Nas suas constantes andanças pelo Rio Grande do Sul, a artesã e produtora de conteúdo Lu Gastal faz de cada paradinha para tomar café um momento de conexão e partilha de experiência entre costureiras, tricoteiras, ceramistas e quem mais estiver criando algo com as mãos.
Uma senhora que por acaso esteja nesse paradouro, trabalhando sobre um tear, pode acabar se tornando parte da rede de artesãs empreendedoras que Lu fomenta, mulheres atentas às possibilidades de produzir melhor e de se conectar com lojistas e com o público. O norte da jornada de Lu é defender o fazer manual e evidenciar a potência e a qualidade do artesanato, ramo em que as mulheres dominam no Estado.
– O meu ateliê anda dentro da minha mala. Quando a abro, é meu mundo que está ali e com ele posso capacitar outras pessoas e fazê-las refletirem sobre o poder que elas têm em suas mãos, que é ilimitado. Nós temos uma mão de obra riquíssima em que a mulher tem um protagonismo muito forte, justamente porque, ao meu ver, ela é criativa, paciente e resiliente. Se algo não deu certo, vai lá, refaz, faz de novo se precisar – afirma Lu.
Informações da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS) ajudam a demonstrar o peso da produção feminina no artesanato do RS: de acordo com dados compartilhados pelo Programa Gaúcho de Artesanato (PGA), dos 96,5 mil artesãos inscritos no Cadastro Geral de Artesãos do RS até agosto deste ano, 75,4 mil são mulheres, o que equivale a 78% do total. E trata-se de um ramo que permite empreender em várias escalas, seja consolidando uma marca e fazendo produtos requintados visando expor e vender no Exterior, seja criando peças mais simples, mas que garantam à mulher mais independência financeira, principalmente no caso das mais vulneráveis, conforme explica Lu:
– No caso de mulheres que estão tendo que cuidar de filhos, limpar a casa, ajudar com a lição, cuidar de familiares, de que maneira elas conseguem desenvolver uma renda própria sem sair de casa? Muitas vezes é através do artesanato, que é um elemento forte de transformação. E o RS tem muitas atividades artesanais legais que nascem a partir das matérias-primas presentes em cada local, e isso é de uma riqueza imensa.
No final de semana que engloba o Dia Mundial do Empreendedorismo Feminino, instituído pela ONU como 19 de novembro, Donna reserva um espaço especial para apresentar o trabalho de mulheres e coletivos que tocam negócios no ramo do artesanato e transformam suas realidades através dele. É o caso do Rendeiras, de Pelotas, e do Grupo Canoa, de Canoas, duas associações de mulheres que produzem acessórios femininos com material de reaproveitamento.
Conversamos também com a ceramista Marina Carvalho, que faz cerâmicas artesanais para restaurantes e se dedica a formar outras profissionais em Porto Alegre.
Crescimento em rede
É característico do artesanato que as peças carreguem sinais da sua origem, com matérias-primas e técnicas traduzindo um pouco da identidade de cada região. Um exemplo disso é a produção das Redeiras, grupo de nove artesãs que trabalha na colônia de pescadores Z3 de Pelotas, junto à Lagoa dos Patos. Depois de recolher redes de pesca que já estão esburacadas demais para capturar camarões e linguados, estas mulheres com idades entre 40 e 80 anos se ocupam de transformá-las em bolsas, carteiras, xales, brincos e colares que vão para uma clientela 90% atacadista.
– O relacionamento entre artesãs é excelente. Todas somos comprometidas com o processo e temos a satisfação pessoal de estarmos conquistando reconhecimento nacional. A gente chega nas feiras, e as pessoas dizem “as Redeiras estão aqui”. Nosso produto está no mercado há 12 anos e é muito respeitado – afirma Rosani Schiller, 65, responsável pela parte comercial e de gestão do grupo.
