As mulheres estão exaustas. É bem verdade que, ao final de cada ano, todo mundo está mais cansado do que o normal. Mas quem costuma cuidar dos filhos, lavar a louça, lembrar de passar no supermercado depois do expediente e preparar o jantar tem mais motivos para se queixar.
Mais ainda se essa mesma pessoa – que não por acaso tende a ser uma mulher – também tem de lidar, com frequência, com uma sensação de insegurança no trabalho ou com perguntas indiscretas sobre seu estado civil ou suas escolhas em relação a ter ou não filhos. Com as olheiras e o esmalte das mãos descascado, surge a culpa por não ter dado conta dessa longa lista.
E não tem como dar conta mesmo.
Especialistas ouvidas por Donna são unânimes em dizer que as mulheres tendem a se cobrar excessivamente por não atingirem padrões que – atenção – são inatingíveis, seja o da mãe ideal, o do corpo perfeito ou o da profissional infalível.
Por ser vítima desse esgotamento e ver tantas mulheres na mesma condição a sua volta, Ruth Manus, advogada e professora de Direito, lançou o livro Mulheres Não São Chatas, Mulheres Estão Exaustas. Ruth já foi colunista do Estado de S. Paulo e hoje escreve para o jornal Observador, de Portugal, onde vive. Em sua nova obra, reflete sobre as razões que levam as mulheres à exaustão e nos convida a “abandonar pelo caminho alguns penduricalhos que nunca deveriam ter ido parar em cima da gente”.
Para a escritora, a maioria das mulheres sofre por não corresponder a expectativas de terceiros sobre sonhos que nem sempre são delas. Experimente listar tudo o que a faz sentir em débito consigo e questione se esses “penduricalhos” realmente têm valor para você. Apesar de boa parte de nosso esgotamento estar ligado a cobranças externas, algumas já foram introjetadas por nós.
A boa notícia é que, com algum esforço, é possível deixá-las para trás. A partir das reflexões apresentadas por Ruth em sua obra e de entrevistas com outras profissionais, convidamos você, leitora, a praticar algumas mudanças para começar o novo ano com menos cobrança e sem tanta culpa.
– A mulher tem que se acolher com gentileza e aceitar que ela não vai cumprir tudo o que esperam dela. E não tem que se sentir incompetente ou culpada por isso – afirma Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio.
Em casa
Troque o “eu” pelo “nós”
Deixar para trás crenças ultrapassadas que associam tarefas domésticas a “coisas de mulher” é um processo longo. Mudar a forma como falamos é um bom começo, recomenda a psicóloga Pamela Magalhães. Trocar o “eu” pelo “nós” ao se referir a atividades como lavar a louça ajuda a desconstruir aquela velha ideia que reflete, dentro de casa, uma cultura que faz parecer natural a mulher ser a única responsável pelo lar. Em vez de dizer “Quanta louça tenho que lavar, você me ajuda?”, experimente falar “Quanta louça nós sujamos! Vamos dar um jeito nisso?”.
– O parceiro não está ajudando a mulher, vocês dois se ajudam. Afinal, o lar é dos dois – diz Pamela.
Abra mão do controle
Em seu livro Mulheres Não São Chatas, Mulheres Estão Exaustas, Ruth Manus observa que, na missão de redistribuir os afazeres domésticos para diminuir a sobrecarga da mulher, é fundamental flexibilizar os padrões. Ou seja, aceitar que as roupas não fiquem “tão bem dobradas ou tão bem organizadas quanto as da Marie Kondo”, escreve a autora.
Se as demandas relacionadas à casa são um dos fatores que mais esgotam as mulheres, talvez seja a hora de abrir mão desse controle. Isso não significa aceitar que as tarefas sejam malfeitas, como uma louça ainda suja sobre o escorredor ou uma roupa úmida retirada do varal. Na obra, Ruth sugere deixar claro para o outro – “ainda que o outro seja, eventualmente, um homem adulto” – que aquilo precisa melhorar.
