Todos os anos, estilistas, designers, acadêmicos e amantes de uma moda sustentável e preocupada com as pessoas buscam novas formas de realizar a semana Fashion Revolution, evento que debate, em 2022, o tema Dinheiro, Moda e Poder. O movimento tem escala global e é uma oportunidade para refletir acerca de sustentabilidade na indústria da moda, consumo e produção responsável, condições de trabalho de quem produz as nossas roupas e diversas outras faces do universo fashion.
A iniciativa ocorre sempre neste mês, em alusão à tragédia ocorrida em 24 de abril de 2013, com o desabamento do Rana Plaza, em Bangladesh, complexo têxtil que abrigava confecções que produziam para marcas do mundo inteiro.
— A tragédia tirou a vida de 1.133 pessoas, a maioria mulheres, que são a base da cadeia produtiva da moda. Deixou também mais de 2,5 mil pessoas gravemente feridas, muitas com membros amputados e incapacitadas de trabalhar. A partir daí, surgiu na Inglaterra um movimento que prega uma indústria da moda que olhe não apenas para questões ambientais e econômicas, mas também para os direitos dos trabalhadores e suas condições de trabalho — explica a designer de moda Madeleine Muller, professora da ESPM e responsável pelo Fashion Revolution na universidade.
A unidade porto-alegrense da instituição participou da mobilização deste ano promovendo conversas sobre a concentração de poder na mão de poucos e sobre a invisibilidade dos povos indígenas na indústria da moda, onde há margem para seus saberes e trabalho serem melhor valorizados e remunerados. Na última terça-feira, entre os convidados da roda de conversa sobre Moda e Ancestralidade Indígena, estavam o cacique Santiago Franco, da aldeia Ivy Poty, de Barra do Ribeiro-RS, e o designer Tiago Braga, que comanda o ateliê nômade OIAMO, onde são produzidos artigos de decoração — tapeçarias, almofadas etc — em parceria com povos originários, descendentes de imigrantes e membros de ocupações e de vilas de pescadores.
— Os designers que participaram da conversa enxergaram uma riqueza cultural absurda que pode ser revertida em prol do mercado e, nesse caso, dos próprios indígenas, que acabam lucrando com seus conhecimentos também. Aliar design à cultura e trabalhos manuais é um ganha-ganha. É possível fazer economia colaborativa e assim incentivar a indústria caminhar de mãos dadas com pessoas que até então eram invisibilizadas pela moda — diz Madeleine.
Fazer à mão
Um dos trabalhos mais recentes do designer Tiago Braga é junto de indígenas Mbya-Guarani, da aldeia Kaaguymirim no Sítio São José, região que faz parte de Viamão. Lá vivem cerca de 50 famílias cuja principal fonte de renda é o artesanato, mas o relato é de que muitos indivíduos estão desestimulados pela falta de interesse da sociedade em seus artesanatos — eles produzem principalmente cestas tecidas à mão com fibras naturais, como palha — e por isso abandonam a produção para dedicar-se a outras atividades comerciais, muitas vezes vendendo itens de produção em massa vindos da China. A cestaria, porém, envolve toda uma sabedoria ancestral que consiste em colher o material na lua certa, descascá-lo e deixá-lo de molho, para só então começar o trançado, um processo trabalhoso.
— Desde 1980, quando as fibras sintéticas entraram com tudo no mercado, o fazer manual com fibras naturais foi se perdendo, ficando num lugar de menos valor. A minha função tem sido de resgate, mostrar que isso é um valor, que traz identidade e perpetua uma cultura e as nossas origens. E agora está, sim, existindo um movimento de olhar mais para esses trançados na moda, valorizar a produção que temos perto de nós e não as referências de fora. As tendências estão aqui — pontua.
Ao mesmo tempo em que Tiago visita e aprende sobre materiais naturais e técnicas milenares com diferentes povos — que são remunerados ao integrarem a produção de peças para o ateliê nômade, também com partilha um olhar de design, com dicas para qualificar o produto nos tempos atuais de forma que seja mais viável a continuidade da produção.
— Além de gerar renda, pois as coleções são desenvolvidas com eles, há um trabalho de resgate, pois muitos que já estavam parando de produzir acabam se reconectando. E faço algumas intervenções de design também. Vi, por exemplo, que estavam usando uma corda de plástico no acabamento da cestaria, pois estava faltando um material natural. Compartilhei com eles que isso desvaloriza trabalho, que precisariam encontrar uma alternativa em fibra natural. Agora deixaram de usar plástico. É essa troca que acaba acontecendo — afirma o designer.
Outras iniciativas
- Além da ESPM, outras instituições também embarcam nas ações da Fashion Revolution nesta semana. Nesta quarta-feira (20) o Fashion Revolution POA e o Comitê Racial Fashion Revolution fazem um evento transmitido pelo Youtube, às 20h, em que debatem a relação entre moda, dinheiro e poder, e refletem sobre formas de garantir condições éticas e justas para as pessoas que trabalham com cultura e expressão artística no Brasil. A conversa será com a designer de moda Nathalia de Mattos, que trabalha com foco em sustentabilidade e moda afro-brasileira; Desiree do Vale, graduada em Moda pela Unisinos e criadora da Agência de Black Barbie Agency; Vitória Behs, primeira PCD formada em Design de Moda pelo Senac/RS e criadora da hashtag #MuletinhasPoderosas e Valeria Barcellos, multiartista, palestrante e integrante do Conselho Curador do Museu de Arte Contemporânea do RSl.
- Já a programação da Faculdade de Comunicação Social, Artes e Design da PUCRS (Famecos) começou no dia 18, com bate-papo online com Paula Puhl e Pedro Menine. Nesta quarta-feira (2), é a vez da conversa sobre design de superfície com Carolina Sabo e, na sexta-feira (22), sobre design de collabs com Camila Falcone. Os eventos são transmitidos pelo perfil no Instagram @eusoufamecos.
- A programação de eventos em municípios do RS, como Taquara, Viamão e Novo Hamburgo, pode ser conferida na página oficial do movimento no país: semanafashionrevolution.com.br