A poesia do gaúcho Allan Dias Castro se encontra com as mensagens da Monja Coen no recém-lançado livro A Monja e o Poeta (Editora Sextante), escrito a quatro mãos. O autor aceitou o convite de Donna e entrevistou sua parceira nesta obra.
No bate-papo a seguir, confira reflexões sobre felicidade, espiritualidade, vida e morte, impermanência e os efeitos da pandemia na existência humana.
Allan: Em um período em que o foco tem sido, compreensivelmente, as perdas e dores de uma pandemia, como conseguiremos voltar a ver no horizonte a possibilidade de sermos felizes, sem que isso soe ilusório?
Monja: A Coragem da Esperança é um dos livros do professor Leandro Karnal, lançado neste ano. Que título excelente. É preciso coragem para esperançar, para fazer acontecer, para ser um elemento de transformação da realidade. E somos, todos nós, elementos de transformação. O que você tem feito para ser feliz? Felicidade tem a ver com descarga de ocitocina, tem a ver com fazer o bem, cuidar, doar. Felicidade tem a ver com sabedoria, compaixão e gratidão. Você já agradeceu hoje por existir e pelo mundo ser como é, dando oportunidade a você para agir e fazer o bem ao maior número de seres?
Allan: A arte pode ser um caminho para a felicidade? Onde o zen-budismo e a poesia se encontram?
Monja: Há muitos poemas e grandes poetas zen-budistas. Do zen surgiu o haikai, uma forma simples de descrever a realidade. Sem exageros, sem muitos rodeios, mas apresentando o que é, assim como é. Zen e poesia são inseparáveis, pois ambos surgem de um olhar profundo para a realidade e uma compreensão sóbria e simples do que é. Ambos podem nos elevar a outros planos de consciência de forma a apreciarmos mais o dia a dia.
Allan: A minha maior vontade é trocar o “calma, vai passar”, por “calma, estou passando aí”. Enquanto isso não é totalmente possível, a senhora acredita no poder de um livro para aliviar a vontade daquele abraço depois do medo?
Monja: É isso. Calma. A pandemia nos atravessa enquanto nós a atravessamos. Podemos atravessar com arte, beleza, leveza, ternura. Ou reclamando, brigando. A escolha é de cada um de nós. No livro, sugerimos olhares, percepções, capacidades humanas de leveza e alegria, de profundidade e sutileza, mesmo nas dificuldades e sofrimentos de mais de 600 mil mortes, só no Brasil. Que nenhuma morte tenha sido em vão, que possam servir para que não haja mais mortes, mais contaminações, mais sofrimento.
Allan: Atravessamos um período em que muitas certezas desabaram. Será que, na verdade, apenas fomos expostos à nossa total falta de controle perante o futuro?
Monja: Buda disse: “Nada é seguro neste mundo”. A pandemia tornou visível. Transitoriedade, nada fixo, nada permanente e tudo, todos, interligados como uma grande rede.
Allan: A espiritualidade tem sido um caminho muito procurado ultimamente. Qual a diferença entre espiritualidade e religião?
Monja: Espiritualidade é a nossa procura pelo espírito, pela essência. Um professor universitário de Barcelona, chamado Francesc Torralba, escreveu uma tese de que as perguntas existenciais, de quem sou eu, o que é vida e morte, onde está Deus, qual o propósito da vida, desenvolvem a inteligência espiritual. Já grupos religiosos são formados por pessoas que se uniram nesta busca espiritual e criaram regras de convivência, liturgias e práticas específicas.
Allan: Existem sentimentos bons e ruins, ou tudo é questão de como iremos interpretá-los?
Monja: Negar ou ignorar o que quer que seja não leva a uma resposta ou solução. No relativo, o bem e o mal existem. No absoluto, todas as dualidades são transcendidas. Certamente há ações, pensamentos e palavras que são prejudiciais e há as que são benéficas. Entretanto, é preciso cuidado para entender qual é qual e não sermos enganados por nossas próprias mentes.
Allan: Muitas vezes evitamos falar da única certeza nesta vida: a morte. Qual seria uma maneira de suavizarmos a necessidade inevitável de encerrarmos ciclos?
Monja: Vida-morte é de suprema importância. Precisamos investigar, questionar, esclarecer e autenticar o que é vida e o que é morte e perceber como estão entrelaçadas e são inseparáveis. Assim como o dia e a noite. O dia não se transforma em noite. A noite não se transforma em dia. A noite é um período em si mesma com começo, meio e fim. O dia é um período em si mesmo com começo, meio e fim. Podemos e devemos celebrar cada ciclo. Cada amanhecer, cada anoitecer. Tudo deve ser celebrado, compreendido e respeitado. O nascer, o viver, o envelhecer, o morrer.
Allan: Agradeço toda a sua a sabedoria compartilhada e a companhia durante o processo de escrita do livro. Agora, peço que deixe aqui a passagem de A Monja e o Poeta que mais lhe marcou.
Monja: Allan, fizemos juntos uma jornada livre e leve, profunda e sutil, pelos sentimentos, emoções, filosofias e libertações. Será que há um trecho do livro melhor do que outro? Cada um é precioso assim como é. Vou destacar um trecho de abertura de um poema seu:
“Eu quero trocar a ansiedade de tentar viver cada dia como se fosse o último pela tranquilidade de viver só por hoje”.
- A Monja e o Poeta, de Allan Dias Castro e Monja Coen
- Editora Sextante
- 192 páginas
- R$ 39,90