Nesta reportagem, Donna conta histórias de mulheres que encontraram, na tatuagem, uma forma de contar ao mundo – e eternizar no próprio corpo – um pouco de quem são.
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Impossível descrever Katiúscia Ribeiro hoje sem citar suas tatuagens. O braço esquerdo é completamente desenhado, o antebraço direito tem uma esfinge sobre o mapa africano que cobre toda a extensão interna, e o colo exibe símbolos da filosofia do Antigo Egito.
Dois anos atrás, sua imagem era bem diferente. Era preciso um olhar mais atento para perceber as estrelas no punho esquerdo, primeira tatuagem, feita aos 21 anos e motivada pela curiosidade a respeito do resultado da tinta colorida na pele negra.
Uma mirada a mais era necessária para encontrar um símbolo na panturrilha, desenhado só nove anos depois e que significa a divindade da Mãe Terra. As tatuagens maiores e mais evidentes foram feitas de 2018 para cá.
Comecei a entender meu corpo como um templo, um corpo que gera potência para mim mesma. Passei a respeitá-lo. Vou fazer 40 anos (em outubro), já não tenho mais o corpo de 20. Esse processo foi importante para não sentir mais vergonha
KATIÚSCIA RIBEIRO
Filósofa
Foi no candomblé que a filósofa porto-alegrense despertou para uma nova relação com seu corpo. Aprendeu que, na espiritualidade de matriz africana, as marcas no corpo são muito mais do que ornamentais, contam a história de uma pessoa e de um povo.
Hoje, perto de fazer 40 anos, Katiúscia expressa na pele suas crenças e convicções. O braço esquerdo exibe símbolos da filosofia do Antigo Egito ou filosofia kemética.
Lá, estão as pirâmides e o escaravelho que protege o coração – elemento central na concepção segundo a qual o corpo é um templo sagrado, uma entidade ao mesmo tempo física e espiritual, racional e emocional. Esses conceitos fazem parte da sua tese de doutorado, em andamento na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
– Comecei a entender meu corpo como um templo, um corpo que gera potência para mim mesma. Passei a respeitá-lo. Vou fazer 40 anos (em outubro), já não tenho mais o corpo de 20. Esse processo foi importante para não sentir mais vergonha – conta.
Katiúscia se incomodava ao folhear revistas e ver sempre o mesmo estilo de mulher retratado ali: magras e altas. Com um agravante: nas poucas vezes em que deparava com uma mulher negra, percebia que ela era mostrada de um jeito sexualizado – com roupas curtas e decotadas, ou em poses necessariamente sensuais, por exemplo.
Para a pesquisadora, muitas mulheres negras acabam se escondendo com roupas mais fechadas e compridas para afastar essa ideia – ou, em outros casos, acabam reproduzindo, sem se dar conta, esse estereótipo. Até entender esses comportamentos, Katiúscia era do time que se escondia. Hoje exibe com orgulho, na pele, uma história que é sua e dos seus ancestrais.