Para Tattoo Lucky, o primeiro tatuador profissional de que se tem notícia no Brasil, lá na década de 1960, as mulheres se tatuavam por um simples motivo: vaidade. Desenhista e pintor, esse marujo dinamarquês chegou ao Brasil em 1959 e, em Santos (SP), tatuava basicamente marinheiros, caminhoneiros e prostitutas. Para Silvana Jeha, que acaba de lançar o livro Uma História da Tatuagem no Brasil (editora Veneta), Lucky é o responsável por fazer a passagem da tatuagem como cultura dos trabalhadores e marginalizados para outros nichos da classe média.
Na sua pesquisa, Silvana encontrou outras motivações femininas para marcar a pele. Muitas persistem até hoje, como a fé e o amor, expresso nos nomes dos filhos ou nas iniciais do par romântico.
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Mais de três décadas depois da morte de Tattoo Lucky, um olhar menos acadêmico e que vem do dia a dia dos estúdios aponta um novo fenômeno: a busca por autoestima. Gabriela Alves, tatuadora do thINK artclub, em Porto Alegre, recebe jovens com dúvidas sobre em que região do corpo eternizar o desenho. Quando ela sugere um local e a cliente responde negativamente porque “não gosta daquela parte do corpo”, Gabi as provoca:
– Então é aí que temos que fazer.
Aquelas que embarcam na ideia voltam a procurá-la mais tarde para agradecer. Multiplicam-se os relatos sobre uma mudança na forma como enxergam a própria imagem refletida no espelho – em geral, para melhor. Gabriela, que tatua desde 2015, passou a compartilhar os retornos positivos em suas redes sociais e, desde então, tem notado que mais mulheres chegam ao estúdio à procura de uma nova relação com o próprio corpo.
– Fico muito feliz em colaborar com esse processo de descobrimento de amor-próprio – afirma.
No estúdio Cadê Amélia, feito por e para mulheres exclusivamente, a busca por autoestima se repete. Glaura Inácio Gonçalves, sócia da casa localizada na Capital, compartilha histórias de quem se tatua para encobrir cicatrizes de cirurgias. Lá, tatuadoras realizam a reconstrução da aréola em mulheres mastectomizadas (pacientes que removeram a mama durante o tratamento contra o câncer).
Hoje, com algum dinheiro, você pode esculpir seu corpo do jeito que quiser. E a tatuagem é uma dessas possibilidades de embelezamento e de expressão.
JANE FELIPE DE SOUZA
Professora da UFRGS
Para Jane Felipe de Souza, professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a tatuagem nas mulheres pode ser vista como uma “forma criativa de cobrir imperfeições”, já que os corpos femininos são mais cobrados por sua aparência.
– Hoje, com algum dinheiro, você pode esculpir seu corpo do jeito que quiser. E a tatuagem é uma dessas possibilidades de embelezamento e de expressão – observa a pesquisadora, que faz parte do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero.
É na própria pele que as mulheres inscrevem os nomes dos filhos recém-nascidos, versos cantados por seus ídolos, símbolos que lembram a perda de pessoas queridas. Ou, segundo Glaura, tatuagens que, no fundo, querem simplesmente dizer: “Sou descolada”.