Ela lembra ainda que “falar numa boa, sem briga ou excesso de crítica” costuma ser mais eficaz do que dar “esporro”.
Caso a ideia de ensinar o parceiro a lavar louça soe desgastante para você, pense que dar conta sozinha de uma pia cheia todos os dias pode ser ainda mais cansativo.
Na criação dos filhos
Fale sobre a carga mental
A lógica de que o lar é dos dois vale para o cuidado com os filhos, lembra a psicóloga Pamela Magalhães. É preciso incluir o “nós” nas narrativas relacionadas às crianças. E não se trata só de dividir tarefas como dar banho ou trocar fraldas. Há um peso na gestão da vida dos filhos, assim como na organização do lar, que geralmente recai sobre a mulher. Mesmo que haja uma babá em casa, é a mãe quem costuma gerenciar se é preciso comprar lenços umedecidos, vacinar as crianças ou marcar uma consulta com a pediatra. É fundamental que o parceiro entenda que o peso da carga mental cansa tanto quanto (ou mais) do que executar as tarefas.
Entenda de onde vem a culpa
Sabe quando você, mãe, está no bar com as amigas e, do nada, surge aquele pensamento: “Ai, deveria estar colocando meu filho na cama”? Você acaba não voltando para casa. E, com o dilema na cabeça, tampouco aproveita o happy hour.
A culpa é, nas palavras da psicanalista Diana Corso, “uma forma de se manter conectada a algo que não se consegue romper nem resolver”. Pensar nos filhos quando se está ausente é um jeito de se ligar à imagem da mãe perfeita, que, lembra Diana, “nunca existiu”.
Como a mulher não pode ou mesmo não quer estar todo o tempo dedicada aos filhos, ela fica constantemente pensando neles. E a culpa bate porque mulheres e homens ainda cultivam essa idealização.
Não se desculpe
Se o gatilho para a culpa vem do trabalho, a jornalista Marlene Sanders tem um recado para você. Primeira correspondente na Guerra do Vietnã e mãe de um menino, ela deu o seguinte conselho a uma jovem colega: “Nunca se desculpe por trabalhar. Você gosta do que faz, e gostar do que faz é um grande presente que você dá a sua filha.” A passagem está na obra Para Educar Crianças Feministas, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, citada por Ruth Manus em seu novo livro.
Mais um alento para as mães que trabalham fora: seus filhos são tão felizes como aqueles criados por mulheres que ficam em casa. A conclusão é da pesquisadora Kathleen McGinn, da Harvard Business School, em uma pesquisa publicada em 2018 e para a qual foram entrevistados mais de 100 mil homens e mulheres de 29 países.
No trabalho
Não se cale
Uma mulher ser interrompida por um homem é uma situação tão recorrente que tem até nome: manterrupting (do inglês, “man interrupting” ou “homem interrompendo”).
A prática, como observa Ruth, desencoraja as mulheres a falar em diferentes ocasiões, como reuniões de trabalho.
Para lidar com a situação, a escritora brasileira cita Jessica Benett, autora do livro Clube da Luta Feminista. Entre as sugestões destacadas por Ruth, estão evitar pausas nas falas para não dar espaço para interrupções e chamar a atenção de quem interrompe dizendo “eu ainda não terminei” – o que também podemos fazer quando uma colega é interrompida.
Liste suas conquistas
Outro desgaste comum no trabalho é quando bate a famosa Síndrome da Impostora, aquela crença de não ser inteligente o suficiente nem merecedora do seu sucesso. A sensação atinge mais de 70% dos profissionais bem-sucedidos, a maioria mulheres, de acordo com pesquisa liderada pela psicóloga Gail Matthews, da Universidade Dominicana da Califórnia, nos Estados Unidos.
