Considerado o pai mundial dos transgênicos, o cientista americano Robb Fraley, 64 anos, se empolga ao falar da agricultura brasileira. A rápida adoção da biotecnologia no Brasil, associada a ferramentas digitais cada vez mais acessíveis aos produtores, faz o cientista prever uma nova revolução no campo nas próximas décadas. Robb e outros três cientistas da Monsanto foram os primeiros a modificar geneticamente plantas, ainda na década de 1980. Atual chefe de tecnologia da multinacional, e membro da Associação Americana para o Avanço da Ciência, o bioquímico reconhece que a indústria agrícola não conseguiu transmitir à população a importância da tecnologia e inovação para a produção de alimentos. E diz que uma das principais lições é de que um bom produto, além de uma ciência sólida, precisa de uma boa comunicação que o ajude a ser compreendido pelos consumidores. Pela primeira vez no Rio Grande do Sul, Fraley conversou com jornalistas sobre a aquisição da Monsanto pela Bayer, sobre os desafios tecnológicos e sobre o futuro da agricultura. Confira os principais trechos da entrevista:
Aceitação dos transgênicos
"Ainda há muitos desafios a enfrentar. Mas como cientista que desenvolveu a transgenia, é importante destacar que está presente em mais de 30 países. É a tecnologia com adoção mais rápida na história da agricultura. A cada ano mais países estão adotando a transgenia. Sobre a aceitação, uma questão é muito importante: em 20 anos desde que os transgênicos chegaram ao mercado, não houve até hoje nenhum problema de segurança em ração ou alimento associado à tecnologia. Nos Estados Unidos, a academia nacional de ciência passou dois anos revisando todos os dados e resultados e a conclusão foi de que a tecnologia é absolutamente segura."
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Comunicação com consumidores
"Nossa empresa (Monsanto) não fez um bom trabalho na comunicação dos benefícios da transgenia para os consumidores. Muito disso mudou. Hoje somos muito mais ativos e transparentes, estamos muito mais engajados na comunicação para os consumidores por meio da televisão, das mídias sociais passando informações. No mundo inteiro, o que a ciência consegue fazer na indústria farmacêutica e na agricultura é muito além da compreensão das pessoas. Tem uma coisa que eu aprendi ao longo desses 20 anos, uma ciência sólida é fundamental para você produzir um bom produto, mas sem uma boa comunicação esses produtos podem não ser aceitos pelo público, podem não ser compreendidos pelas agências reguladoras."
Startups e fusões
"Existem muitas mudanças acontecendo na indústria agrícola. Estamos vendo centenas de novas empresas startups em biologia avançada e em ciência de dados entrando no mercado. No mundo inteiro, nos últimos dois anos, houve US$ 10 bilhões em investimentos em novas empresas startups de agricultura, e grande parte desses investimentos foram feitos aqui no Brasil. Ao mesmo tempo, algumas das grandes empresas, como Dow, Dupont, Syngenta, Monsanto e Bayer se juntando. Isso é muito importante, pois dá aos produtores o melhor dos dois mundos: novas empresas e startups e empresas maiores se tornando ainda mais competitivas. E a combinação significa mais tecnologias e mais ferramentas aos produtores."
Monsanto e Bayer
"O negócio entre a Monsanto e Bayer, por exemplo, trará o conhecimento da Monsanto em sementes e biotecnologia e junto com o conhecimento da Bayer na área de químicos vai criar uma oportunidade para investir mais e trazer mais tecnologia para os produtores. Depois da surpresa do anuncio desse acordo, eu me empolguei muito com a oportunidade que isso representa, inclusive de investir mais no Brasil, trazendo inovações específicas ao produtor brasileiro."
