Quando ela chegou à Inglaterra há uma década vinda da Polônia, Justyna Mikler trabalhou duro para encontrar empregos de limpeza, estudou inglês e, segundo ela, nem pensou em pedir ajuda do governo.
Diretora de uma empresa de limpeza, agora Mikler estima que cerca de um terço dos mais de 50 poloneses que ela emprega recebe algum tipo de benefício do Estado britânico.
- O sistema permite que eles façam isso com tanta facilidade, é uma loucura - afirmou, enquanto tomava sopa em um centro polonês em West London.
Como parte do grupo de 28 países da União Europeia, os cidadãos poloneses têm os mesmos direitos de bem-estar que os britânicos de acordo com as políticas europeias criadas para fomentar a integração e criar uma mercado econômico vibrante com mobilidade para os trabalhadores.
Ao invés disso, essas leis estão dividindo a Europa.
Em um momento em que as políticas de austeridade do governo levaram a cortes profundos nos gastos públicos, o debate acalorado em torno da imigração se mistura com a discussão igualmente difícil sobre os custos das políticas de bem-estar, especialmente depois que romenos e búlgaros passaram a ter acesso pleno aos mercados de trabalho europeus este ano.
Os benefícios sociais na Inglaterra podem ser maiores que os oferecidos nas velhas nações comunistas que agora fazem parte da União Europeia, mas não são especialmente generosos para o padrão da Europa Ocidental. Ainda assim, o acesso a esses benefícios é relativamente fácil, para trabalhadores e desempregados e, ao contrário de muitos países europeus, eles não se baseiam nas contribuições prévias do requerente junto à previdência social.
- Na Inglaterra, em particular, isso está ajudando a criar uma situação tóxica, juntando preocupações com a imigração, a União Europeia, os benefícios de bem-estar social e a desconfiança generalizada em relação aos políticos que estão a cargo do sistema - afirmou Mats Persson, diretor do Open Europe, um grupo de pesquisa com sede em Londres.
Os problemas políticos estão se espalhando. Quando o primeiro-ministro David Cameron sugeriu mudanças nas regras para a obtenção dos benefícios, no ano passado, que dificultariam o acesso de alguns imigrantes, Laszlo Andor, comissário europeu de Emprego, Relações Sociais e Inclusão, afirmou que a Inglaterra corria o risco de ser vista "como um país maldoso dentro da União Europeia".
Sugestões mais recentes de cortes geraram uma reação amarga de Radoslaw Sikorski, ministro polonês de relações internacionais, que, assim como Cameron, estudou na Universidade de Oxford e era membro do mesmo clube de elite, o Bullingdon.
- Se os britânicos ficam com nossos contribuintes, eles não deveriam pagar também seus benefícios? - escreveu Sikorski recentemente no Twitter.
Ainda assim, as regras que permitem que as pessoas se mudem livremente pelos países da União Europeia e lhes dá direitos iguais estão sendo questionadas pela primeira vez em anos.
O debate na Inglaterra é especialmente acalorado, em parte porque um estudo que o governo encomendou, antes que oito países que pertenciam ao bloco comunista fossem aceitos na União Europeia em 2004, subestimava significativamente a migração do leste europeu, sugerindo que o número de migrantes estaria entre 5 mil e 13 mil ao ano até 2010. Porém, somente dois outros países da União Europeia - Irlanda e Suécia - abriram o mercado de trabalho em 2004, levando a um aumento drástico da imigração a Inglaterra. O censo de 2011 listou 521 mil poloneses vivendo na Inglaterra, a maior parte dos quais chegando ao país depois de 2004.
A maioria dos economistas crê que esse influxo de trabalhadores jovens e altamente motivados ajudou a incentivar a economia britânica. Estudos mostram que esses trabalhadores pagam mais impostos e contribuem mais com a previdência social do que recebem benefícios nos países aonde vão.
Contudo, em vista dos números na Inglaterra, não surpreende que as dificuldades do sistema de bem-estar social também estejam aparecendo aqui. Uma vez que foi justamente um governo do Partido Trabalhista que diminuiu as restrições a trabalhadores do leste europeu, o atual governo do Partido Conservador pode dizer que a culpa não é dele.
