O Mundo de Aisha – A Revolução Silenciosa das Mulheres no Iêmen, uma HQ de Ugo Bertotti baseada no trabalho da fotojornalista Agnes Montanari, me deixou com nó na garganta e lágrimas nos olhos do início ao fim.
Algumas histórias são terríveis, umas mais terríveis e trágicas do que as outras. Todas começam da mesma forma: as meninas casam com 12, 13 anos, com homens mais velhos, muitas vezes seus primos, que tenham condições de sustentá-las. Poucas estudam, poucas têm alguma perspectiva além de ter filhos, cuidar da casa e obedecer o marido. Mas as coisas estão mudando. Lentamente, sem grande alarde – tem que ser assim, ou qualquer mudança será reprimida.
Agnes viajou pelo Iêmen, um dos países com menor PIB do mundo e o alarmante número de duas armas AK-47 por habitante (incluindo os recém-nascidos!), muita violência… E aquelas mulheres veladas, movendo-se como sombras, sem protagonismo e sem voz.
Pelo menos é essa a visão dos ocidentais sobre elas, que é desmistificada nesta HQ. Um trecho em especial, um diálogo entre Agnes e Aisha, me chamou a atenção:
– Confesso que gosto quando você tira o niqab e eu posso ver seu rosto.
– Sim, entendo… O niqab… Vocês, ocidentais, ficam muito impressionados com ele. Mas talvez não entendam que, para nós, as coisas não são exatamente como vocês veem.
– Vemos vocês como mulheres sacrificadas.
– Veja bem, o niqab também tem suas vantagens… Não precisa se preocupar se é bonita ou feia, economiza em roupas, cabeleireiro, dentista, dermatologista, maquiagem… E a lista continua.
– (Risos)
– Brincadeiras à parte, para muitas de nós o que realmente importa é trabalhar fora, ser professora, médica, fazer política… Se usamos o niqab, tudo isso é aceito mais facilmente. Os homens se sentem mais tranquilos, menos desestabilizados, menos invadidos em seu território.
– Uma espécie de solução de compromisso… Vocês respeitam a tradição, e eles deixam vocês agirem mais livremente.
– Sim, é mais ou menos isso. Seja como for, para nós a tradição tem um significado particular, valores importantes aos quais não queremos renunciar… O amor pela família, o senso de pudor. Como sabe, fiz meu mestrado em Florença. Uma cidade magnífica com mulheres bonitas, sedutoras, como nos filmes.
Pois é, migas. Às vezes, pensamos: “Pobres daquelas mulheres desgraçadas”, mas os conceitos de liberdade variam de acordo com a realidade e a cultura e não cabe a nós abafar as vozes delas com as nossas. Não adianta falar que “Olhaí, tem realidades piores”, pois todos os problemas são problemas e todos devem ser considerados e resolvidos. É claro que lá a cultura é muito mais violenta, mas isso não quer dizer que temos que fazer vista grossa para os problemas da nossa.
Ou vocês acham mesmo que não tem menina de 13 anos casando contra a vontade em algum lugar do Brasil?
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