Passa do meio-dia de uma sexta-feira ensolarada de janeiro quando uma das portas de um aviário da granja Filippsen, em Morro Reuter, é aberta. Logo após deixar a barreira para trás, parte das 6 mil galinhas do pavilhão se apressa em ciscar na grama do terreno que envolve a estrutura de 88 metros de comprimento por 12 de largura.
– Esse é o modelo de criação de aves livres. Elas passam a noite dentro do aviário e são soltas depois do meio-dia. Ficam ciscando durante a tarde – resume Raul Filippsen, diretor comercial da empresa localizada na Rota Romântica, no Vale do Sinos.
Nesse sistema de criação, como as poedeiras circulam dentro de aviários e em áreas abertas, não há necessidade de confinamento em gaiolas, como ocorre no método convencional. A liberdade e a possibilidade de maior bem-estar são apontadas como motivações para que o modelo comece a ganhar mais atenção no Rio Grande do Sul, mesmo que a passos lentos.
Aviários que adotam o sistema ainda são raros
Conforme a Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), dos cerca de 3,2 bilhões de ovos produzidos anualmente no Estado, de 3% a 5% resultam de criações de aves livres. Diretor-executivo da entidade, José Eduardo dos Santos sublinha que o movimento ganhou força sobretudo a partir de 2016, com pressões para que as granjas abandonem as gaiolas.
– A criação de aves livres é um modelo relativamente novo no país e mais estruturado na Europa. Nos últimos anos, com o pedido de ONGs (organizações não governamentais) que buscam o fim das gaiolas, o sistema tem se estruturado – frisa Santos.
Entre 2016 e 2017, por exemplo, redes de restaurantes como McDonald's, Burger King e Giraffas anunciaram que, a partir de 2025, só comprarão a mercadoria de fornecedores que criam galinhas fora de gaiolas.
– É um mercado interessante para quem deseja empreender. O Brasil está no caminho de evolução – defende Santos, que ao mesmo tempo critica a imposição a qualquer custo das mudanças.
Em janeiro deste ano, foi a vez de a Aurora Alimentos confirmar decisão em favor do fim das gaiolas. Com sede em Santa Catarina, a cooperativa se comprometeu a usar, em até sete anos, apenas ovos provenientes de aves livres.
– É um movimento ainda incipiente no Brasil. Ganhou mais força nos últimos anos – assinala o presidente-executivo da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra.
Na Filippsen, cerca de 30% da produção resulta da criação de aves livres. Até o fim deste ano, a granja gaúcha pretende elevar o percentual para 50%. Antes de aumentar a aposta no modelo, a diretoria da empresa buscou inspiração em aviários de países como Holanda e França.
– Começamos com a criação de aves livres em 2009. Quando fui à Europa, no ano passado, vimos que estamos no caminho certo – sustenta Filippsen.
Um dos entraves apontados por especialistas para a disseminação do modelo no país é o custo de produção mais elevado na comparação com o sistema de gaiolas. A ração servida às aves livres requer ingredientes especiais, o que encarece o preço cobrado pelos ovos ao consumidor final nas gôndolas dos supermercados.
– Existem aviários com gaiolas que recebiam 20 mil galinhas. Com o modelo de aves livres, a capacidade desses mesmos espaços pode cair para 6 mil, por exemplo. Apesar disso, é um modelo que avançará muito, e talvez os custos caiam por conta do crescimento – acrescenta Filippsen.
Aviário diferenciado
Na granja localizada em Morro Reuter, as aves circulam livremente dentro do aviário, com as poedeiras colocando ovos fora de gaiolas, em estrutura especial. A retirada é feita por meio de esteira, que transporta até uma sala onde a equipe classifica os ovos e os separa em bandejas. Dessa forma, é menor a circulação humana no meio dos animais. A Filippsen abrirá a granja para visitação neste ano, colocando em prática um sonho do pai de Raul, que sempre defendeu práticas mais naturais de produção.
Galinhas mais saudáveis e ovos mais resistentes
A preocupação crescente do mercado em relação ao confinamento de galinhas levou a Naturovos, de Salvador do Sul, a refletir sobre o seu sistema de operação. Ao longo deste ano, a empresa do Vale do Caí também deseja elevar a quantidade de ovos produzidos por aves que vivem soltas. A meta é fazer com que, até dezembro, elas respondam por 10% de tudo o que é vendido, afirma o gerente comercial Anderson Herbert.
Segundo ele, o modelo de aves livres resulta em galinhas mais saudáveis e ovos de melhor qualidade, com gemas mais alaranjadas e cascas mais resistentes.
– É um produto ainda mais saudável. Produzimos ovos com galinhas livres há mais de 10 anos. Mas, nos últimos tempos, o mercado consumidor passou a dizer que o modelo convencional, com gaiolas, ficou ultrapassado. A empresa precisa se adequar a isso – argumenta o gerente.
Presente no Brasil, a Humane Society International (HSI) é uma organização que busca o fim da criação de aves dentro de gaiolas. Ao defender o seu posicionamento, a HSI afirma que mais de 50 empresas do cenário nacional já se comprometeram a eliminar, a partir ou antes de 2025, ovos produzidos nessas estruturas.
– Em sistemas convencionais, cada galinha tem aproximadamente o mesmo espaço do que uma folha de papel A4 ou de um iPad para passar a vida inteira. As aves confinadas em gaiolas não conseguem expressar comportamentos naturais importantes. O futuro da produção de ovos é livre de gaiolas – menciona Maria Fernanda Martin Guimarães, especialista em comportamento e bem-estar animal da HSI.
Presidente-executivo da ABPA, Francisco Turra lista obstáculos que dificultam as mudanças nas empresas. Entre eles estão a necessidade de investimentos e os riscos sanitários que a prática pode apresentar se não houver os cuidados recomendáveis.
– As galinhas que vivem soltas em áreas externas aos pavilhões não devem ter contato com outras aves que podem transmitir doenças. Por isso, há necessidade de investimento para colocação de telas. Ambientalistas querem propiciar condições que nem sempre são possíveis por conta dos altos custos e até por riscos sanitários – pontua.