Depois de celebrar a construção de um polo naval capaz de tirar do marasmo a economia da cidade, a população de Charqueadas convive com a ameaça de ver o projeto naufragar. Enquanto fornecedores e funcionários da Iesa Óleo e Gás reclamam de atraso em pagamentos, autoridades pressionam a Petrobras a não desistir dos contratos no polo do Jacuí.
Nesta segunda-feira à tarde, empregados e direção da Iesa se reúnem para tratar de problemas nos depósitos do FGTS e adicional de risco. Se não houver acordo, os metalúrgicos podem parar por tempo indeterminado. Mais do que valores nos contracheques, o embate envolve o futuro de um contrato de US$ 800 milhões conquistado pelas empresas do polo com a Petrobras.
Na quinta-feira passada, metalúrgicos voltaram ao trabalho depois de a Iesa pagar os salários de fevereiro. Mas fornecedores e prestadores de serviços dizem ter ficado a ver navios.
- Não recebo desde novembro. Comprei três caminhões para atender a Iesa, estou endividado e tive que demitir 18 dos 40 funcionários - conta um empresário que presta serviços de transporte de equipamentos e não quer ser identificado por receio de ser colocado no fim da fila de credores.
Outros três empresários relatam situação idêntica. Um deles mostrou uma lista com 19 e-mails trocados com o departamento financeiro da empresa com promessas de pagamento, todos descumpridas. A Iesa nega que esteja devendo a transportadores.
Mais R$ 500 mil nos cofres da prefeitura
Em Charqueadas, a situação da Iesa e o futuro do polo naval viraram assunto recorrente entre os 37 mil habitantes. Difícil encontrar alguém que não tenha um conhecido ou familiar trabalhando nas fabricantes de módulos para plataformas, ou toque um negócio que atenda essas indústrias.
- É nítido que a situação preocupa, mas temos garantias da Petrobras e da própria Iesa de que os pagamentos serão normalizados e os contratos, mantidos - afirma o prefeito Davi Gilmar.
Tal qual em Rio Grande, o desembarque de indústrias de óleo e gás mexeu com a economia de Charqueadas. Cerca de mil empregos foram criados desde 2012. Os cofres da prefeitura receberam R$ 500 mil a mais em impostos, valor que se multiplicará neste ano quando serão entregues as primeiras encomendas.
Com a chegada de trabalhadores e executivos de outros Estados, os aluguéis subiram até 200%, conforme imobiliárias na cidade. Mais gente empregada significa mais dinheiro no comércio: o número de clientes nos restaurantes quase dobrou, e nos supermercados consumidores com sotaques mineiro e paulista enchem os carrinhos ao final do dia.
- Hoje, 35% dos meus clientes são do polo. Se tornou um fator importante para o desenvolvimento - avalia José Valmir Martins, proprietário do hotel Ouro Verde.
Ao erguer o empreendimento com 35 quartos, todos com ar-condicionado e TV de plasma, no final de 2012, Martins viu seu negócio prosperar em paralelo ao crescimento do polo. Só espera que a parceria ocasional não seja interrompida precocemente.
Uma eventual perda do investimento seria um novo golpe nas expectativas de Charqueadas por um grande projeto. A última obra prometida para o município foi a inacabada usina termelétrica Jacuí, hoje um colossal esqueleto de concreto e vigas (foto abaixo).
Pagamento de salário é um dos problemas
Problemas com pagamento são apenas um dos pontos de atrito entre trabalhadores e a Iesa. O ambiente na empresa está longe de ser amistoso, contam os empregados. No último mês, teria começado a faltar carne no refeitório em razão do não pagamento de fornecedores, levando funcionários a pedirem, sem sucesso, vale-refeição.
Na quinta-feira passada, a Iesa aguardava com uma mesa farta de sanduíches o retorno dos trabalhadores, após paralisação em razão de atraso nos salários. Nesse dia parte deles fez um ato de protesto em frente à fábrica antes de bater o cartão-ponto - muitos alegam não ter recebido integralmente o pagamento de fevereiro.
Quando entraram, teriam sido impedidos de comer, iniciando um bate-boca com gerentes e diretores. Foi preciso a intervenção de delegados sindicais para acalmar os ânimos.
Segundo a Iesa, o pagamento a fornecedores de alimentos foi colocado em dia, assim como os salários. E o serviço no refeitório já teria sido normalizado.
Faz cinco meses que as contas de Fábio Sanguanini vencem antes de seu salário entrar na conta. Mecânico-montador da Iesa Óleo e Gás, afirma que virou rotina o pagamento atrasar mais de uma semana.
- Felizmente minha mulher assume as contas enquanto não recebo - diz Sanguanini, pai de dois filhos.