O problema mais óbvio são os pagamentos de benefícios a pais, que podem ser requeridos mesmo que os filhos estejam vivendo em outro país europeu. Na Inglaterra, os benefícios pagos aos filhos são conhecidos como "Child Benefit", equivale de 20 a 30 libras por semana ao primeiro filho e de 13 a 40 aos filhos seguintes. De acordo com dados britânicos, em dezembro de 2012 foram pagos benefícios para 24.082 pais, por um total de 40.171 filhos que vivem em outros países europeus, incluindo 25.659 crianças na Polônia.
Cameron deseja reduzir ou acabar com esse tipo de benefício para filhos que vivem fora do país, e sugeriu limitar o direito de entrada de trabalhadores imigrantes se a renda familiar estiver muito abaixo da média europeia.
Diversos outros países da União Europeia contam com benefícios similares para crianças e compartilham das preocupações da Inglaterra, ou têm preocupações mais amplas com o "turismo de bem-estar social", no qual pessoas de outros países se mudam para conseguir os benefícios. A Inglaterra afirma estar trabalhando com a Alemanha, a Áustria, a Holanda e outros países para colocar em prática possíveis mudanças.
Todavia, os britânicos têm razões especiais para se preocuparem, em vista da forma como o restante de seu sistema de benefícios funciona. Criado após a Segunda Guerra Mundial, o sistema de bem-estar social britânico é financiado principalmente pelos impostos gerais e foi construído sob a premissa de que as pessoas necessitadas devem receber valores semelhantes, independentemente de quanto contribuíram com a previdência social.
Seu criador, William Beveridge, buscava eliminar a pobreza, protegendo os britânicos "do berço à sepultura", mas ele não era capaz de prever uma Europa com a pirâmide etária invertida e com mobilidade de trabalhadores.
Os benefícios disponíveis para imigrantes europeus na Inglaterra incluem créditos fiscais para trabalhadores com salários baixos e subsídios para moradia. Entretanto, outros países europeus baseiam os pagamentos nas contribuições de trabalhadores e empregadores, o que os torna menos generosos com os trabalhadores recém-chegados. Nesses sistemas "bismarckianos" - que levam o nome do chanceler alemão do século XIX, Otto von Bismarck - os benefícios estão ligados aos ganhos anteriores, de acordo com um relatório do Grupo Parlamentar de Todos os Partidos pela Reforma Europeia.
O relatório afirma que quem perde o emprego na França, Dinamarca ou Alemanha espera receber entre 40 e 90 por cento de seus salários brutos por um determinado período de tempo, boa parte financiada pelo seguro social obrigatório, ou por contribuições dos empregadores. Na Inglaterra, os desempregados recebem o máximo de 71,70 libras por semana por seis meses, não importa quanto tenham contribuído.
- De acordo com os padrões da Europa Ocidental, o sistema britânico não é muito generoso em termos de valores, embora seja obviamente mais do que na Europa Oriental, mas é muito generoso em termos do acesso aos benefícios - afirmou Stephen Booth, diretor de pesquisa da Open Europe, que ajudou a fazer o rascunho do relatório.
Wlodzimierz Mier-Jedrzejowicz, vice-presidente da Federação dos Poloneses na Inglaterra, afirmou que os poloneses vieram em peso para a Inglaterra para trabalhar, não para tirar proveito da seguridade social.
- Aqueles que trabalham e pagam impostos recorrem aos benefícios aos quais têm direito; isso é perfeitamente legítimo. Se o governo britânico acredita que isso é errado, estão cabe a ele criar uma legislação apropriada - retrucou ele.
Ainda assim, a disponibilidade dos benefícios se tornou um fator importante para os imigrantes e, de acordo com um trabalhador da construção civil polonês em Londres, que pediu para não ser identificado com medo de retaliações dentro da comunidade, pode ter mudado a mentalidade dos poloneses que chegaram ao país.
- Há doze anos, se alguém quisesse vir para a Inglaterra, eles saberiam que teriam que trabalhar duro; agora, se as pessoas vêm para a Inglaterra, elas perguntam: 'A partir de quando vou ter direito aos benefícios?' - confessou.
Poloneses a trabalho
Benefícios a estrangeiros começam a ser questionados na Inglaterra
Debate em torno da importância da imigração se mistura com a discussão sobre o prejuízo dos custos das chamadas regras de bem-estar social
GZH faz parte do The Trust Project