Antes de uma semana que promete ser hardcore, o ministro Joaquim Levy deu ao final de semana um tom mais MPB. Em Ancara, na Turquia, lembrou que o Brasil passa por uma travessia e que os rumores sobre sua saída do cargo não passam de folhetim. As duas palavras evocam dois clássicos da música popular brasileira.
Mas no sábado, ao voltar a usar a palavra travessia, pronunciada antes em entrevista ao jornal espanhol El País, o ministro introduziu uma nota dissonante: para atravessar da crise para a retomada, o Brasil deve precisar de uma ponte em formato de imposto, ao menos temporário.
Marta Sfredo: Levy ficou, mas até quando?
Em coro que parece bem ensaiado, outro ministro acrescentou letras ao refrão. Aloizio Mercadante, da Casa Civil, apontou "aumento provisório" de impostos como solução para evitar o déficit previsto para 2016.
Na tentativa de atenuar o som desagradável, tentou adoçar a cantiga com um murmúrio sobre a possibilidade de, com mais tributos, poder baixar a taxa básica de juro mais rapidamente. Tudo isso se seguiu ao discurso da presidente Dilma Rousseff, na Paraíba, sobre a impossibilidade de cortar mais gastos.
"Levy fica porque nunca saiu", diz ministro da Comunicação Social
Certo, o orçamento brasileiro é engessado. Toda discussão sobre onde cortar tropeça na legislação que carimba destinações de verbas públicas. Cerca de 90% do orçamento, por força de lei, define despesas que não podem ser reduzidas ou contornadas, quanto mais cortadas.
Todos os especialistas em contas públicas apontam no cipoal legislativo em torno do orçamento a raiz da dificuldade de abrir caminho para desbastes. Dos 10% restantes, sobram as despesas de custeio mais básicas - telefone, energia, aluguéis - e parcos investimentos. Levantamento da ONG Contas Abertas estima que esses gastos representem R$ 20 bilhões. Não podem ser eliminados, mas uma redução de 20% ou 30% é factível. O esperado e anunciado corte de ministérios é mais simbólico do que efetivo para reduzir o déficit.
Mas quando se engrossa o coro do impostos durante uma recessão, gestos simbólicos são essenciais. O agora todo-poderoso ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, já sugeriu que 15 pastas podem ser enxugadas. Seria música para os ouvidos dos contribuintes que, antes de iniciar a construção da ponte com tijolos de impostos, o Planalto demonstrasse estar na mesma toada. Nem se for, como disse Levy a El País, porque "cortar ministério só aumenta a popularidade".