Eles estavam casados havia muito anos, naquela monotonia normal de quem já se conhece até pela troca de olhares, não precisando de muitas palavras. O casamento não ia bem mas também não ia mal, nada que fizesse nenhum dos dois suspirar de paixão nem tampouco destilar ódios e ressentimentos. Iam levando a vida e deixando a vida os levar, bem como diz a letra daquela música do Zeca Pagodinho.
Até que um dia a mulher foi ficando triste, apagadinha. Os filhos, já adultos, seguiam seus próprios destinos, quase nunca apareciam em casa. O marido, sempre no consultório, abarrotado de trabalho. Ela, que tinha largado o emprego muitos anos antes para dedicar-se à família, agora praticamente não tinha mais por quem olhar. Um vazio foi crescendo no seu peito, e os olhos, antes tão brilhantes, foram ficando opacos e sem vida. Até a pele estava perdendo o viço.
A situação foi ficando tão feia que inclusive o marido, sempre muito distraído e distante, um dia notou que algo não estava bem. “É só tristeza por não ter nada para ocupar os meus dias”, ela disse, quando ele perguntou-lhe o porquê de tanta apatia. Foi então que ele teve uma grande ideia: sugeriu à mulher que convidasse sua melhor amiga para viajar. Um tour pela Europa haveria de lhe fazer muito bem. A mulher concordou, mesmo sem muita vontade. Quem sabe uma mudança de ares poderia lhe fazer bem? Convidou a amiga e em poucos dias estavam no avião rumo a Madri, Paris e Londres. Quinze dias flanando pelo Velho Continente... Voltou outra pessoa, feliz, rejuvenescida. Não imaginava que poderia ser tão bom viajar.
Meio ano depois, já cansada de novo daquela velha monotonia, consultou o marido. Queria viajar de novo. Ele, como sempre, não podia largar o consultório, e mais uma vez sugeriu que a esposa fosse com a amiga. Felicíssimas, rumaram para a Turquia, Grécia e Egito. De cada lugar que visitavam, ela mandava um cartão postal para o marido dizendo o quanto estava feliz.
E as viagens se sucederam, sempre com a mesma amiga, um ano após o outro. Até que, na última vez, a mulher, antes de partir (o marido não pôde levá-las ao aeroporto porque tinha pacientes à espera), deixou um bilhete em cima da mesa do jantar. “Querido. Desta vez saio de casa para não mais voltar. Tantas viagens e tanto tempo passado junto com minha melhor amiga me fizeram descobrir que ela é a pessoa certa para mim, e não você. Com ela sou feliz, dou risadas, me divirto, aproveito a vida e celebro cada momento. Não me sinto mais só e pela primeira vez na minha vida estou muito segura do que quero. Espero que você também encontre a sua felicidade, e que não me queiras mal. Com os nossos filhos pode deixar que na volta da viagem eu mesma me entendo. A ração do gato está na lata vermelha. Com carinho, Maria”. Ela encheu as malas de roupas e de coragem e foi embora. Pegou aquele avião com a amiga, e na volta da viagem mudaram-se para o centro do país.
Na cidadezinha onde a família morava a notícia caiu como uma bomba. Estávamos nos anos 1980, e mulher largar o marido para casar com outra mulher era novidade, provavelmente foi um escândalo inédito. Por muito tempo, depois daquilo, os maridos acharam melhor tirar férias e acompanhar suas mulheres nas viagens. Deixá-las viajar com uma amiga havia ficado por demais arriscado.