Por Nina Fola*
Mesmo com a denúncia de racismo há mais de 40 anos no Brasil, da parte de mulheres e homens, majoritariamente negros e negras, em pleno fevereiro de 2019, somos esbofeteados por imagens remontando ao Brasil Colônia em uma festa da elite brasileira e branca na Bahia.
O processo de colonização é o momento histórico, político e econômico que fundou o Brasil de hoje, quando os negros foram classificados para o serviço como coisas, não humanas, coisas que se vende em mercado, que se marca na pele, que se usa até não prestar mais. E o passado das mulheres e homens brancos? Qual é? Ora, de humano inevitavelmente, daquelas pessoas que no embalo do cotidiano, reproduziram o sistema (capitalista em crescimento) de posições sociais. Então as mulheres, as sinhás, as patroas, mesmo também oprimidas, desenvolveram este relacionamento com as mulheres negras: não havia empatia de gênero e, sim, à hierarquia pois, primeiramente, havia a diferença racial, e as negras deviam (e ainda devem para muitas) servir.
O que a festa temática denunciada nas redes sociais mostra é que ainda há racismo nas relações sociais e trabalhistas. Brincar com este passado bom de Sinhá; brincar com a possibilidade de ser rodeada diuturnamente por pessoas serviçais, desprovidas de qualquer direito é, sem dúvida, a reprodução do racismo que ainda hoje está na memória da país e da elite que tem medo de partilhar seus privilégios.
Para nós, mulheres negras, ao vermos esta foto, sabemos que majoritariamente não éramos nós as convidadas da festa, sabemos da realidade vivida por nossas mulheres trabalhadoras que estão, de forma completamente antagônica, vivendo do passado de seus ancestrais. As negras da foto estavam trabalhando...
Assista ao #ProgramaDonna sobre o tema
Se não for pautada no Brasil a imediata necessidade de redução das desigualdades promovidas por esse passado, as sinhazinhas louvarão suas famílias, e as famílias negras permanecerão posando para foto como coisa.
Quando a pensadora americana Angela Davis fala que não basta ser contra o racismo, é preciso ser antirracista, ela quer dizer para todas as pessoas que esse passado para ambas as origens é ruim e que racismo é um problema social e de todos. Mais ainda: que, para mudá-lo, todos precisam denunciar, renunciar a privilégios e entender que a estrada não é a mesma de quem sentou no cadeirão ou de quem está ao lado sorrindo como um enfeite de festa temática.
E, por fim, como diz nosso poeta gaúcho Oliveira Silveira: “Eu quero um passado bom”, mas tenha certeza, de que este está na lembrança da existência de mulheres e homens que, mesmo sequestrados de seus países de origem, ainda me remetem a uma essência de resistência e amor.
* Socióloga, mãe, mulher negra e de terreiro, musicista e coordenadora do Coletivo Atinúké