Sob uma luz baixa e rosada, uma mulher caminha ao redor da cadeira preta acolchoada, enquanto encara seu reflexo no espelho. Seus movimentos criam uma dança onde toca suavemente seus braços, pernas e cabelos, para então se conectar à cadeira com acrobacias mais desafiadoras, pés para o alto, cabeça para baixo.
E, por mais que um eventual espectador possa se impressionar com o poder e a sensualidade que irradiam da bailarina, essa performance é para ela. Foi pensada para satisfazer a si mesma em primeiro lugar.
No acender das luzes, essa aluna de chair dance chama-se Daniele Lindern, tem 34 anos e várias outras facetas. É uma pessoa tímida e focada em estudar.
É também uma terapeuta, mestre e doutora em Psicologia que entrou na dança buscando uma atividade fluida e libertadora para contrabalancear a rigidez da vida profissional.
Há três anos, desenvolve ferramentas que fazem a vida fora do estúdio funcionar melhor:
— Sempre fui muito dura, mas a dança me trouxe leveza e trabalhou elementos da feminilidade que não conseguia abraçar em um mundo acadêmico que é muito masculino. Me apaixonei pela dança e por mim nesse processo, que é transformador. Estou mais segura com minha imagem, com a forma como me coloco e com a questão da sensualidade. Hoje, quando olho meus vídeos dançando, penso: “Nossa, até que está legal! Que gata!”. Sou várias coisas e sou isso também, esse corpo que fala — relata.
Assim como a psicóloga, outras mulheres têm aderido às danças sensuais como forma de expressão, exercício físico e, principalmente, como um meio de resgatar a autoestima e descobrir o seu jeito único de ser sensual. E engana-se quem pensa que o foco é o espectador.
As seis alunas e professoras de dança que toparam conversar com Donna sobre pole dance, hip hop femme e chair dance garantem que, entre uma coreografia e outra, acabam desencadeando um processo de autoconhecimento que beneficia muito mais a elas do que a terceiros.
A bailarina e coreógrafa Letícia Paranhos é professora de chair dance no Espaço N, em Porto Alegre, e comemora o interesse das mulheres na modalidade.
— É preciso trabalhar essa sensualidade que andou ficando presa, e não é para o outro, mas para a gente. Vamos ouvir o corpo, entender o que estamos sentindo, liberar amarras, para ficar mais confiantes lá fora. Todas as modalidades sensuais estão ganhando espaço e assim, aos poucos, a sociedade vai achando equilíbrio, julgando menos, e as mulheres ficam mais livres — defende Letícia.
Ponto de partida
Na TV, nas redes sociais e no círculo de amigas, não é raro deparar com praticantes de stiletto, chair e pole dance, e outras modalidades. A sensação de que este nicho tem conquistado mais adeptas nas últimas décadas tem um porquê, diz a licenciada em dança Kynaê Primon Narciso, pesquisadora da temática da sensualidade na dança.
Você se lembra de Alzira, a dançarina de pole dance interpretada por Flávia Alessandra na novela Duas Caras, em 2007? Ou então recorda Britney Spears e sua performance de chair no clipe de Stronger, em 2000?
Ou, mais recentemente, quem sabe, viu o número de pole da cantora Luísa Sonza? A presença das danças sensuais nas expressões contemporâneas ajuda a popularizá-las e convida mais gente a praticar modalidades que têm raízes nos cabarés da Europa, e também no burlesco.
— O cabaré hoje é entendido como uma linguagem, mas começou como um lugar onde artistas expressavam suas criações e que abriu espaço para o burlesco, onde mulheres e corpos transgressores traziam assuntos difíceis e reflexões sobre a sociedade. “Tiro a roupa, brinco com isso para chamar a sua atenção e assim falo de temas pesados, como a participação do feminino na sociedade, o feminicídio, a pobreza”. A arte burlesca, assim como o pole dance mesmo, é algo que burla, critica e hipnotiza enquanto emancipa quem a pratica — diz Kynaê.
