A perda de um filho é dolorosa, mas os comentários das pessoas sobre isso não deveriam ser. É com esse lema que a ONG Amada Helena, instituição gaúcha que acolhe mães e pais enlutados, espera ampliar a conscientização sobre o que a sociedade não deveria falar para quem está vivendo uma perda.
A campanha Eu Não Sabia o Que Dizer convida ao diálogo como uma das ações da 4ª edição da Semana Gaúcha do Luto Parental, instituída como lei estadual em 2019 por conta de lutas da própria ONG. A ação também está no âmbito do Julho Âmbar, mês internacional de conscientização sobre o tema.
— Quando não conversamos sobre um assunto, ele vai se tornando tão à margem que as pessoas não sabem como agir. Assim, acabam perpetuando frases como “Deus quis assim”, “Era a hora dele”, “Logo você engravida de novo”, não por maldade, mas porque não compreendem a real experiência dos pais em luto, já que não há espaços de diálogo e informação sobre isso. Não é possível evitar todas as perdas, mas a gente pode evitar um mau acolhimento social a partir de informação e apoio — afirma a fundadora da ONG, Tatiana Maffini, que perdeu a filha Helena em 2002.
As mães são maioria entre o público que busca o amparo da organização de Gravataí e, neste ano, algumas delas toparam ser fotografadas para a campanha. Nas imagens, as mulheres e alguns pais aparecem segurando quadros que mostram as palavras mais dolorosas que ouviram após a perda dos filhos.
Os escritos em giz expressam coisas como “Deus quer os bons”, “Sofrer é uma escolha”, “Não fala o nome dela”, “Vocês são jovens, podem ter outros”, “Ele chegou a nascer?”, “Mas você tem outros!”, “Ela é um anjinho e está com Deus”, “Pior se fosse com 1 ano”.
— Há várias coisas que não devem ser ditas a uma mãe que perdeu um filho e campanha ilustra algumas delas, como “Ele está num lugar melhor”. Nós engravidamos, sonhamos e projetamos um filho pra estar com a gente, não para “Ele era uma pessoa muito boa, por isso Deus o recolheu”. Uma das mães da ONG sempre responde isso com “Então tenho que criar um filho do mal, para que Deus não queira levar?”. É preciso cuidado para não desvalidar aquela maternidade e para não vincular à religião se você não sabe em que aquela mãe acredita. Uma dica boa é sempre buscar dizer coisas que você diria de um filho que estivesse presente — orienta Tatiana.
Insubstituíveis
Na foto acima, a doula de 37 anos Eluise Araujo segura nos braços o seu filho mais novo, Antônio Gael, seis meses. Ela também é mãe de outros sete, mas dois de seus filhos já partiram: Maria Helena, que viveu durante seis semanas da gravidez, e Antônio Francisco, que partiu após três meses de gestação.
Para a mãe, a maior dor que lhe infligem é quando invalidam o seu sofrimento pelo fato de ter outros filhos vivos.
— A frase “Mas você tem outros, está tudo bem” ouvi de um técnico de enfermagem que me reconheceu, por ser doula, quando precisei ir ao hospital para uma curetagem após perder o Antônio Francisco. Lembro da lágrima que escorreu quando ouvi aquilo. Aquela frase me cortou por dentro, pois é como se dissesse “se qualquer um dos teus filhos morrer, você não vai sentir falta, porque já tem outros” — relembra Elu.
A gaúcha de Canela já havia participado de cursos sobre luto parental junto à ONG, em uma preparação para saber acolher outras mães caso fosse necessário durante a doulagem. Quando foi ela própria quem viveu as perdas, encontrou na Amada Helena o “oxigênio” de que precisava para existir naquele momento.
O contato com outras mães enlutadas, relembra, a fez entender que está tudo bem sentir-se triste e só, que é normal sentir dificuldade para pegar no colo os bebês de outras mães, por algum tempo e que o luto é um processo único para cada pessoa. Hoje, o desejo de Eluise é de que as pessoas abracem as famílias enlutadas com gestos sinceros e deem espaço para que conversem sobre o filho que está ausente:
— As pessoas realmente querem amenizar a sua dor, mas às vezes elas acabam afastando você pela falta de cuidado. Não existe um roteiro do que falar, mas abraçar, olhar dentro do olho e dizer “Eu estou aqui”, “Está tudo bem chorar”, “Sinta a sua dor, fale, vou ficar aqui do seu lado” ajuda. Os meus filhos nunca vão ser esquecidos por mim, então o melhor presente que as pessoas podem dar para uma mãe que perdeu um filho é falar e lembrar dele, nos dar a oportunidade de falar que nossos filhos existem.
Acolhida
Um dos maiores desafios quando o assunto é o luto é que não existe um roteiro para seguir para bem-acolher a quem está precisando de alento: o que faz bem para uma mãe pode não fazer bem para outra, alerta Tatiana Maffini. Algumas alternativas às frases dolorosas são a sinceridade para com a mãe, o respeito à memória daqueles filhos e o cuidado para não invalidar aquela experiência de maternidade.
Um primeiro passo, aconselha Tatiana, é tentar entender até que ponto a enlutada deseja uma aproximação:
— Para ajudar essa mãe, sempre indicamos tentar compreender até que ponto a pessoa pode se aproximar, fazer alguma coisa para dar apoio, dar uma água para o cachorro, molhar uma planta, buscar um pão quente. Ou então se um abraço e um sinto muito bastam. Num segundo momento, também é importante ouvir e autorizar a presença daquela falta quando a mãe quiser e se sentir à vontade para compartilhar. Para quem olha de fora pode parecer somente doloroso, mas não, a gente relembra muitas outras coisas desse vínculo de maternidade, não só a dor — conclui Tatiana.