Laudo técnico assinado por um biólogo da prefeitura de Bagé indicou resíduo do agrotóxico 2,4-D em árvores na zona urbana do município. O produto é aplicado em áreas rurais antes do plantio da soja para extinguir a erva daninha chamada de buva. Já houve caso de resquício do produto químico encontrado em Santana do Livramento, este confirmado com laudo laboratorial.
A nova identificação foi feita visualmente, a partir da análise sintomática em cinamomos em três ruas, incluindo a Avenida General Flores da Cunha, em frente ao Hospital Universitário. O biólogo Rodrigo Kanaan, baseado na bibliografia da Embrapa, registrou ter observado sinais de epinastia nos vegetais, o que indica presença de 2,4-D. A epinastia leva a retorcimento do caule, destruição do sistema radicular e morte, a exemplo dos efeitos do herbicida na lavoura.
"Pela sintomatologia exposta, acreditamos que o 2,4-D atuou sobre as árvores em questão, visto que existem várias lavouras em distância compatível com a ocorrência de deriva aos endereços mencionados", relata o laudo, de 20 de dezembro de 2018.
– Não é uma afirmação peremptória, mas encontramos isso em vários pontos da cidade. Os indícios que recolhemos são de que se trata de 2,4-D – explicou o biólogo.
O laudo ainda registrou que uma árvore da espécie aroeira periquita, na Rua Comandante Lili Lucas de Souza Pinto, “sofreu morte em semanas, secando as folhas gradualmente, tendo de ser suprimida”.
Em agosto e setembro, os principais meses dentro da escala de aplicação do 2,4-D por produtores de soja, Kanaan pretende fazer coletas em vegetais urbanos e encaminhar para análise de laboratório em convênio com o Estado.
Professor de viticultura da Universidade Federal do Pampa, o agrônomo Norton Victor Sampaio relata ter detectado os mesmos sintomas de epinastia em árvores em áreas urbanas de Dom Pedrito, também na Campanha.
– Os efeitos do 2,4-D são muito característicos. E os cinamomos, assim como as videiras, são plantas indicadoras, ou seja, mais suscetíveis à presença de alguma ação incomum – explica Sampaio.
A presença de resíduos do produto em áreas urbanas dos municípios é a comprovação de que a deriva vai muito mais longe do que se imagina, alerta Sampaio:
– Ninguém pulveriza dentro das cidades. Estamos falando de um problema sério que precisa ser assumido pelo poder público.
Em Bagé, a lei municipal proíbe a aplicação de produtos químicos à distância inferior de 1,5 quilômetro da área urbana. A legislação federal é de no mínimo 500 metros.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é quem define a classe toxicológica dos produtos fitossanitários. São realizados estudos crônicos e subcrônicos que visam avaliar efeitos de curto e longo prazo, como potencial para causar câncer ou má-formação, potencial para causar mutações, além de efeitos sobre a reprodução. Segundo a Iniciativa 2,4-D, grupo formado por representantes das empresas Corteva Agriscience, Nufarm e Albaugh, com o propósito de gerar informação técnica sobre o uso correto e seguro de defensivos agrícolas, o produto já passou por reavaliações e continua sendo extremamente seguro para uso na agricultura.
Entenda o caso
— Em 2015, o Ministério Público Estadual abriu inquérito para investigar a suposta deriva do herbicida 2,4-D em parreiras da região da Campanha.
— Nos anos seguintes, produtores de uvas e oliveiras passaram a identificar prejuízos em suas produções. Na safra atual, a estimativa é de perda de 40% nos parreirais da Campanha.
— Em dezembro de 2018, a Secretaria Estadual da Agricultura comprovou a presença do produto em 52 coletas feitas em 47 propriedades.
— Na semana passada, a Secretaria da Agricultura recebeu laudo laboratorial confirmando a contaminação de vegetal pelo 2,4-D na zona urbana de Santana do Livramento, em frente a um hospital.
— Exames semelhantes foram feitos em Bagé e Dom Pedrito, mas os resultados foram "não detectável", o que significa nem positivo nem negativo.
— Segundo Fabíola Boscaini Lopes, chefe da Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal da Agricultura, isso pode ter ocorrido por conta de chuvas que caíram na semana das coletas — 18 de dezembro — e também pelo fato de a aplicação do 2,4-D ocorrer entre agosto e setembro — tempo suficiente para o produto não ser mais detectado nas plantas.
— Professor sênior da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e presidente do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), José Otávio Menten afirma que a chance do herbicida de causar danos às pessoas é muito pequena.