A queda da inflação e a tendência de corte de juro da taxa básica, a Selic, aliadas ao aumento da oferta de emprego e crescimento econômico, criam um cenário otimista para quem deseja sair da inadimplência.
Apesar dos efeitos dessas mudanças serem pequenos a curto prazo, especialistas afirmam que é um sinal importante para começar a planejar o pagamento de dívidas em atraso e criar novos hábitos que ajudem a surfar qualquer onda.
Na região metropolitana de Porto Alegre, a inflação oficial do país (IPCA), calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registrou variação de 2,58% no acumulado de 12 meses. Entre os principais itens que compõem o indicador e pesam mais no bolso das famílias no RS, alimentação e bebidas atingiram 3,56% – taxa quase 1/4 do que a registrada no mesmo mês do ano passado: 12,86% (veja no quadro).
Na avaliação do economista André Braz, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a tendência é de que a inflação continue em queda, puxada pela retração nas commodities. Dados do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), calculado pela fundação, revelam que os preços da soja, do milho e do trigo caíram cerca de 30% em 12 meses.
— A previsão de uma ótima safra já começa a ter uma repercussão positiva na compra de alimentos. E as grandes commodities agrícolas também estão caindo porque o mundo atravessa uma pressão inflacionária maior. Além disso, os combustíveis estão dando um alívio com a queda no preço do barril do petróleo e a valorização do real – acrescenta.
Braz explica ainda que a previsão de redução era maior, mas a curva foi impactada pela guerra na Ucrânia. Em julho, a Rússia suspendeu o acordo de exportação de grãos e realizou ataques a cidades portuárias que resultaram em uma série de danos aos portos ucranianos.
— É uma surpresa, pois a gente não sabia exatamente o que iria acontecer. Havia um acordo para a liberação dos grãos que não foi cumprido – diz.
Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Economia do Desenvolvimento, da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Adalmir Marquetti, a política econômica do governo federal, com propostas como a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, deixa os investidores e o setor produtivo mais otimistas.
A avaliação do economista é reforçada pela mudança na classificação de risco da agência Fitch Rating, que elevou a nota de crédito do Brasil de BB- para BB. A situação coloca o país próximo de atingir o grau de investimento. Este selo de bom pagador atrai mais capital estrangeiro e, consequentemente, valoriza o real.
— Temos uma perspectiva mais otimista do que tínhamos em 2022 e no início do ano. O governo está fazendo algumas mudanças e criando programas, como é o caso do Desenrola Brasil (lançado em julho para renegociar dívidas de quem ganha até R$ 20 mil) – afirma Marquetti.
Credibilidade
Na avaliação de Pedro Saraiva, head de investimentos no Exterior da Capse Investimentos, o arcabouço fiscal, mesmo com seus defeitos, gera credibilidade ao mostrar que a situação fiscal no Brasil não vai sair do controle.
— Hoje, o mercado entende que a dívida pública vai aumentar de 60% para 67,5% do Produto Interno Bruto (PIB) até o final deste governo. Obviamente isso não é positivo, mas definitivamente não faria com que o país entrasse em uma situação de descontrole fiscal como era temido – destaca o economista, que acredita numa Selic na casa dos 12% no fim do ano.
Para Braz, o corte de juro não vai trazer grande impacto a curto prazo, mas é um sinal importante de que a autoridade monetária está confiante com os rumos da política econômica do país.
— Isso vai diminuir o juro cobrado por empréstimo e financiamento, por exemplo. E esse cenário vai animando e possibilitando que famílias voltem a consumir. A atividade econômica aquecida é importante para a geração de emprego e renda — explica.
Orientação é rever taxas e prazos
Independentemente da situação econômica do país, sempre há uma nova oportunidade para buscar equilíbrio financeiro e rever taxas e prazos, como defende o economista Pedro Saraiva. Mas ele faz uma ressalva:
— É importante entendermos quais os motivos que nos levaram a esta situação para não ficarmos repetindo os mesmos erros. Com isso controlado, precisamos buscar o quanto antes negociar as contas, trocando dívidas caras por dívidas baratas, ou seja, aquelas que têm prazos mais longos e taxas de juro menores.
Além disso, destaca o economista, uma alternativa que acaba sendo vantajosa é o crédito com garantia – quando a pessoa pega dinheiro emprestado, mas deixa como garantia algum bem, como imóvel ou veículo. Conforme pesquisa da Serasa, em junho, 3,5 milhões de pessoas estavam inadimplentes no Estado, aumento de 8,7% ante o mesmo mês do ano passado. O valor da dívida alcançou R$ 17,8 bilhões, incremento de 25%.
Saraiva explica ainda que o bom endividamento é aquele que está sob controle ou com algum objetivo definido. É o exemplo de empresas que contratam dívidas para financiar a expansão:
— Já no nosso dia a dia tomamos dívidas para comprar algo. Caso seja um bem necessário, é importante analisar a oferta. Hoje há financiamento imobiliário cobrando juro por volta de 8% ao ano, enquanto no mercado financeiro existem títulos de dívidas com juro mensal com remuneração acima dos 12% ao ano.