Resistência a químicos
"Uma das coisas que eu sempre insisti é investir nas ferramentas das próximas gerações. No caso da proteção da soja e do milho contra insetos, por exemplo, já estamos desenvolvendo a quarta e a quinta geração de eventos de controle. No caso de controle de plantas daninhas, nós fizemos muitas recomendações para os produtores usarem outros herbicidas na mesma área e reduzir a resistência. A chave para fazer o manejo da resistência a longo prazo é dar para o produtor mais opções para que utilize vários produtos na mesma área. Daqui 30 anos a população mundial chegará a 10 bilhões de pessoas. Ou seja, a demanda por alimentos vai praticamente dobrar. Por isso é fundamental que Brasil, Argentina e Estados Unidos, principais produtores mundiais, produzam de maneira inteligente – oferecendo garantia alimentar e preservando o meio ambiente.
Apetite por tecnologia
"Quando eu entrei na Monsanto, em 1980, o Brasil era um país subdesenvolvido, com pouquíssima agricultura. Eu vi um progresso incrível aqui. E sabemos que no Brasil ainda há muitos desafios logísticos de infraestrutura e transporte. E eu vejo como é difícil fazer uma agricultura tropical, com pressão de insetos e de doenças. O que torna o ganho de produtividade muito mais incrível aqui. O agricultor brasileiro adotou de maneira rápida a tecnologia. Se compararmos com o ritmo de adoção da biotecnologia nos Estados Unidos ou em outros países com o Brasil, vemos que o produtor daqui tem um apetite por tecnologia. Com as inovações e ferramentas disponíveis, nos próximos 10 anos veremos mais mudança na agricultura brasileira do que provavelmente vimos nos últimos 20 ou 30 anos."
Produção brasileira
"Quando eu olho em direção ao futuro, vejo todas as novas tecnologias que irão entrar na agricultura, como a próxima geração da transgenia e a agricultura digital, que terá grandes impactos para melhorar a produtividade e a lucratividade. Os produtores brasileiros, que fazem uma agricultura tropical, enfrentam muitos mais desafios com pragas, ervas daninhas, problemas climáticas do que qualquer outro produtor do mundo. Tenho oportunidade de viajar por muitos países e conversar com muitos cientistas e produtores rurais. E é empolgante ver quanto a agricultura progrediu aqui no Brasil. As produtividades, as áreas plantadas e as tecnologias são fenomenais."
Nova revolução no campo
"Um dos meus mentores quando eu era um jovem cientista foi Norman Borlaug, o pai da Revolução Verde. Eu passei muito tempo com o Norman nos últimos 20 anos da vida dele. A manipulação do gene e revolução da ciência de dados vão criar oportunidade para mudar a agricultura do futuro. E essas novas ferramentas terão aplicação a praticamente todas as culturas. A tecnologia transgênica foi polêmica pelo alto custo de desenvolvimento. E a biotecnologia ficou limitada às grandes empresas, infelizmente. Quando você olhas as próximas gerações de ferramentas que irão chegar no mercado, como edição de genes, utilizadas por todos os laboratórios de pesquisa que trabalham com plantas ou saúde no Brasil. Da mesma maneira, as ferramentas de ciências de dados, podem ser feitas em universidade e em startups. Veremos toda uma onda de inovações, não somente das grandes empresas."
Pagamento de royalties
"Quando os produtores e associações de produtores observam o que está acontecendo no Brasil eles vem que o papel da tecnologia foi parte fundamental na transformação da agricultura brasileira. Desde o lançamento da soja RR, a área plantada com soja dobrou, a produtividade aumentou em mais de 40%. Não estou dizendo que tudo se deve à transgenia. Mas com certeza isso mostra que o investimento em tecnologia e inovação criou um benefício enorme, não apenas para o produtor, mas também de uma maneira geral ajudou a transformar a economia brasileira. Se você olhar os números, por exemplo, 25% do PIB brasileiro vem da agricultura, 50% das exportações vem do agronegócio, um terço dos empregos estão nesse setor. Houve um grande benefício na utilização da tecnologia e num ambiente que apoie essas inovações no futuro."