As informações mais amplas sobre o trabalho infantil no Brasil são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sem divulgação há dois anos, a última pesquisa do IBGE foi a de 2016, que mostrou que havia 2,3 milhões de crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Desse total, 998 mil estão submetidos a trabalho ilegal, sendo 190 mil com até 13 anos de idade, faixa etária em que não é permitido trabalhar sob nenhuma condição.
Em seu artigo 7°, a Constituição Federal proíbe no Brasil o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e qualquer trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14.
Embora os números apresentados sejam preocupantes, há exemplos de trabalhos liderados por alguns setores que servem de inspiração para reverter esse quadro no país em suas diferentes regiões. O setor do tabaco, por exemplo, destaca-se há mais de 20 anos no combate ao trabalho infantil no sul do Brasil.
Desde 1991, a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) mantém o Projeto Verde é Vida, que atua diretamente com escolas situadas em municípios produtores de tabaco, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Por meio do projeto, são realizadas ações de sensibilização, conscientização, preservação e recuperação ambiental, além de oficinas de contra turno, envolvendo grupos ambientais e pesquisa científica, fazendo com que os jovens tenham mais oportunidades de se ocupar, ao mesmo tempo que auxilia em sua formação.
Em 1998, por sua vez, houve o lançamento do "O Futuro é Agora!", programa pioneiro no setor agrícola no combate ao trabalho infantil. Liderada pelo Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco, o SindiTabaco, a iniciativa surgiu com o objetivo de conscientizar os produtores sobre a legislação e a importância da educação de seus filhos. Para isso, foram instituídos projetos sociais voltados às escolas que atendem filhos de produtores de tabaco em jornada escolar ampliada, com atividades de promoção cultural, inclusão digital, esporte, entre outros. Ao longo dos mais de 12 anos de atuação, o programa alcançou mais de 180 mil produtores de tabaco da região sul do Brasil.
Passados 10 anos, houve um novo grande marco no combate ao trabalho infantil para o setor. No Rio Grande do Sul, foi assinado um Termo de Compromisso pelas empresas associadas ao SindiTabaco com anuência do sindicato e da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), perante o Ministério Público do Trabalho no Estado (MPT-RS). O acordo formalizou as ações de combate ao trabalho infantil na produção do tabaco.
O responsável pela elaboração e assinatura dos termos de compromisso com o setor de tabaco foi o procurador do Ministério Público do Trabalho Veloir Dirceu Furst, atualmente aposentado. Na época, ele recém havia assumido a coordenadoria do trabalho infantil do MPT-RS. Contrariando os estados de Santa Catarina e Paraná, que adotaram o caminho de ajuizar uma ação civil pública como forma de combater o problema, o promotor gaúcho optou por dialogar com o setor fumageiro e firmou o compromisso com o SindiTabaco.
— Não me senti confortável em aplicar uma ação civil pública de imediato, pois era inviável deixar na mão de um juiz a fiscalização de cerca de 180 mil famílias do setor — recorda.
No ano seguinte, iniciaram os Ciclos de Conscientização sobre saúde e segurança do produtor e proteção da criança e do adolescente. Já em março de 2011, um acordo semelhante ao de 2008 foi assinado pelo Ministério Público do Trabalho de Brasília, com aplicação em Santa Catarina e no Paraná, encerrando as ações civis públicas.
As indústrias passaram a exigir atestado de matrícula e comprovante de frequência escolar das crianças e dos adolescentes que vivem em propriedades dos produtores integrados. Além disso, seminários de conscientização e campanhas publicitárias reforçaram a conscientização sobre o tema nos três estados da região Sul.
Dois anos após a assinatura do termo de compromisso, o Censo de 2010 apontou uma redução no trabalho infantil de 58% na cadeia produtiva do tabaco na comparação com os dados do Censo de 2000. O resultado torna-se mais expressivo quando comparado ao de outras culturas agrícolas e à média nacional de redução de 10% no trabalho infantil durante o período.
— Temos a clareza de que o trabalho infantil é um tema complexo, no meio urbano e rural, e não é exclusividade do setor de tabaco. Entre os desafios relativos ao tema na zona rural, especialmente na agricultura familiar, está a questão cultural. Nesses anos realizando os seminários, percebemos uma grande ansiedade por parte dos produtores sobre o que fazer com os filhos que concluíam o Ensino Fundamental — contextualiza o presidente do SindiTabaco, Iro Schünke.
Lançamento do Programa Crescer Legal
Outro marco na luta contra o trabalho infantil foi o lançamento do Programa Crescer Legal, que ampliou o foco do público infantil para o adolescente. O projeto chegou para substituir o até então "O Futuro é Agora!", adequando-se ao decreto 6481 de 2008 que proíbe o trabalho na agricultura até os 18 anos.
A partir do Programa Crescer Legal, houve uma ampliação na proposta de trabalho em conjunto com as prefeituras e redes de educação para a proteção da infância e adolescência.
— Proteger a infância e criar oportunidades à juventude rural é um dos pilares do trabalho do SindiTabaco junto às empresas associadas. É um trabalho de conscientização de muitos anos e que culminou na iniciativa de fundação do Instituto Crescer Legal — destaca o presidente do SindiTabaco.
O Instituto Crescer Legal, mencionado por Schünke, nasceu em 2015 com o foco em oportunizar alternativas de desenvolvimento para os adolescentes como forma de combate ao trabalho infantil e fortalecimento do empreendedorismo e gestão rural. Em 2020, completou cinco anos de atividades, tendo beneficiado quase 500 jovens rurais em diferentes ações.
O presidente da Afubra, associação que também participa do Instituto Crescer Legal, comenta as ações voltadas aos jovens do campo.
— A importância da criança e do jovem estudar e se preparar para a vida, como cidadão, é imensurável. É importante que eles vão à escola e se preparem, também, para a sucessão e para permanecer no campo — aponta.