"Impermanência. Desde que entramos em quarentena, essa palavra tem permeado os meus pensamentos. Minha filha Aurora está prevista para nascer de parto natural até 20 de abril. Pela proximidade da data, todos os planos se tornaram impermanentes, assim como o meu humor. Alguns dias são bons e tranquilos, outros nem tanto. Nem a meditação diária (que pratico há 15 anos) tem segurado algumas crises de ansiedade. Mas, ainda assim, a maioria dos dias são positivos.
Me mudei de casa às vésperas do furacão, então essa parada obrigatória me deu tempo de colocar a casa em ordem, organizar o quartinho e até descansar, pois eu vinha em um ritmo de trabalho + gestação + obra e estava esgotada. Também precisei abrir mão de ter o controle de tudo. Mas algumas dores vêm junto: minha família não poderá estar no hospital para acompanhar o parto e nem para visitar. O tão esperado momento de ir para casa com o nenê no colo terá uma configuração bem longe da esperada.
Tenho uma particularidade que é a de não ser casada e nem morar com o pai da minha filha e, por isso, contava com a ajuda de família, amigos e de uma funcionária e tudo foi por água abaixo.
Além da parte emocional, vieram as adaptações práticas: sou autônoma, estou contando com um período de incerteza financeira e optei por gastar o mínimo possível. Grande parte do enxoval foi doação de amigas e a outra parte, providenciada pela minha mãe. Alguns móveis do quarto não chegaram a tempo e nem chegarão. Já me vejo dormindo só quando ela dorme, cozinhando com o nenê no sling, fazendo chamada de vídeo com a família e os amigos, tomando banho com carrinho no banheiro e tendo umas crisezinhas de cansaço de vez em quando.
Apesar de todas as dificuldades, terei a possibilidade de criar um vínculo muito importante com ela. Tudo é uma questão de adaptação e, principalmente, tudo passa. Porque tudo é impermanente. E penso sempre que, quando tudo isso passar, vou ter história para contar para a minha pequena".