Dentro do carro, numa brecha na agenda lotada de entrevistas com emissoras norte-americanas e latinas, a vice-Miss Universo 2020, Julia Gama, atendeu a reportagem da Revista Donna por telefone.
— Hola? Quer dizer, olá — disse a gaúcha, confundindo os idiomas e dando risada.
Quem acompanhou a trajetória dela no concurso internacional de beleza — e nas redes sociais — sabe que Julia emenda português, inglês, espanhol e até mandarim com habilidade. Por isso, não é incomum essa confusão de palavras no seu dia a dia. Ainda mais depois da noite de euforia que a Miss Brasil viveu no palco do Seminole Hard Rock Hotel & Casino em Hollywood, na Flórida, nos Estados Unidos. No domingo (16), ela repetiu o feito de Natália Guimarães, em 2007, e alcançou a segundo lugar no Miss Universo — quem levou a coroa foi a mexicana Andrea Meza. Julia confessa que a ficha ainda não caiu:
— Não consegui ter noção ainda. Só vendo a emoção das pessoas agora que estou entendendo. É algo muito maravilhoso, já tem muitas oportunidades surgindo, estou em choque.
Leia a seguir o bate-papo completo com a vice-Miss Universo 2020:
Como foi a experiência no palco do Miss Universo? Ficou feliz com sua performance?
Estou muito feliz, queria levar o nome do Brasil lá em cima, estou muito orgulhosa. Eu me preparei muito e me sentia preparada para ser a Miss Universo, assim como outras meninas também. Tinha muita confiança que chegaria no momento de responder às perguntas, o momento que eu mais queria, pegaria o microfone e deixaria minha mensagem. Claro, quando demoraram para me chamar no top 10, me chamaram por último, foi quase infarto. Eu só pensava: por que me coloco nessas situações, meu Deus, que adrenalina (risos). Fiquei satisfeita com a mensagem que deixei. Quando terminei de responder, a sensação era de dever cumprido, de entregar tudo para que o melhor acontecesse. Foi uma honra ficar com a México, que é uma mulher incrível, convivemos no confinamento e ela é extraordinária. Estar no top 2, saber que estive ali com o nome do Brasil, vai ser a maior honra da minha vida. Ter levado o Brasil no meu peito para o mundo inteiro. E o resultado é isso mesmo, confio nos caminhos de Deus, Ele que me trouxe até aqui. Ontem, fui dormir ainda um pouco em choque, sem saber o que estava sentindo, era tudo ao mesmo tempo. É chocante estar naquele lugar, receber o carinho das pessoas. Acordei com a sensação de dever cumprido, de orgulho pela minha caminhada, de felicidade por fazer o nome do Brasil ser falado no mundo inteiro de novo. E estou feliz porque já começaram a surgir novas oportunidades. De manhã, já recebi convite para morar em NY, saí da entrevista de uma TV em Miami com outras possibilidades. Quero aproveitar ao máximo.
O júri é humano, é muito subjetivo, nem sempre o público entende, por isso eu quis me posicionar. Porque a gente não tem como entender, mas, ao mesmo tempo, estou feliz com o resultado e a minha colocação.
JULIA GAMA
Vice-Miss Universo 2020
Ficou na expectativa sobre o que os brasileiros tinham achado da sua performance?
Sinceramente, não sei se é porque sou muito positiva, mas sempre recebi muito apoio e tinha certeza de que o feedback seria positivo. Um dos momentos mais tensos é falar na final, estamos tão nervosas que pode sair uma besteira. Mas eu fiquei satisfeita com a minha resposta. Então, sabia que o feedback seria lindo porque o público sempre foi muito carinhoso comigo. Foi exatamente como eu esperava, mas numa proporção muito maior do que eu podia imaginar. Foi incrível ver o Brasil inteiro comentando sobre isso, acho que essa dimensão eu não tinha, sabe? Assim que saí do palco, estava louca para gravar Stories, só que as nossas coisas ficam no camarim, e acabei demorando para chegar, voltar para o hotel, daí demorou muito. Só falei com a minha família tarde da noite também. A emoção é muito grande, é incrível ver essa torcida e as pessoas curtindo o título comigo.
Antes da final, as misses ficaram confinadas por 10 dias para provas preliminares e dinâmicas juntas. Como foi esse período?
O confinamento é a parte mais incrível do concurso. Você tem a oportunidade de fazer amizades com mulheres do mundo inteiro, eram 73 mulheres. Compartilhar com elas essa experiência é incrível, sei que fiz amizade com mulheres de todos os lugares, já estou louca para organizar um Carnaval e trazer todas para desfilar (risos). Não sei se foi a pandemia que deu esse tom especial, mas estávamos num clima de amizade e harmonia tão bonito. Tivemos muitos ensaios, é muito intenso, as pessoas não imaginam. Dormíamos três horas por noite, foram 10 dias assim. Não parávamos um segundo de ensaiar, fazer atividades, provas preliminares, entrevistas, fotos. São muitas etapas até a final, e as pessoas nem sempre entendem o resultado, mas tem muita coisa por trás. E o mais bonito são as amizades que ficam para o resto da vida.
Muitos brasileiros não concordaram com o resultado e compararam a sua trajetória com a de Natália Guimarães, que também bateu na trave no Miss Universo em 2007. Foi por isso que você manifestou seu apoio à Andrea Meza nas redes sociais? Para evitar ataques ou o cancelamento da mexicana?