– As mulheres não são educadas para liderar. Isso resulta em uma falta de autoconfiança e nos faz buscar um padrão de qualificação inatingível – explica a socióloga Carine Roos, sócia da ELAS (Exercendo Liderança com Assertividade e Sabedoria), escola de liderança e desenvolvimento voltada para mulheres.
A instituição oferece um treinamento para superar a Síndrome da Impostora. Uma das dinâmicas aplicadas na turma é pedir às mulheres que listem suas conquistas, como a aprovação em uma universidade pública ou a independência financeira.
– É preciso olhar para a sua história e ver o quanto você cresceu. Ao mesmo tempo, a mulher tem de arriscar mais e entender que vai falhar várias vezes e tudo bem, faz parte da construção da sua carreira – pondera Carine.
Nas relações sociais
Imponha limites
Tal qual barriga de grávida, a vida da mulher é entendida como patrimônio público, compara Ruth Manus. Assim como há quem bote a mão sobre o ventre alheio sem aviso prévio, tem sempre alguém para dar pitaco sobre as escolhas da mulher. Se ela não tem filhos, perguntam se há algo errado.
Se está solteira, dizem que “logo aparecerá alguém”. É como se tais condições não pudessem ser escolhas conscientes da mulher – as quais ela não precisa justificar para ninguém.
Ruth tenta fazer o que sugere a escritora Rebecca Solnit: quando alguém fizer uma pergunta indiscreta, devolva com a seguinte questão: “Por que você está me perguntando isso?”
– Ninguém nos treinou para estabelecer limites nem para dizermos “Peraí, meu estado civil não é debate no almoço do domingo”. (...) Precisamos começar a delimitar até onde as pessoas podem entrar na nossa vida – escreve Ruth.
Seja gentil com outras mulheres
Ter suas escolhas questionadas a todo momento cansa. Mas nós mesmas julgamos umas às outras.
– Corri meus olhos pela moça, de cima a baixo, quase como um aparelho de raios X. Em menos de três segundos eu avaliei a roupa, a bolsa, o corpo, o cabelo, a falta de maquiagem – descreve a escritora sobre um encontro com uma desconhecida em uma biblioteca.
Depois da breve confissão, Ruth afirma, no livro, que precisamos romper esse ciclo, para não sermos julgadas “com a mesma severidade com a qual julgamos”.
A psicóloga Pamela Magalhães concorda:
– Para uma mulher, o trabalho pode ser o mais importante. Para a outra, a maternidade. Também pode ser que, neste momento, ela priorize viajar pelo mundo. Que possamos viver com as diferenças e parar de apontar o dedo para as outras.
Cuide-se
Não se coloque no fim da fila
Ruth alerta para uma confusão comum quando falamos sobre autocuidado: é preciso separar o tempo dedicado a si daquele investido em seus projetos pessoais ou com as pessoas que você ama. Passar um final de semana com o parceiro ou parceira pode ser importante para você, assim como o trabalho ou os estudos podem lhe dar satisfação. Mas, e você, onde está nessa fila? Pare uns minutos e pense se está cuidando de você. Está dormindo bem? Os exames estão em dia? Não é hora de voltar à terapia?
Não se compare
Não é de hoje que existem modelos de beleza muito distantes da vida real. Divas do cinema já eram admiradas – e, muitas vezes, invejadas – pelas mulheres muito antes das musas fitness do Instagram. A diferença, destaca a psicanalista Joana de Vilhena Novaes, é que, no telão, é menos forte a ilusão de realidade. Para a pesquisadora, vale refletir sobre o uso que cada pessoa faz dessas redes:
– Se passo horas olhando perfis de mulheres fitness, é provável que me ache um fracasso no final do dia.
Para Joana, tudo bem ficar um bom tempo do seu dia dentro de uma academia para ter o corpo malhado. Só não se pode esquecer que isso significa deixar de fazer outras coisas. Para tomar essa decisão, afirma a pesquisadora, é preciso descobrir o que tem valor para você.