Energia oriunda dos dejetos de aves, suínos e vacas e de resíduos de agroindústrias e saneamento, o biogás, aos poucos, começa a ganhar relevância no Brasil. Entre 2015 e 2018, a produção do combustível mais do que dobrou, passando de 1,5 milhão para 3,1 milhões de metros cúbicos ao dia, segundo o Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás (CIBiogás). E o Rio Grande do Sul tem participação direta neste resultado, já que detém a quinta maior geração diária do combustível entre os Estados. No mesmo período, pulou de 11 mil para 160 mil metros cúbicos a cada 24 horas, quase 15 vezes mais.
Composto majoritariamente por metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2), o biogás resulta da decomposição anaeróbia dos resíduos, constituindo-se em energia limpa e renovável. Essa fonte poderia suprir, no longo prazo, 36% da demanda de eletricidade no Brasil, segundo o CIBiogás. De quebra, como a agropecuária responde por cerca de 90% do potencial de conversão energética, produtores rurais ganham uma solução no tratamento dos efluentes, evitando o lançamento de gases na atmosfera e a contaminação do solo.
O país tem 276 plantas de biogás em operação, sendo 13 no Rio Grande do Sul. Uma das unidades ativas no Estado é a da Fazenda Trevisan, de Farroupilha, na Serra. Voltada ao leite, a propriedade tem em torno de 500 vacas, que geram 33 mil litros de dejetos por dia. Há uma década, começaram a se transformar em energia elétrica. Isso porque no local foram colocados biodigestores, equipamentos que armazenam a matéria-prima e estimulam seu processo de decomposição.
A expectativa de crescimento do setor é muito grande. Com os empreendimentos que devem entrar em operação, a perspectiva é de que a produção aumente mais de 200% nos próximos três anos
FELIPE MARQUES
Coordenador do projeto Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira, do CIBiogás
— Quando começamos o projeto de vacas leiteiras, tínhamos preocupação com a grande geração de dejetos e em como tratá-los. Por isso, decidimos fazer os biodigestores. Ter o biogás para gerar energia foi uma consequência — aponta Jean Trevisan, que lidera a fazenda ao lado pai, Osmar Trevisan.
A família investiu R$ 2 milhões na implementação do sistema, o que incluiu a instalação de um novo biodigestor no ano passado, totalizando três equipamentos. São cerca de 2 mil metros cúbicos de biogás por semana, que resultam em 4,5 megawatts-hora (MWh). Isso é suficiente para abastecer 15% da propriedade, que inclui ainda fábrica de envase de leite tipo A. Desta maneira, a economia mensal na conta de luz chega a R$ 7 mil.
Produção pode crescer até 200% em três anos
Casos como os da Fazenda Trevisan tendem a se multiplicar. Além das usinas em operação, o Brasil tem outras 90 estruturas prestes a serem concluídas ao longo de 2019. Com a finalização destes projetos, a produção do combustível subirá para 4,7 milhões de metros cúbicos ao dia. E a tendência é de que a geração continue subindo de maneira exponencial.
— A expectativa de crescimento do setor é muito grande. Com os empreendimentos que devem entrar em operação, a perspectiva é de que a produção aumente mais de 200% nos próximos três anos, ultrapassando os 10 milhões de metros cúbicos ao dia — estima Felipe Marques, coordenador do projeto Aplicações do Biogás na Agroindústria Brasileira, do CIBiogás.
O produtor de frutas e criador de suínos e bovinos Igor Rech é um dos que devem engrossar a lista de empreendedores que recorrem à geração própria de energia elétrica. Em sua propriedade em Vila Oliva, no interior de Caxias do Sul, ele está montando uma agroindústria para fazer o processamento de alimentos. A ideia é colocar biodigestores, utilizando os dejetos dos animais para gerar, ao menos, parte do consumo.
É uma opção viável e sustentável, pois conseguiremos baixar os custos dentro da propriedade
IGOR RECH
Produtor de frutas e criador de suínos e bovinos
— É um gás que hoje está indo fora, porque não o absorvemos. Será, inclusive, muito mais barato (o biogás) do que comprar gás (natural). É uma opção viável e sustentável, pois conseguiremos baixar os custos dentro da propriedade — constata.
Associado da Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares de Caxias (Caaf), Rech enfatiza que o biogás é fator decisivo para alcançar a meta de tornar a propriedade sustentável do ponto de vista ambiental.
Uma granja autossustentável
O biogás pode tornar as propriedades autossustentáveis em energia. É o caso de uma granja de suínos da Cooperativa Santa Clara, em Carlos Barbosa, na Serra. A instalação do sistema de biodigestão, em 2008, atende toda a demanda do local e driblou a dependência da concessionária de luz.
Na granja, 8 mil suínos geram 100 mil litros de dejetos por dia, o que possibilita a produção de mil metros cúbicos de biogás a cada 24 horas. Em um mês, o gás equivale à energia de 23 mil litros de óleo diesel, 146 mil quilos de lenha ou 1,2 mil botijões de gás de cozinha. O gerente de meio ambiente da Santa Clara, Pedro Jung, calcula que, com o sistema, são gerados 60 mil quilowatts-hora (kWh). Além da economia de até R$ 15 mil na conta de luz, Jung destaca que o ganho ambiental é incalculável.
— Sem os biodigestores, o metano iria direto para a atmosfera. O segundo aspecto é que os dejetos dos suínos, sem tratamento, podem contaminar os lençóis freáticos — relata Jung.
A planta de biogás da Santa Clara, com três biodigestores, absorveu investimentos de R$ 500 mil. Agora, a cooperativa negocia a compra de um novo gerador, no valor de R$ 600 mil, o que permitiria dobrar a geração de energia.
A cooperativa também utiliza o sistema na planta de suínos em Selbach. No município da Região Norte, são criados 18 mil animais, que geram 150 mil litros diários de dejetos.
Com isso, é possível obter 1,5 mil metros cúbicos de biogás a cada 24 horas. Dessa maneira, a cooperativa reduz em 60% a demanda de eletricidade da rede, economizando R$ 8 mil mensais.