Desde o início eu disse que a minha torcida tinha que me representar. E acredito muito no potencial das pessoas, nunca subestimei nenhuma das mulheres que estavam comigo. Tenho respeito e admiração por elas, todas nos superamos muito, nos dedicamos muito, abrimos mão de muita coisa. É com muito respeito que recebo o resultado. Desejo só o melhor para a Andrea, e desejo que todos tenham esse respeito e admiração por ela. Todas nós merecíamos, cada uma com as suas qualidades. O júri é humano, é muito subjetivo, nem sempre o público entende, por isso quis me posicionar. Porque a gente não tem como entender, mas, ao mesmo tempo, estou feliz com o resultado e a minha colocação. Fiquei muito feliz por ser uma latina, o grupo de latinas estava muito forte. Dizíamos que tinha que ser uma latina para representar todas nós. E temos uma latina incrível. Vi ela depois da final e desejei todo o melhor.
Os especialistas dizem que você inaugurou uma nova era das misses brasileiras, elevando o nível por falar diferentes idiomas, se comunicar muito bem, ter se dedicado com afinco na preparação e também fazer questão de se conectar com o público nas redes sociais. Mesmo não levando o título, vê isso como uma vitória?
Para mim é uma honra porque, de fato, hoje o mundo miss é muito mais do que a beleza estética. Sei que ainda tem muito preconceito de quem não conhece esse mundo, mas, quando você entende o que eles estão buscando, que é uma mulher completa que busca crescer como pessoa e entregar o melhor como ser humano, ser agora uma referência para essas meninas que sonham com isso é uma honra para mim. Quero ajudar todas a conquistar isso. Desde sempre, quando comecei nessa carreira, o que me destacou foi o fato de ser muito estudiosa. De eu entender que todas vão ser bonitas, mas o que vai me sustentar é o conteúdo. Entender que qualquer habilidade ou vivência pode ser usada. É isso que desejo para todas as mulheres, que elas entendam que a beleza é importante, mas é só um pedacinho de tudo o que elas são. E que elas entendam o quanto podem investir nelas mesmas. Quero falar muito sobre o quanto a sociedade cobra que a mulher esteja sempre linda e dentro de alguns padrões. E o quanto as mulheres acabam, além de ter a autoestima prejudicada, investindo muito do tempo e seus recursos na busca incessante por esse estereótipo de beleza. E esse tempo e recursos financeiros poderiam ser investidos também em línguas, cursos, habilidades, hobbies, que fariam elas serem muito mais interessantes e potentes. Então, é tirar das mulheres a ideia de que é uma obrigação sermos lindas. Não. Nossa obrigação é nos desenvolvermos na nossa máxima capacidade, seja no que for. Eu gosto de idiomas, mas têm aquelas que gostam de cantar, fazer outras coisas. O que eu quero estimular na nova geração, não é elas serem iguais a mim, porque cada uma vai ter um talento. De repente a próxima miss não vai falar tantos idiomas, mas vai ter outras habilidades que eu não tenho. O que quero é que elas entendam que são esses talentos que vão trazer o valor para elas, não só a beleza estética. Estou aqui para fazer o mundo miss do Brasil ser cada vez mais próspero.
Falando nas redes sociais, você deu um salto de seguidores. Passou de cerca de 200 mil para mais 400 mil em menos de 24 horas. Seguir como influenciadora está nos planos?
Sabe que é engraçado porque, como eu morei na China por três anos, lá eu tinha o Instagram bloqueado. Eu insistia em postar, mandava para uma amiga postar daqui, mas eu tinha dois, três likes, e um era da minha mãe (risos). Isso há um ano. Agora, ver essa explosão do Instagram, porque eu estava por fora das redes, entender a potência, é muito interessante. O que mais quero, pós-Miss Universo, é deixar a mensagem que quero. Porque, quando estamos indo competir, há muitas limitações do que pode ser dito, como temos que nos adequar a algumas coisas. Agora, sinto que posso ser a Julia inteira nas redes sociais. E a Julia inteira é, sim, aquela que aparece montada de miss, maquiada, linda, mas não é só isso. É a Julia sem maquiagem, que tem seus pensamentos sobre diversos temas, e é isso que quero começar a usar, usar essas plataformas para levantar debates que acho muito importantes. E principalmente nutrir um ambiente saudável nas redes sociais, sou completamente contra a cultura do cancelamento. As redes precisam servir ao propósito de unir as pessoas. Quero unir não só o Brasil, mas os latinos e o mundo.
Quais os seus planos daqui para frente? Quer seguir na carreira de atriz?
Quero tudo ao mesmo tempo (risos). Fico aqui (nos Estados Unidos) até o dia 20 para cumprir uma agenda de entrevistas em televisões de Miami. Meu aniversário é amanhã, vou comemorar com amigos que tenho aqui. No meu futuro quero realmente investir na minha carreira de atriz e usar a visibilidade que tenho agora para apoiar as causas em que acredito, inclusive a luta contra a hanseníase (antigamente conhecida como lepra). Acredito que é possível erradicar no Brasil, e quero usar a minha potência para ajudar nisso. Mas, a atuação é a minha carreira, quero investir não só no mercado brasileiro, mas também americano e latino. Quero atuar em espanhol, é uma das coisas que mais quero fazer. Recebi algumas propostas em Miami, Nova York. Quero aproveitar as oportunidades da melhor maneira possível. E seguir representando o Brasil em tudo o que fizer. É um ciclo que se encerra e muitos outros que se iniciam.
E quando pretende voltar ao Rio Grande do Sul para rever a família?
Ainda não sei quando vou, porque tenho que fazer uma bateria de entrevistas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Tem coisinhas ainda para fazer antes de ir para aí matar a saudade. Mas estou louca para ir para a Sul, comer churrasco, tomar chimarrão, recarregar as energias, ver minha família. Ainda vai demorar um pouquinho.