Elas são conhecidas como Redeiras, mas o nome oficial é Associação de Artesãs Redeiras do Extremo Sul, uma iniciativa que começou em 2009 com incentivo do Sebrae e só cresceu desde então, com novos tipos de acessórios entrando no catálogo e mais gente sendo incluída na montagem.
Segundo Rosani, essa ocupação muda não só a vida das artesãs, mas de toda a colônia. O trabalho começa com o recolhimento das redes, depois avança para a lavagem das tramas com água e sabão. É nesta etapa, trabalhosa, que as Redeiras têm orgulho em dizer que envolvem ao menos 15 outras famílias, escaladas como terceirizadas.
— Nós compramos os fios delas, as artesãs recebem em suas casas e cada uma escolhe o que precisa dependendo do que fará, seja tear, crochê etc. Os fios variam de marinho, que é a cor original das redes, e cinza-claro, o tom que aparece conforme vai desbotando com o tempo. Algumas são usadas na cor original, outras são tingidas por nós com tinta de tecido antes de virarem acessórios – afirma Rosani.
Uma nova estrada
Dar um destino glamouroso a um material que seria considerado lixo também é o que faz o Grupo Canoa, coletivo de cerca de 20 mulheres que opera em Canoas desde 2007. Elas utilizam borracha descartada pela indústria da montagem de motores automotivos, tecidos excedentes da indústria têxtil, câmaras de bicicleta e até retalhos de tecido de guarda-chuva para fazer bolsas, colares e outros acessórios que têm ganhado destaque internacional.
O grupo nasceu de uma parceria da Petrobrás com a prefeitura do município, na ideia de reutilizar derivados de petróleo para gerar renda às artesãs e beneficiar o meio ambiente. Hoje em dia, fazem feiras no Brasil, no Exterior, têm grandes clientes lojistas em Porto Alegre e em Estados como São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Espírito Santo.
– Hoje há um olhar muito voltado à questão ambiental e nesse quesito o nosso trabalho chama atenção, é diferenciado. No Exterior eles valorizam muito os produtos que vêm de geração de emprego e que foram feitos pensando em sustentabilidade. Cobramos pelos nosso produto o preço compatível com algo que foi criado por designers, carrega história, é fruto de geração de emprego e renda. Não é só mais um acessório, é um produto com simbologia por trás – afirma Edy Ferreira Ribeiro, costureira e artesã.
O Canoa trabalha de forma híbrida: duas vezes por semana, as mulheres reúnem-se na sede do grupo para trabalharem juntas e, nos demais dias, trabalham de casa.
– Muitas utilizam também como um complemento de renda, de aposentadoria, já que tem sim como ganhar um bom dinheiro com ele. Mas é essencial ter dedicação – pontua Edy.
Argila e missão
A ceramista Marina Carvalho tem 35 anos e comanda a Alma Objetos Cerâmicos, um estúdio de produção de louças artesanais para restaurantes e pessoa física e também uma escola de cerâmica em Porto Alegre – são dois estabelecimentos diferentes na mesma Rua Dona Eugênia. Após anos trabalhando na indústria da moda, Mari decidiu que queria empreender em algo que fizesse mais sentido na sua vida e partiu a fazer cursos de cerâmica no Brasil e no Exterior.
Se apaixonou pelo metiê e logo montou uma empresa em que tudo é feito à mão, em um processo artesanal focado no desenvolvimento de utilitários de cozinha como pratos, bowls, canecas e tudo o mais que envolve esse universo. A clientela é composta principalmente por restaurantes da Capital, serra gaúcha, Santa Catarina e São Paulo.
Com quase sete anos, a Alma é fonte de realização financeira para Mari, que coordena uma equipe oficial de seis mulheres – contratar somente elas é uma regra sua – e mais alguns professores prestadores de serviço.
– Já são 10 marcas de cerâmica artesanal que nasceram da escola, com alunas minhas. É algo de que tenho muito orgulho. Espero de coração fazer parte da jornada delas dentro da cerâmica e é um prazer recebê-las como colegas de profissão – afirma Mari.