Sendo assim, caso a oferta de comprar o imóvel à vista não tenha um desconto maior que 4% (a diferença entre as taxas), o ideal é fazer o financiamento.
Por dentro do "Desenrola Brasil"
Confira como funciona o programa de renegociação:
- A Faixa 2 do programa que renegocia dívidas foi liberada em 17 de julho e vai até o fim do ano.
- A faixa é para clientes que tenham renda mensal superior a 2 salários mínimos e menor do que R$ 20 mil e que não estejam incluídos no Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico).
- As dívidas beneficiadas serão as contraídas entre 2019 e 31 de dezembro de 2022.
- Cada instituição financeira irá definir as condições de financiamento e pagamento.
- O prazo para adesão vai até 30 de dezembro.
- Na faixa 2, os clientes só poderão renegociar dívidas bancárias.
- Dívidas com lojas ou serviços públicos são liberadas apenas para a Faixa 1, que estará em operação a partir de setembro de 2023 e será voltada para quem ganha até dois salários mínimos e está no CAD.
- Dívida de até R$ 100 será retirada, mas a pessoa segue devendo. A negativação da dívida de até esse valor será suspensa e o cidadão precisará renegociar caso não consiga efetuar o pagamento de uma só vez. No caso de não renegociar ou não pagar a renegociação, a negativação será feita novamente.
Gislene agora põe tudo na ponta do lápis
A história da redatora e roteirista Gislene Dias, 40 anos, é semelhante à de muitas pessoas que acabam entrando numa espiral de dívidas sem fim. Morando com os pais em um sítio de Arroio do Meio, no Vale do Taquari, ela leva uma vida estável e segura, bem diferente da situação de 13 anos atrás.
— Perdi o controle no momento em que fiz o segundo consignado para tentar tapar os furos do primeiro. Assim segui: utilizando o cartão de crédito e o limite bancário sem encontrar outra forma para resolver o problema. Eu não colocava as contas na ponta do lápis, agia por impulso e ansiedade de resolver a bola de neve das dívidas — lembra.
A redatora conta ainda que os problemas começaram quando ela foi estudar e viver na Capital. Sem nunca ter lidado com finanças no Interior, a mudança para uma cidade grande exigiu uma série de obrigações. Endividada e abalada por conta da situação, os problemas aumentaram e começaram a impactar a vida de Gislene em outras áreas.
— Quem passa por isso não consegue se desconectar, é uma sensação horrível. Eu não ia bem no trabalho, estava péssima na faculdade. O meu relacionamento acabou por eu estar com problemas financeiros — diz.
A situação pela qual a redatora passou não é isolada. No Rio Grande do Sul, segundo pesquisa da Fecomércio RS, 29,6% dos entrevistados com dívidas disseram que estavam “muito endividados”, enquanto outros 26,7% relataram “mais ou menos endividados”. “Pouco endividado” e “não têm dívidas desse tipo” somam 43,6%. Gislene destaca que um dos problemas para conseguir sair da inadimplência foi a rigidez da instituição bancária, que não estava aberta à negociação. A luz no fim do túnel foi por meio do site consumidor.gov.br, onde ela registrou o problema e conseguiu a intermediação de um acordo, resolvendo a situação depois de anos de sofrimento.
— A melhor coisa a fazer é parar, analisar o contexto e buscar soluções que não sejam novos empréstimos e cartões. Hoje temos várias instituições para resolver essas questões. Não gasto mais sem avaliar a real necessidade — afirma.
Giane Guerra: "Uma planilha para cada gosto"
Quando oriento pessoas sobre finanças, tomo cuidado ao mandar anotar tudo. A primeira imagem na qual se pensa é uma planilha complicada de Excel, que automaticamente gera cansaço, angústia e preguiça. Então, eu explico onde eu, singelamente, anoto toda a administração das finanças da minha casa: em um caderno de papel. É desta forma que faço o controle das minhas contas desde que tinha 15 anos e arranjei um trabalho em uma loja após ter buscado meu boletim na escola e confirmar que estava de férias. Cada página é uma conta de banco, um investimento, controle do FGTS, entre outros. Quase três décadas de acompanhamento me permitiram atingir uma organização que não pretendo transportar para uma planilha digital. Vale para todos? Não! Pessoas que usam bem o Excel têm uma ótima ferramenta em mãos, que faz automaticamente vários cálculos que eu me acostumei a mão. Mais interessante ainda são alguns aplicativos intuitivos que chegam a agregar informações de mais de um familiar. Em todos, a matemática simples é rainha: tem que entrar mais dinheiro do que sai. Para isso, tem que cortar gasto e/ou aumentar renda, mesmo que temporariamente.