Leia também
Eduardo Cunha é fator de preocupação para economia
Caminhos e obstáculos para ajudar o país a sair da crise econômica
No segmento de serviços, que tem o maior peso na economia, a queda foi de 1,6% e, no acumulado do ano, chega a 4,7%. Mesmo assim, as expectativas dos empresários do ramo subiram 18% desde o fim do ano passado. Para completar, o IBC-Br, indicador considerado prévia do Produto Interno Bruto (PIB), calculado pelo Banco Central (BC), escancarou que a atividade econômica recuou 0,91% em agosto e, no ano, murcha 5,2%.
Os dados se refletiram no boletim Focus, do BC, divulgado ontem. Os analistas de mercado, que nos últimos meses vinham melhorando as projeções de retração do PIB em 2016, voltaram a ficar mais pessimistas em outubro, e agora indicam queda de 3,22% da economia, ante 3,19% uma semana antes.
Para Paulo Picchetti, economista que coordena a elaboração de indicadores antecedentes de atividade na FGV, grande parte da melhora da confiança verificada nos últimos meses tem relação com o desfecho do processo de impeachment. Outras explicações podem ser encontradas nos detalhes das sondagens que ouvem os empresários.
– Uma das perguntas que fazemos para as indústrias é se a produção deles vai aumentar, se manter ou cair. Ao longo do ano, houve muita migração de respostas de empresas que diziam que a produção iria "cair" para a alternativa "manter". Isso melhora o resultado do indicador. Mas quer dizer apenas que a situação está parando de piorar – observa Picchetti, vinculado à corrente para a qual a recuperação da economia vai demorar mais do que o estimado há poucos meses.
Aliada a isso está a questão do câmbio. O dólar a R$ 4 no início do ano, aponta o economista, deixava a indústria animada com a possibilidade sair da crise via exportações. Com a moeda americana agora pouco acima de R$ 3, essa válvula de escape não se confirmou.
O economista Luiz Rabi, da Serasa Experian, pondera ainda que, devido à profundidade da crise, sem precedentes pelo menos desde os anos 1929 e 1930, não é fácil identificar de forma precisa as etapas que vão sendo ultrapassadas.
– Se retroagirmos seis meses, trabalhávamos com projeções de que a economia estaria saindo da recessão no segundo semestre. Mas os dados mostram que a recessão resiste, e poderemos sair dela apenas no primeiro trimestre do próximo ano – avalia Rabi.
Ex-diretor do BC, o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, Carlos Thadeu de Freitas, avalia que há frustração porque as expectativas estavam exageradas. A retomada do otimismo, entende Freitas, deveu-se à projeção de que o juro cairia de forma mais rápida, e as medidas do ajuste fiscal também teriam encaminhamento mais acelerado. Esses dois pontos teriam travado o caminho apontado como o mais curto para a saída da crise, constata o economista:
– Isso faz com que os investimentos, que dependem de maior confiança, demorem mais.
Assim, projeta Freitas, a esperança de que o quarto trimestre deste ano já apresentasse PIB positivo virou frustração.
À espera de 2017
O empresário Marco Antonio Belotto, proprietário da Astratto Joalheria, na Capital, imaginava há poucos meses que, com a solução da crise política, a situação da economia estaria melhor no final do ano. Agora, conta com recuperação da atividade econômica e das vendas apenas a partir do segundo semestre de 2017.
– Acho que teremos um Natal pior do que o do ano passado, que já foi ruim – diz Belotto, detalhando que, em todo o ano, conseguiu atingir as metas comerciais apenas em fevereiro.
Como trabalha com itens que são consumidos mais por impulso do que por necessidade – alianças para casamento são a exceção –, tem um negócio que depende muito da confiança do consumidor na economia. Hoje, nota o empresário, os potenciais clientes parecem estar mais preocupados em se livrar de dívidas.
Além do quadro nacional recessivo, o parcelamento de salários do funcionalismo do Estado é outro fator que diminuiu o movimento, afirma o empresário. Com vendas fracas, não teve outra saída e, ao longo do ano, dispensou três dos oito funcionários.
*ZERO HORA