Uma notícia que sempre é pauta e que infelizmente sempre tem algum episódio recente na mídia para nos alertar é um cachorro, do nada, atacar um tutor ou os familiares dele. Embora a gente diga que a criação desde tenra idade é a base de tudo, vez ou outra é do nosso conhecimento uma notícia que sai da curva. O cão mestiço dachshund que mordeu o tutor, levando-o à morte, ou o inocente cachorrinho que fechou a boca na bochecha de um menino que precisou passar por cirurgia plástica em São Paulo.
Ano passado, correu o mundo a notícia das duas crianças atacadas pelos amáveis Pitt Bulls há oito anos na família. Descontrole que também feriu uma desesperada mãe de 30 anos que não conteve a fúria dos mascotes que acabaram matando seus filhos.
Também digno de nota foi a passeadora de cães morta pelos oito animais com os quais passeava. Alvo de muitos comentários, já que não havia nenhuma raça reconhecidamente agressiva entre eles.
E agora? Pode um cachorro fofinho virar uma fera a ponto de ferir seriamente tutores e crianças?
A resposta é: sim, pode. Primeiro, porque estamos lidando com animais e, só por isso, já podemos ter surpresas. Segundo, animal ameaçado ou diante de uma situação estressante pode virar a mandíbula e grudar os dentes no braço de alguém.
Meu filho recentemente ganhou um buraco na boca mordido nada menos que por nossa yorkshire de 12 anos. Mimosa e ordinária? Não.
Uma cirurgia recente nas mamas a deixou mais sensível e um toque mais brusco em uma área dolorosa foi a atitude responsável pela súbita mordida. Culpada ou não, a dentada trouxe suas consequências, e esse é um claro exemplo de acidente envolvendo criança e seu animal de estimação fofinho e tranquilo que deixou a todos aturdidos.
Via de regra, animais amorosos não atacam seus donos, mas eles podem, outrossim, se defender ou simplesmente reagir a uma dor aguda, como um tropeço sobre ele, uma brincadeira mais agressiva e até mesmo durante o sono, quando tutores e mascotes dividem o mesmo leito. Rolar em cima do seu mascote enquanto dorme pode resultar em uma mordida, e, se na altura da cabeça, pode atingir o rosto. E lá vai a mídia divulgar.
O que contribui para esses acidentes se tornarem manchetes não é a fúria do ataque, mas o local da mordida. Como o que recentemente vitimou um homem de 63 anos, porque o animal, de pequeno porte, conseguiu acertar uma artéria com a dentada. O tutor morava em um sítio e sangrou até a morte.
O que leva ao ataque
Saindo da esfera dos acidentes, vamos entrar nos ataques. Acontecimento assombroso, uma vez que acidentes acontecem, e isso inclui irmãos brincando inocentemente dentro de casa.
Mas um ataque não tem nada de pueril. Ele parece vir do nada, do inesperado, e em primeiro momento ninguém entende como aquilo foi possível. Não com aquele animal, muito menos com aquele tutor.
Em uma explicação mais simples, ataques envolvem outros fatores e um deles pode ser hormonal. Outra explicação tange as questões do comportamento de matilha. Quando os animais seguem o líder ou se rebelam contra ele é que a situação ganha novos e desconhecidos contornos, porque há séculos cães deixaram de ser selvagens.
E, de repente, em pleno século 21, um comportamento que lembra a vida livre de lobos ferozes acontece logo ali na esquina de nossa casa. Por conta disso, desse comportamento exacerbado, a briga por um simples osso de galinha pode fazer com que animais briguem entre si.
E, se o tutor tentar interceder e não for reconhecido como líder, podem sobrar muitas mordidas.
Colocá-los em contato com uma fêmea no cio pode gerar comportamento semelhante. As cadelas podem lutar entre si e o mesmo vale para os machos.
E, se estivermos falando de um canil, as consequências podem ser mais severas para, pelo menos, um desses cães, geralmente o menor, que pode apanhar para valer dos demais. Mas se o episódio se deu em animais passeando no parque, um verdadeiro frenesi pode se instalar entre os envolvidos.
