Nesta reportagem, Donna conta histórias de mulheres que encontraram, na tatuagem, uma forma de contar ao mundo – e eternizar no próprio corpo – um pouco de quem são.
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Na primeira vez em que Elisa Santos Rosso, 18 anos, foi ao show de Ed Sheeran, no Rio de Janeiro, em 2015, a mãe, Aline, estava junto. Quase quatro anos depois, acompanhada de um amigo, em 17 de fevereiro de 2019, a jovem foi à Arena do Grêmio, em Porto Alegre, para ver o ídolo já pela terceira vez. Quando levantava as mãos para balançar no ritmo das músicas, podia-se ler no braço direito um verso do artista: “You were an angel in the shape of my mum”.
“Você foi um anjo na forma de minha mãe”, diz o trecho de Supermarket Flowers. Elisa não se esquece de quando mostrou a canção pela primeira vez para a mãe, que caiu no choro. Na hora, a filha não entendeu. Ao prestar mais atenção à letra, descobriu que ela contava a história de alguém que empacota as coisas da mãe, morta.
Em 8 de novembro de 2017, Elisa, aos 16 anos, teve de empacotar as roupas da própria mãe, que morreu em casa, aos 51 anos, em decorrência de complicações da tromboflebite. De herança, ficou uma autorização para a filha tatuar o corpo – era a segunda vez que a mãe lhe presenteava com a permissão. Quatro dias depois da perda, Elisa marcou na pele o verso de Ed Sheeran e duas paisagens de praia, paixão de Aline.
Elisa não gosta do mar. Por muito tempo, teve vergonha de usar um biquíni que mostrasse muito seu corpo.
– Nas revistas, eu só via pessoas magras, sem uma marquinha, estria, nada, e eu já tinha celulite desde cedo. Sempre fui gordinha – conta.
Na tentativa de se encaixar num padrão, tomou remédio, fez “dietas malucas de internet”, exagerava em exercícios físicos. Sem ver resultado, sentia-se mal, quadro agravado pela depressão, diagnosticada aos 12 anos.
Depois que fiz, só consegui amar essa parte do meu corpo. Não tenho mais vergonha.
ELISA ROSSO
Estudante
Em 2015, a adolescente teve de deixar a escola, de onde ficou afastada por mais de um ano para cuidar da mãe, internada pelas complicações de saúde. Oito meses depois da morte de Aline, Elisa perdeu o avô materno, figura masculina mais importante na sua vida. Nessa época, a menina já tinha chegado a vestir manequim 54, quatro tamanhos a mais do que usava um ano antes.
Apesar de ter vivido episódios que soam como um pesadelo para qualquer adolescente, Elisa conta sua história com leveza e sempre sorri ao lembrar-se da mãe. Quando aponta para as homenagens marcadas nos ombros e no braço, resgata as conversas que tinham sobre aceitar-se e amar-se do jeito que se é. Foi daí que tirou coragem para fazer a mais recente tatuagem, abaixo da axila direita, sobre as costelas.
– Era uma parte do corpo com a qual eu não me sentia bem. Nossa, não gostava mesmo – conta.
Cada vez que procurava referências de costelas tatuadas no Instagram, só encontrava meninas magras e voltava a se sentir insegura. Pensou em fazer cirurgia plástica, tentar perder peso de novo, até que decidiu levar adiante a ideia da tatuagem. Para driblar o receio de despir-se em frente a um homem, procurou uma tatuadora mulher. O resultado superou suas expectativas:
– Depois que fiz, só consegui amar essa parte do meu corpo. Não tenho mais vergonha – afirma.