Quem vê Geraldo Lopes em uma casa de veraneio na Praia do Barco, ao lado de Capão da Canoa, não imagina que ele poderia estar em qualquer lugar do mundo sem ter de gastar um tostão. Conseguiria ir para a Europa e voltar cinco vezes, sempre acompanhado, sem tocar no cartão de crédito - e ainda receberia todos os mimos de um cliente VIP. Se não estivesse a fim de cruzar o Atlântico, percorreria as principais praias do Nordeste voando, fazendo paradas em cada uma. E poderia repetir o roteiro pelo menos outras 15 vezes, todas de graça.
Guia ZH: tire suas dúviadas sobre compra e venda de milhas pela internet
Lopes não é piloto, senador ou artista, mas carrega um cartão capaz de fazer mágica nos balcões de embarque: o Global Services da United Airlines, entregue a clientes que rompem a marca de um milhão de milhas acumuladas. No Brasil, são menos de 50. Os privilegiados donos do cartão preto têm preferência para ocupar lugares na primeira classe, usar salas com internet, salgadinhos e drinques nos principais aeroportos do mundo, além de carregar o dobro de bagagem permitido a outros passageiros.
- A última coisa que faço com as milhas é trocar por passagem. Geralmente, peço upgrades de assentos e troco pontos por benefícios no voo - diz Lopes.
Figura recorrente nos aeroportos do mundo - já foi a Tóquio 17 vezes e calcula ter visitado 80 países -, o produtor de eventos agrupa milhas de suas de oito a 10 viagens por ano em um mesmo programa. Mas a rotina de embarques não é a única fonte de pontos:
- Uso dois cartões de crédito e direciono os pontos de ambos para programas de milhagem. Consegui acumular 1 milhão de pontos em apenas dois anos - afirma.
Ainda que se tornar um milionário de milhas seja uma aspiração remota para a maioria dos brasileiros, a caça aos pontos de fidelidade tem atraído cada vez mais gente. De 2010 para 2011, a geração de pontos em programas de fidelidade por cartões de crédito passou de 591 bilhões para 813 bilhões no país, alta de 37,6% conforme dados do Banco Central. Os principais programas já arrebanham quase 25 milhões de cadastros, mas o potencial é bem maior.
- No Brasil, as empresas de milhagem atraem menos de 6% da população. Na Inglaterra, há programas com 50% de adesão - afirma o analista de varejo financeiro Boanerges Ramos Freire, diretor da Boanerges & Cia.
Pontos também são usados no supermercado
O mercado cresce a reboque da popularização dos cartões de crédito, nas mãos de cada vez mais brasileiros, da maior disputa entre empresas aéreas e da convergência de programas de milhagem com outras ações de fidelidade, em supermercados e postos de gasolina, por exemplo. Hoje, 80% das milhas são computadas pelo uso do cartão, e apenas 20% de passagens aéreas.
- O varejo percebeu que as milhas são formas de encantar e fidelizar o cliente, com custo relativamente baixo - diz Freire.
A milhagem virou um titã maior do que as próprias companhias aéreas. O Programa Smiles, avaliado em R$ 4,3 bilhões, vale quase 50% a mais do que a empresa da qual se desmembrou, a Gol (R$ 3 bilhões). A Multiplus teve lucro de R$ 166,2 milhões nos primeiros nove meses de 2013, enquanto a LATAM (empresa criada pela fusão da TAM com a chilena LAN) mergulhou em um prejuízo de R$ 464,2 milhões.
Como em todo mercado efervescente, uma boa briga começa a surgir entre os programas na disputa pelos clientes. A Azul, com o seu Tudo Azul, tem articulado novas parcerias e feito promoções-surpresa, oferecendo o dobro de pontos na compra de algumas passagens. No ano passado, o Smiles passou a vender assinaturas, nas quais o cliente paga R$ 30 por mês e ganha mil pontos. A TAM trocará neste primeiro trimestre sua aliança para uso de pontos Multiplus. A promessa é de melhores opções de voos e conexões.