O cuidado com o ambiente está entre os aspectos mais difundidos da sustentabilidade no Rio Grande do Sul. E o fato de o Estado ser um dos principais atores do agronegócio no Brasil exige que pecuaristas e agricultores gaúchos se mostrem atentos a práticas que começam a se tornar requisitos nos mercados mais exigentes.
O ESG, sigla em inglês que significa Environmental, Social and Corporate Governance (Governança Ambiental, Social e Corporativa), tem origem no mercado de capitais e surgiu com o objetivo de promover uma cultura de negócios com mais responsabilidade social e ambiental. Será figura certa nas rodas de conversas da Expointer 2022, como disse o secretário de Agricultura, Domingos Velho Lopes, no lançamento da feira.
— É essa imagem que pretendemos passar, de um Estado onde a harmonia e o desenvolvimento sustentável da cadeia produtiva são exemplos para o mundo.
O raciocínio é procedente. Apenas em julho deste ano, o agro representou 67% das exportações gaúchas, de acordo com dados da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). No acumulado de 2022 (mesmo com a estiagem), as exportações totalizaram US$ 8 bilhões.
— Não faz muito tempo, até mesmo a palavra sustentabilidade ambiental já causava alvoroço em nossos pecuaristas. No entanto, atualmente, já é algo digerido no meio, razão pela qual percebe-se um primeiro passo na consistência de ideias para o estabelecimento de uma agenda ESG — comenta o presidente do Instituto Desenvolve Pecuária, Luis Felipe Barros.
O instituto tem a missão de impulsionar o desenvolvimento da pecuária brasileira, com objetivo de ser referência na bovinocultura de corte. Para Barros, atualmente o Rio Grande do Sul passa por um momento de estabilização da pecuária, com o desafio de ser mais eficiente e posicionar a produção de carne fora do mercado commodity:
— Somos o sexto Estado em tamanho de rebanho e o sétimo em abates, mostrando que há outros Estados que, em face da sua evolução econômica, já cuidam melhor da questão ESG nos negócios empreendidos.
Na avaliação dele, grandes multinacionais são as que têm programas mais estruturados no sentido da governança ambiental e social. Mas ainda há uma lacuna entre os produtores:
— Esse movimento demonstra claramente o entendimento que práticas ESG serão requisitos necessários para exportação de carne a outros países, inclusive para China, que já solicita certo tipo de rigor em relação à matéria para habilitação de uma planta frigorífica para exportação.
Para além das exigências de mercado, a adoção de medidas ESG esbarra constantemente na questão da viabilidade financeira dos negócios. Afinal, é possível ter uma produção competitiva e manter o cuidado com o ambiente e a sociedade?
Para a pesquisadora e gerente de Infraestrutura e Sustentabilidade da Embrapa, Petula Ponciano Nascimento, a resposta é sim:
— Nesses últimos 50 anos, com mais intensidade nas últimas três décadas, a área plantada com grãos cresceu 61% no país, enquanto a produção aumentou 312%, cinco vezes mais. Desta forma, o agro brasileiro pode – e deve – desempenhar um papel ainda mais relevante no mundo, pela sua capacidade de produzir alimentos, fibras e energia em quantidade e qualidade atendendo os princípios da sustentabilidade.
Porém, de acordo com ela, qualquer novo padrão tecnológico na agricultura terá de se nortear pela consolidação de sistemas de produção limpos, com balanço positivo de carbono, adoção de práticas de manejo e conservação de solos tropicais. Além disso, é preciso contemplar investimentos na conservação e uso da biodiversidade que promovam a inclusão produtiva, gerem e remunerem de forma positiva, que são os benefícios indiretos que uma empresa gera a outras empresas e à população. Ou seja, cumprir os critérios ESG.
Propriedade de São Sepé recebeu certificação de qualidade
Na Fazenda Pulquéria, a preocupação com o ambiente é algo que passa de geração em geração. Fernanda Costabeber aprendeu com o pai, Fernando Costabeber, que a natureza é finita e, por isso, demanda cuidados permanentes:
— Desde muito nova, eu me lembro de implementarmos ações como curvas de nível de base larga, que servem para a preservação do solo, e a proteção da mata e dos animais nativos — conta a administradora.
A propriedade de 1,8 mil hectares, que fica em São Sepé, na Região Central, também foi uma das primeiras no Estado a implementar o plantio direto. Outras ações foram adotadas, como o isolamento das matas nativas e o acesso controlado dos animais às sangas e bebedouros.
O trabalho rendeu à Fazenda Pulquéria um selo do Serviço Brasileiro de Certificação pelo trabalho voltado ao bem-estar animal e pela sustentabilidade. Com foco na terminação de bovinos de raças europeias, a propriedade tem 4 mil cabeças no campo.
Em busca da redução da pegada de carbono
A história da Butiá teve início em 1950, quando o patriarca da família, Pedro Bertagnolli, iniciou o plantio de trigo na região de Coxilha, próximo a Passo Fundo. Desde então, a propriedade tem adotado políticas de manejo e outras medidas para aprimorar a preservação do meio ambiente e promover o desenvolvimento social da região.
— Em 1989, já fazíamos plantio direto em 100% das nossas áreas. Também passamos a adotar a rotação de culturas para preservar o solo. Além disso, meu avô já tinha a consciência de proteger áreas de nascente, córregos e rios, além de evitar o plantio em áreas de declive, para proteger da erosão — diz Veronica Bertagnolli, diretora comercial da Sementes Butiá e neta do fundador.
As sementes plantadas por Pedro hoje dão frutos. Veronica conta que, na década de 1950, o avô tinha também consciência social e instalou uma escola para que os filhos dos funcionários pudessem estudar, já que o acesso era difícil e o transporte, na maioria das vezes, era feito de carroça. Hoje a propriedade tem programas para estimular a consciência ecológica nos estudantes da rede municipal de ensino — o Se Liga na Escola, com alunos do 6º ano, e professores da rede municipal.
A Sementes Butiá atua no melhoramento genético de sementes com a produção de cerca de 300 mil sacas de soja e 150 mil de trigo por ano. Em 2020, sob a administração de Veronica, aderiu à iniciativa PRO Carbono da Bayer.
No projeto, é feito um trabalho para ampliar a produtividade no campo e o sequestro de carbono no solo, por meio da intensificação de práticas conservacionistas, reduzindo a pegada de carbono da soja. Em contrapartida, os agricultores podem usufruir de benefícios como análise de fertilidade e estoque de carbono no solo, diagnóstico socioambiental das propriedades e suporte de uma consultoria técnica para a implementação de manejos sustentáveis.
— Temos muita consciência que para falar em sustentabilidade é preciso olhar para o tripé ambiental, social e econômico. Não adianta ver apenas o lado econômico da empresa — diz Veronica.
Para o líder do Negócio de Carbono da Bayer para a América Latina, Fábio Passos, o agronegócio brasileiro tem um grande potencial de se tornar protagonista no mercado de carbono. Para isso, diz, é fundamental compartilhar conhecimento e as ações desenvolvidas para solucionar os principais desafios técnico-científicos.
Os agricultores do programa PRO Carbono, presentes em mais de 650 municípios de 16 Estados, alcançaram uma pegada média de 783 quilos de gás carbônico equivalente por tonelada de soja na safra 2021/2022 — redução de até 80%, frente à média das principais bases de dados internacionais.