Um tempero no hip hop
Se enxergar como um ser atraente pode ser uma dificuldade em algumas fases da vida. Para a fisioterapeuta e educadora física Mayra Casanova, 42 anos, foi a maternidade – de uma menina, sete, e um menino, dois – que impôs desafios, neste sentido. Principalmente, após o nascimento do mais novo, ela relata ter se sentido desconectada de si:
— A gente começa a se podar. “Não fica bem uma mãe fazendo tal coisa”. Dane-se! Minhas amigas me conheceram espalhafatosa, aquela que dança axé loucamente. Sou assim e nunca tive vergonha. Passei a ter agora, por quê?
Para tentar conciliar as personas mãe e mulher, ela se jogou em uma dança que também é agregadora: o hip hop femme, que coloca pitadas de sensualidade e feminilidade aos movimentos da dança urbana.
— Essa modalidade traz as bases do hip hop, onde trabalhamos muito a flexão de joelhos, o balanço com um toque de feminilidade, que é onde entram as ondulações corporais, jogadas de cabeça e de quadril. Traz sensualidade no rosto e no corpo — afirma Carol Fossá, coreógrafa e professora de hip hop femme da escola Donz, na Capital.
Vendo Mayra dançar, ninguém diria que o espelho ainda é um desafio para ela:
— Quando cheguei, encarava o chão ou a professora, mas ela me chama: “Olha para cima, para frente, vem!”. Isso está me ajudando nessa busca por me olhar de novo. Sou uma mulher, esse corpo é meu e sou sensual, então vamos buscar isso.
Sensualidade de dentro para fora
É possível pensar a sensualidade na dança de duas maneiras, explica a pesquisadora Kynaê Narciso: performada ou experienciada. A primeira seria uma abordagem onde entram características pré-concebidas do que é sensual – lingerie, salto, cinta-liga. Já a segunda, é um processo mais íntimo e interno:
— Experienciar é o que faz a diferença e está mais ligado à forma como a pessoa percebe a si e interpreta estímulos externos e internos. Não é acessada de fora para dentro, mas de dentro para fora.
Na escola Lusty, em Porto Alegre, conversando com a advogada e educadora física de 51 anos Patrícia Diogo Cavalheiro, dá para perceber que o seu jeito de vivenciar o pole dance faz uma união harmônica de performance e experiência. Ela conta que se matriculou porque planejava fazer um espetáculo para o namorado, à época, mas ele não chegou a receber o presente, já que a relação logo terminou. Por outro lado, seu relacionamento com o pole se fortaleceu e já dura cinco anos.
Entre barras e travas, Patrícia se deu conta de que dá para turbinar os músculos e levar a autoestima às alturas. Ela curte se filmar, fotografar e compartilhar nas redes sociais.
— Para trabalhar com o corpo, tem que se aceitar e isso me fez sentir superempoderada. Se tenho uma celulite, não estou nem aí! Estou me achando e postando nas redes: “Ó, faço pole, estou podendo!” — brinca.
Modalidades enfrentam estigma
Na contramão de mostrar a dança para quem quiser ver, Mayra e Daniele são mais discretas. A praticante de hip hop femme ainda não mostrou para familiares e amigos o que aprendeu nos últimos meses – planeja guardar isso para a apresentação de fim de ano.
A aluna de chair dance também não costuma falar da técnica:
— Com exceção do meu parceiro, que admira e acha massa, a gente não fala muito sobre isso no meu entorno, mas há respeito. Acho que ainda há muito daquela visão masculina de mundo, de que você é um objeto que está fazendo algo para mostrar o corpo. Mas sei que não é sobre isso, então, tudo certo.
Elas defendem que ainda há preconceito e falta de compreensão sobre os benefícios da dança. Mesmo os familiares da proprietária da Lusty Pole Dance, Renata Mateus, que sempre a apoiaram, levaram anos para conseguir dizer que ela faz pole dance e não “dança moderna”.
— O Rio Grande do Sul ainda é machista e tem muitas barreiras para quebrar, portanto, uma mulher vir para esse espaço, colocar pouca roupa e dançar, é algo mal visto. Muitas vezes, tem gente que quer fazer, mas pensa: “Que absurdo. O que é que vão pensar?”. Na realidade, cada uma tem seu conceito de sensualidade e o pole é democrático, é um abraço que acolhe a fazer do seu jeito — afirma Renata.