A combinação infeliz de uma primavera chuvosa com a ação de defensivos agrícolas é a causa apontada para o desaparecimento de quase 250 mil colmeias no Rio Grande do Sul no ano passado - o que equivale a uma mortandade de quase 50% do total. Maior produtor brasileiro de mel, o Estado foi drasticamente afetado pela redução da colônia de insetos. A frustração nos apiários acende o alerta sobre o risco de despovoamento das abelhas, responsáveis por boa parte da polinização necessária para diferentes culturas agrícolas.
Em anos considerados normais, a taxa de mortalidade aceitável é de até 15%. O percentual superior registrado no Estado é atribuído por especialistas ao excesso de umidade e ao crescente uso de agroquímicos nas lavouras.
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- O clima não é a única causa da mortandade. O aumento do uso de defensivos, altamente eficientes na agricultura, influencia na saúde das colmeias. A expansão de monocultivos, associada a defensivos, requer monitoramento para não comprometer a longevidade das abelhas explica Aroni Sattler, professor de Apicultura da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A mortandade, uma preocupação mundial, foi verificada em todas as regiões do Estado, da Metade Sul à região dos Vales. A atividade, no Rio Grande do Sul, envolve 40 mil produtores - município gaúcho com a maior produção de mel é Santana do Livramento. Com a chuvarada e a ventania que marcaram a primavera gaúcha faltou alimento para as abelhas, tornando-as mais suscetíveis à ação de defensivos usados em plantas que servem de alimento para elas. A floração prejudicada pela umidade fez com que o rendimento de mel por colmeia não chegasse a cinco quilos. A média gaúcha anual é de 20 quilos por colmeia, resultando em 10 mil toneladas de mel.
- Os apicultores colheram de 10% a 15% do volume esperado. Problemas localizados são normais. O que ocorreu neste ano foi inédito - assegura Aldo Machado dos Santos, presidente da Federação Apícola do Rio Grande do Sul.
A esperança está depositada na safra de outono, quando os apiários poderão ser repovoados para produção de mel a partir de março. Cada colmeia morta representa prejuízo de R$ 500. Quem se antecipou conseguiu diminuir as perdas. Apicultor em Paverama, no Vale do Taquari, Celso Borba, 48 anos, forneceu alimentação artificial às abelhas e registrou mortandade inferior a 15%. Com a suplementação proteica e melhoramento genético da abelha-rainha, alcançou o rendimento de 20 quilos por colmeia.
- Monitoro as colmeias e busco tecnologias de manejo para garantir boa produtividade - conta Borba, que recentemente inaugurou a agroindústria Borba Mel, ao lado da mulher, Leani Borba, 41 anos.
COMO OCORRE A CONTAMINAÇÃO
Expansão da atividade depende de qualificação
Com mais de 80% da produção com origem na agricultura familiar, a apicultura no Estado vem se profissionalizando para se enquadrar em programas voltados à agroindústria. Por meio da formalização, individual ou em modelos associativos, os produtores podem aumentar o valor do mel comercializado e expandir significativamente os pontos de venda.
- A tendência é esta: legalizar a produção e conquistar mercados em supermercados e feiras do setor - ressalta Paulo Francisco Conrad, assistente técnico da Emater na área de apicultura.
Conforme Conrad, somente cerca de 20% da produção gaúcha é tecnificada, com manejo e caixas adequadas, melhoramento genético das abelhas-rainha, substituição de favos e controle da alimentação. Esse percentual de apicultores consegue obter uma produtividade de até 40 quilos de mel por colmeia ao ano - o volume representa o dobro da média estadual alcançada atualmente.
- Em torno de 60% da produção gaúcha vem dessa parcela tecnificada, que tem na venda de mel a sua principal fonte de renda - estima Conrad.
Horn manteve a média de 4 mil quilos graças à alimentação artificial (Foto: Lidiane Mallmann, Especial)
Da profissionalização resultam as agroindústrias do setor. Com 33 pontos de venda em Estrela, o produtor José Horn, 64 anos, participa de cursos técnicos e seminários para se aperfeiçoar na atividade. Na venda direta ao consumidor, o quilo do mel sai por R$ 12, preço médio vendido no Estado, segundo a Emater.
- É preciso buscar informação e técnica. Se eu não tivesse feito alimentação artificial nas colmeias, perderia boa parte da produção neste ano - conta o apicultor, proprietário do Apiário Horn, que tem uma produção média de 4 mil quilos por ano.
PRODUÇÃO DE MEL EM QUEDA
Recorde de exportação e qualidade valorizada
Ao exportar 50% da produção de mel, o Brasil atingiu no ano passado volume recorde de embarques - 23 mil toneladas, ainda sem contar o resultado de dezembro. A marca é inédita em quantidade e também em valor, cerca de US$ 90 milhões, diante do aumento do preço médio do produto. Até então, o ano de referência era 2011.
- A qualidade do mel brasileiro ajuda a ganhar mercados - diz Flávia Salustiano, gerente-executiva da Associação Brasileira de Exportadores de Mel (Abemel).
As condições brasileiras de clima, solo, florada e genética das abelhas permitem uma produção de mel livre de resíduos. Com abelhas de origem africana, mais resistentes do que as europeias, a produção brasileira não utiliza antibióticos nas colmeias para tratar doenças das abelhas. Graças a esses recursos naturais, o Brasil é capaz de produzir o ano todo. O aumento das exportações deve-se ainda, segundo a Abemel, aos avanços por parte da indústria brasileira e melhor manejo pelos apicultores.
As exportações em 2014, no período de janeiro a novembro, superaram em 38,2% os embarques do mesmo período de 2011. O principal destino do mel brasileiro continua sendo os Estados Unidos. Os maiores exportadores foram Santa Catarina e São Paulo, que responderam juntos por 54% do total. As vendas externas do Rio Grande do Sul somam apenas 6,4% dos embarques nacionais porque boa parte das indústrias exportadoras se concentram em São Paulo.
Um dos programas desenvolvidos para aumentar os negócios internacionais é o Brazil Let's Bee, parceria da Abemel com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Entre as empresas participantes, 82% já exportam parte da produção.
- O Brasil tem condições de aumentar as exportações, com investimentos em capacitação e incremento da produtividade das colmeias - completa Flávia.