Basta um sair do controle para atiçar os demais. E uma situação como essa pode explicar o súbito ataque à passadora dos cães que foi atacada simultaneamente pelos oito animais que conduzia.
O fato de um cachorro poder seguir seus instintos mais primitivos e atacar uma pessoa não deve assustar àqueles que apreciam a companhia de um mascote. Lembre-se de que a fúria incontida em cães domésticos não brota do nada. Não acontece porque o dia está nublado ou o cão ouviu a vizinha bater a porta dos fundos.
A fúria de um cachorro tem um fator desencadeante, e é mais fácil ocorrer em situação de matilha, estresse intenso ou forte ameaça. Resta saber o que caracteriza "forte ameaça" para seu mascote.
A presença de um cachorro maior? A mão de uma criança? Lembrando que situações novas, como a chegada de um bebê na família, divórcio ou mudança de residência são situações que podem estressar um cão a ponto de alterar momentaneamente seu comportamento.
Então, até mesmo um lulu da Pomerânia pode morder o tutor até arrancar o braço dele? Não. Primeiro, porque ele vai levar um tapa do lado do ouvido que vai deixá-lo zonzo. E, segundo, ele é muito pequeno para causar um estrago grande.
Isso não impede, contudo, que um lulu "invocadinho" dê uma dentada bem ardida no tutor, em seus filhos ou amigos. Pode não ser grave a força aplicada na mandíbula dele, mas se for na bochecha de um bebê está feito o estrago.
Então: pode ou não pode um cachorro, do nada, atacar o tutor?
Retomamos o que foi escrito lá no início: animal de raça pequena e criado com afeto não costuma causar surpresas. O que explica a generosa quantidade de vídeos que mostram bebês fazendo gato e sapato com cães até mesmo gigantes, que assustam pelo tamanho, mas permitem ser exaustivamente manipulados por seus tutores mirins.
Animais que foram adotados, cujo passado não é conhecido, e aqueles que foram maltratados em tenra idade é que precisam receber mais cautela quando o assunto é brincadeiras mais hostis ou situações que desencadeiam estresse.
O mesmo cuidado deve ser redobrado com cães maiores. Quanto maior a mandíbula, maior o estrago, seja acidental ou não.
Por conta disso, quem tem criança, principalmente as pequenas que não têm noção do perigo, precisa colocar esse risco no papel antes de partir para a busca do integrante pet. Sempre é melhor apostar no tamanho pequeno e criar seu mascote desde filhotinho. Aí você saberá melhor com quem está lidando.
Cuidado com animais subitamente doados por parentes e amigos: eles podem estar com vícios de comportamento que os impedem de se socializar com seus filhos. Na dúvida, procure um especialista em comportamento animal.
Ele vai te dar dicas preciosas sobre as raças que você busca e também analisar o comportamento do mascote que está na lista de adoção. Deixar esse animal passar um tempo com o adestrador pode ser interessante, pois determinados vícios podem ser identificados.
E, por mais fofo que seja um cão de guarda, é necessário um conhecimento muito apurado do arquétipo mental de seu mascote para ter 100% de certeza de que ele nunca, jamais, vai sentar os dentes em seu filho. Supervisão e cautela não podem ser negligenciadas quando estamos falando de raças reconhecidamente ferozes, como rottweiler e pitt bull, mesmo que eles estejam desde bebês na sua casa.
Nos Estados Unidos, até o mimoso labrador, reconhecido por sua tranquilidade, raça preferida para ser cão-guia, tem protagonizado cenas infelizes envolvendo crianças. Surpresas, como podemos ver, acontecem.
Daisy Vivian é diplomada pela UFRGS em Medicina Veterinária e Jornalismo. É autora dos livros "Cães e Gatos Sabem Ajudar Seus Donos" e "Olhe-me nos Olhos e Saiba Quem Você É", histórias reais sobre pessoas e seus animais de estimação. Escreve semanalmente em revistadonna.com.