Depois de desmarcar o casamento por duas vezes, Bruna Severo Romero subiu ao altar para oficializar a união com Eduardo Behenck da Rosa, nove meses após a data planejada. Na espera do apartamento comprado na planta, o casal retardou a data da cerimônia - em vão, pois aguardam até agora para começar a vida a dois na moradia nova.
Ainda no começo de 2010, a corretora de seguros e o administrador de empresas fecharam a compra de um imóvel no condomínio Terra Nova Vista Alegre, na época em construção na zona norte da Capital. O prazo inicial para entrega: dezembro de 2011, quando pretendiam casar-se na igreja São João Batista.
Ao aproximar-se da data, já com alguns móveis comprados, o casal ficou temeroso, já que a construtora não deu certeza quanto à entrega, pois tinha mais 120 dias úteis de prazo, conforme estabelecido em contrato. Foi quando decidiram transferir o casamento para março deste ano. Dois meses antes da data, antes de começar a entregar os convites, novamente a incerteza.
- Foi quando decidimos transferir novamente, mas para seis meses depois, para afastar o risco de casar e ficar sem casa - lembra Bruna, 26 anos.
De nada adiantou adiar a cerimônia tão esperada. Mais de um mês após o casamento, o casal está hoje com sofá, mesa de jantar, móveis de cozinha e eletrodomésticos comprados no ano passado e mais os presentes do casamento empilhados na casa do pai de Bruna. A espera pelo apartamento foi alongada por trâmites burocráticos, mesmo após a conclusão da obra, em abril deste ano, segundo a construtora.
- Agora estamos numa luta para liberar a hipoteca do apartamento, já que o nosso empréstimo não foi feito com o banco que financiou a obra. Sem a liberação, não posso encaminhar o financiamento - explica a corretora de seguros.
O dilema vivido pelo casal porto-alegrense é emblemático, mas está longe de ser único. Milhares de famílias que planejaram vidas novas com a compra da casa própria estão tendo de conviver com o sentimento da decepção. Na Associação dos Mutuários e Moradores do Sul e Sudeste, neste ano foram mais de 1,3 mil reclamações sobre problemas na entrega de imóveis comprados na planta.
- Uma das queixas é quando os compradores tentam rescindir os contratos e as construtoras tentam ficar com percentuais do valor pago. Quando não há acordo, a solução acaba sendo a Justiça - aponta Anderson Machado, diretor institucional da entidade.
No Procon de Porto Alegre, há casos de obras prometidas para 2009. Entre as reclamações mais recentes, divergências entre o prazo estabelecido em contrato e os trâmites para assinatura do financiamento.
- Em muitos casos, a única alternativa é a via judicial, pela dificuldade de conseguir qualquer acordo com as construtoras - disse Flávia do Canto, diretora executiva do Procon de Porto Alegre.
Atrasos tendem a diminuir, projeta sindicato das construtoras
O atraso na entrega de imóveis nos grandes centros urbanos, rescaldo da rápida expansão da construção civil no país, tende a diminuir cada vez mais daqui para frente. Isso porque as construtoras, após se depararem com uma nova realidade pela carência de mão de obra, alongaram seus prazos contratuais para entrega dos empreendimentos.
- Os atrasos que ainda ocorram, na maioria dos casos pontuais, se referem a vendas feitas em 2009 e 2010, quando as construtoras foram surpreendidas por uma mudança de cenário - justifica o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Rio Grande do Sul (Sinduscon/RS), Paulo Vanzetto Garcia.
Conforme o dirigente, os projetos lançados a partir de 2010 têm prazos de entrega que variam de dois a quatro anos.
- Isso fez com que os atrasos diminuíssem muito, com tendência a serem praticamente nulos daqui para frente - afirma Garcia, acrescentando que a maioria das construtoras gaúchas buscam chegar a um acordo com seus clientes, em caso de problemas. Em Porto Alegre, 5,5 mil unidades devem ser lançadas até o final de dezembro, número parecido com o do ano passado.
O que dizem as empresas
Em nota, a Rodobens Negócios Imobiliários e Capa Max informou que o condomínio Terra Nova Vista Alegre, empreendimento composto por 1.020 unidades, está com 100% das obras concluídas. Conforme as construtoras, a obra foi entregue dentro do prazo previsto no contrato, em abril deste ano.
Sobre o caso em questão, as empresas esclareceram que "os clientes pretenderam liquidar o saldo devedor por meio de carta de crédito de consórcio, com o que concordamos, mesmo não sendo o que foi contratado a princípio. No entanto, quando manifestaram esta opção, tinham nossos clientes ciência de que para formalização desta operação financeira, exigia a administradora do consórcio a apresentação de matrícula individualizada do imóvel, conforme relação de documentos que deveriam providenciar em favor do Bradesco (...) Concluído este registro, poderão nossos clientes dar sequência a formalização da utilização da carta de crédito de consórcio, e receber posteriormente as chaves do imóvel compromissado."
Saiba os cuidados necessários para escolher o imóvel na planta:
- No contrato, a mesma imposição de mora (encargo por atraso) atribuída ao consumidor deve ser aplicada à construtora em caso de atraso na entrega, incluindo multa, juros e correção monetária.
- O Procon de Porto Alegre considera abusiva cláusulas que estipulem prorrogação na entrega do imóvel, que pode variar de 120 a 180 dias. No entanto, o Judiciário costuma tolerar esses prazos.
- Antes de efetuar qualquer negócio, informe-se sobre a idoneidade da construtora, tempo de atuação no mercado e reclamações em órgãos de defesa e entidades de mutuários.
- Guarde todos folhetos, prospectos e anúncios de jornais. O material publicitário também faz parte do contrato e pode ser usado em caso de litígio.
- Nos lançamentos, quando o consumidor vai ao local de venda sem indicação de um profissional, não pode haver cobrança de corretagem.
- O contrato deve apresentar dados do incorporador e do vendedor, valor total do imóvel, forma de pagamento, financiamento e reajuste, além de correção a ser aplicada durante e após a construção.
O que fazer se atrasar
- Após o prazo estabelecido em contrato, o comprador poderá pedir a rescisão, com direito a devolução integral dos valores pagos, acrescidos de juros e correção monetária.
- Caso queira manter a compra, o mutuário deve propor acordo com a construtora, pedindo o congelamento do valor até a entrega do imóvel e compensação pelo atraso.
- Se houver negativa da empresa, o contrato poderá ser rescindido na Justiça. Normalmente, uma ação judicial por rescisão contratual leva de dois a três anos.
- A Associação dos Mutuários e Moradores do Sul e Sudeste faz consultas gratuitas: pessoalmente, na Rua dos Andradas, 1.261, 5º andar, Centro, Porto Alegre, ou pelo telefone (51) 3226-3000, ou pelo e-mail mutuarios.rs@ammrs.com.br.
Vida a dois adiada
Após o altar, casa própria ainda é sonho para casal
Eduardo e Bruna compraram imóvel, mas burocracia impede mudança, situação enfrentada por 1,3 mil pessoas neste ano
Joana Colussi - Direto da Índia
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