É consenso entre profissionais da saúde que ser infeliz sexualmente pode comprometer outros âmbitos da vida. Essa máxima vem ao encontro de dados preocupantes: segundo o Estudo Mosaico Brasil, realizado em 2008 em 10 capitais, 48% das brasileiras apresentam alguma queixa sexual. Cerca de 34% têm na falta de orgasmo um problema frequente, sendo que algumas delas passarão a vida sem experimentar esta sensação.
Na série de reportagens que aborda questões femininas a partir da história de uma mulher, a revista Donna conversou com uma gaúcha de 37 anos (ela optou por não se identificar) que enfrentou a falta de libido ao longo de mais de mais de uma década. Despertou para o problema já casada, com uma filha. Não foi tarde para se descobrir dona do seu desejo.
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“Quem nos olhava de longe não percebia nada de errado. Sempre tive uma estrutura corporal grande. Passaria tranquilamente por uma adolescente de 17 anos, por exemplo. Eu também me achava mais adulta do que era: não tinha muitos amigos da minha idade, convivia entre adultos. Minha irmã também namorava desde cedo. Por isso, eu também achava normal começar a namorar aos 13 anos um cara de 21.
Sou de origem alemã de pai e de mãe, então já venho de uma cultura um pouco mais fria, de algumas restrições. É engraçado pensar sobre isso hoje. Minha mãe não via nada de errado em eu ter um relacionamento sendo praticamente uma menina, desde que ela estivesse no controle. Ela gostava do meu namorado, confiava nele, e preferia que eu namorasse do que estivesse por aí fazendo festa, conhecendo pessoas, experimentando.
Percebi bem isso quando eu tinha uns 15, 16 anos, e terminamos por um tempo. Minha mãe não me deixou mais sair de casa e não descansou enquanto nós não voltamos. Já meu pai nunca deu opinião. Era uma pessoa fechada. Nunca soube o que ele pensava disso tudo.
No início, ela fechou os olhos, mas tanto sabia que estávamos fazendo sexo que um belo dia marcou consulta e me levou a um ginecologista. Comecei a tomar anticoncepcionais, aquela coisa toda. Hoje, sei que não estava preparada. Só muito tempo depois fui me dar conta de que eu não tinha maturidade ainda para aquilo que fiz bem antes das minhas colegas de escola.
Eu não gostava de sexo. Mas essa também é uma percepção de agora. Se tu me perguntasse naquele tempo, acho que eu diria que para mim estava bom. Só que eu não tinha comparações. Eu achava que sexo era aquilo. E foi assim por mais de 10 anos. Me acostumei. Casamos quando eu tinha 22 anos. Tudo muito planejado.
É natural tu não se esforçares para algo de que tu não gostas, entende?
Percebi que havia algo de errado quando engravidei, aos 26 anos. Com dois meses de gestação, o sexo, que já era pouco, parou de acontecer completamente. Aí tu vais me dizer: “Ah, é que as mudanças no corpo da mulher…”. Não, pelo contrário. Eu me preparei para engravidar, emagreci antes da gestação. Estava no melhor da minha forma física. E ele… nada.
A bebê nasceu. Tem aquele mês em que não pode. Aí veio o segundo mês e nada. Aí não era que eu quisesse desesperadamente, mas sabia que era anormal ele não querer. Claro que havia algo de errado. Ele tinha um outro relacionamento. Aí tudo fez sentido.
Acho que ele me contou para ver se eu tomava uma decisão por ele. Se eu quisesse me separar com uma bebê de colo, a decisão teria sido minha.
Foi quando li um livro chamado Seduzir É (da escritora Janaína Persch Barsazcz). No verso, havia um telefone. Liguei e por acaso havia um curso disponível na minha cidade. Comuniquei ao marido que ele tomaria conta da nossa filha naquelas duas noites do curso e fui. Chegando lá, desatei a falar de uma maneira… Nunca tinha falado sobre esse tipo de assunto nem com irmã, nem com amiga, nem com ninguém.
Com o curso e com alguns outros depoimentos, fui aprendendo sobre a questão da autoestima. Que mais importante do que ter peito assim, bunda assado, do que gordurinha, é se sentir bem no seu corpo e aprender a gostar de sexo. Orgasmo, por exemplo, eu só fui aprender o que era depois desse período de descobertas.
Não sei apontar o dia em que aconteceu pela primeira vez. O que posso dizer com certeza absoluta é que antes (10 anos de namoro e mais quatro de casamento) nunca havia acontecido.
Aí fui do oito ao 80. Lembro de ter pego o meu marido pela mão, ele todo bicho do mato, e ter ido escolher um vibrador. Cheguei a abrir uma sex shop, que já fechou. Hoje, entendo que foi um expurgo. Uma forma de exorcizar aquele problema e de ouvir de outras pessoas depoimentos semelhantes ao meu. Aí, eu as aconselhava: “Olha, não adianta lingerie e gelzinho se tu não abrires a tua cabeça antes”.
Quanto ao meu casamento, evidentemente que melhorou sexualmente. Mas sempre é diferente de algo que começa com paixão, né? Por outros tantos motivos, acabamos nos separando depois que entrei na faixa dos 30. Em uma das idas e vindas, pouco antes de me separar de vez, conheci um amigo de um casal vizinho. Era um chá de lingerie, eu com o casamento em crise e sem clima algum para aquilo, e ele veio falar comigo. No dia seguinte, rolou um convite para passar um dia em Dois Irmãos e – surpresa! – acabamos transando. Só ali eu descobri que havia outras coisas para fazer na cama (risos).
Esse cara foi importante para eu aprender a curtir o sexo separadamente de um relacionamento. E foi um aprendizado que eu levei para a minha vida de nova solteira, depois disso. Quase namorei um cara que era meio ninfomaníaco. Foi bom, mas três vezes por dia também dá uma canseira (risos).
Conheci pessoas muito legais, mas com quem eu não me via namorando porque não nos dávamos bem na cama. Pode parecer banal para a maioria das pessoas isso, mas para mim era uma grande descoberta.
Hoje, tenho 37 anos e estou com um homem 20 anos mais velho, mas o sexo é ótimo porque a cabeça dele é mais nova do que a minha. Ele, inclusive, me puxa a orelha quando eu lido com a minha filha pré-adolescente como se fosse a minha mãe: “Se tu fazes cara feia quando ela te conta algo, ela vai parar de contar”.
Outro dia, ele foi buscá-la e mais as amigas em uma baladinha, dessas das 20h à meia-noite, e entraram as cinco fofocando no banco de trás. Ele largou: “E aí, quem ficou com quem?”. Elas paralisaram com os olhões arregalados (risos).
Hoje, minha filha tem praticamente a idade que eu tinha quando comecei a namorar, e me parece absurda a ideia de vê-la transando com um rapaz de 21 anos. Como minha mãe ainda mora um pouco em mim, trabalho na cabeça essa ideia de ela começar a dar uns beijos e uns amassos por aí. Tudo a seu tempo. Espero estar aberta para conversar com ela sobre sexo antes de ela passar por algo que é tão maravilhoso, mas que infelizmente eu experimentei antes de ter maturidade para gostar desde o início.”
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