Nesta terça-feira (3), a revista Harper's Bazaar Brasil, em parceria com a marca de roupas Hering e com a atriz Mariana Ximenes, lançou uma campanha nas redes sociais que propõe a abolição do "tomara que caia", termo que denomina peças de roupa sem alça. "Tomara que caia o sexismo. Vista uma blusa sem alça!", diz a legenda da publicação.
Um dos modelos mais populares entre as mulheres – e que de tempos em tempos encabeça listas de tendências –, o vestido "strapless", ou "sem alças", como é chamado na língua inglesa, surgiu em 1946 como opção de roupa de festa.
Em Portugal, o item ficou conhecido como "caicai", uma referência ao fato de sua estrutura derrapar com facilidade no colo. Quando cruzou o Atlântico, porém, foi rebatizado como um "pedido" às mulheres, um sonoro "tomara que caia".
Como explica o professor de português e colunista de GaúchaZH Claudio Moreno, a origem do termo é popular e carrega a malícia característica dos brasileiros.
Tenho obrigação como ser humano, não só como fashionista (...), de me atualizar em vários sentidos, inclusive extirpando qualquer terminologia que possa representar algo que não gostaria que fosse exaltado.
PATRÍCIA PONTALTI
Jornalista
– Ela só nasce e se perpetua quando está em sintonia com o sentimento popular – afirma.
Na visão da consultora de moda e colunista de Donna Patrícia Pontalti, o nome do decote, que teve origem nos anos 1950, carrega consigo uma conotação machista - e, para ela, não se pode ignorar esse significado:
– Hoje me parece totalmente errôneo. Tenho obrigação como ser humano, não só como fashionista, consultora ou consumidora, de me atualizar em vários sentidos, inclusive extirpando qualquer terminologia que possa representar algo que não gostaria que fosse exaltado. Por exemplo, não gostaria que minha filha achasse que um termo machista é bem-vindo no seu jeito de falar – pontua.
A jornalista endossa a proposta da campanha, que busca deixar de lado o termo tomara que caia:
– Temos a obrigação de rever certas coisas, inclusive isso. A gente tem que achar uma nova terminologia.
Já para a escritora Claudia Tajes, há um certo exagero na proposta de abolir o termo.
– Tomara que caia é um nome bem-humorado, na mesma linha de maiô engana-mamãe e biquíni fio-dental. É moda misturada com malemolência – pondera. – Não me juntaria à patrulha contra o (termo) tomara que caia, acho que a gente tem muita coisa bem mais importante para mudar na nossa luta para escantear de vez o machismo.
Não me juntaria à patrulha contra o (termo) tomara que caia, acho que a gente tem muita coisa bem mais importante para mudar na nossa luta para escantear de vez o machismo.
CLAUDIA TAJES
Escritora
Para a colunista de Donna, deixar de usar termos tão difundidos seria necessário em casos mais extremos como o da regata branca masculina, chamada nos Estados Unidos de "wife beater", ou espancador de esposas, em tradução livre. Um artigo do jornal The New York Times aponta teorias de que o termo pode ter surgido em um episódio de violência doméstica, quando um homem, preso em 1947, em Detroit, fora fotografado com a peça depois de matar a mulher a pancadas.
– Isso sim é inaceitável – pontua Claudia.
E na prática?
Para Cláudio Moreno, simplesmente deixar de usar o termo tomara que caia não trará efeitos práticos imediatos. O professor acredita que a língua está envolta em política, sim, mas isso não significa que ela de fato transforma algo na sociedade.
– O equívoco de certos movimentos modernos é tomar a consequência pela causa, imaginando ingenuamente que podemos mudar a sociedade mudando a língua. É daí que saem esses grupos do "politicamente correto", que criticam e até combatem o emprego de palavras e expressões que consideram "carregadas de preconceito", na vã expectativa de que estes desapareceriam pouco a pouco à medida que aquelas fossem deixadas de usar – pondera.
Fundadora do projeto social Empoderamento da Mulher, Estela Rocha argumenta que a linguagem caminha junto com a cultura, e as duas devem evoluir juntas. O que vale, na opinião dela, é a discussão motivada pela campanha.
– É muito importante essa reflexão que estão trazendo de olhar para termos de uma forma mais crítica e analítica, identificar se são violentos para as mulheres. Eu não sei o quanto disso vai atingir todas as classes ou se manter na bolha burguesa. Mas eu acho muito importante a reflexão sobre. Porque a cultura faz a língua e a língua faz a cultura – pontua. – Se queremos uma cultura menos machista, igualitária, a ideia de rever conceitos e terminologias é extremamente necessária. O que eu pondero é: essas mudanças são efetivas em quais níveis? – questiona.