Depoimento ao TedX Emoção no "Relato de Parto" Foto: Diego Bresani “Gente, sabe por que as mães-solo não namoram? Porque elas têm dificuldade de se envolver de novo. Ela fez uma assinatura online da padaria do inferno. Todo dia chega ali o pãozinho fresco do diabo. Mas a gente gostaria de se relacionar. E tem mais: mães-solo são muito cansadas.” : Clara Averbuck: A maternidade não te define
Tudo o que você queria saber sobre ser mãe e não tinha a quem perguntar: este poderia ser o slogan do canal de Helen Ramos, 30 anos, mais conhecida como “Hel Mother”. No YouTube, ela define seu propósito com outras palavras: “Falar de maternidade de forma descomplicada e salvar outras mães que precisam de suporte”.
Cineasta, roteirista e atriz radicada em São Paulo, Helen compartilha na internet sua experiência como mãe solo de Caetano, ou simplesmente Caê, prestes a fazer quatro anos em fevereiro. O menino tinha pouco mais de dois anos quando Helen estreou como vlogger, em pleno Dia das Mães de 2016, com o vídeo “Stop mother shaming”, pedindo o fim do constrangimento às mães. De lá para cá, angariou 162 mil seguidores no Facebook e 116 mil no YouTube, que contabiliza 84 vídeos até agora. Não raro, quem se identifica com seu discurso faz maratona do conteúdo – a título de curiosidade, você investe 20 horas para assistir a tudo e, como resultado, muitas sessões de risos e lágrimas na frente do computador.
Seus vídeos semanais (todas as quintas, às 18h) têm milhares de visualizações e um texto não ensaiado, sem estereótipos e com bom humor. De maneira muito franca, Helen “dá a real” sobre situações corriqueiras que cercam a maternidade. A mãe solo que vai para a balada e é questionada sobre com quem ficou a criança, as amigas sem filhos que somem depois que o bebê nasce, a entrevista de emprego que escarafuncha a rotina da mãe, seu peso após o nascimento do filho (!) e os palpites diversos sobre suas escolhas de como levar a vida. Falar de sentimentos reais contra a maternidade idílica foi, em suas palavras, “uma necessidade” diante de um mundo de conteúdos em que tudo parecia um comercial de margarina.
– Eu já lia muito sobre maternidade, mas era aquela do mainstream. Uma youtuber pode dar uma figura à palavra, uma voz, uma cara. Falam que sou “a mãe que fala as verdades”. Mas nós precisamos falar mais a verdade, desromantizar a maternidade – defende Helen, em entrevista à Revista Donna feita, vamos falar a verdade, através de dezenas de áudios de WhatsApp, como cabe a mães sobrecarregadas tentando resolver tudo ao mesmo tempo.
Os sincericídios de Helen no YouTube lhe renderam um convite em agosto do ano passado para participar do programa Conversa com Bial, da Globo. Ela falou sobre paternidade, ao lado de Cauã Reymond, pai de Sophia, e Marcos Piangers, pai de Anita e Aurora, este seu fã.
– Vi a Helen quando o canal tinha uns cem views e pensei: nascida para brilhar. Acho ela engraçada e divertida, mas principalmente sincera, e isso me conquistou desde a primeira vez em que vi um vídeo dela. Passei a recomendar pra todo mundo – conta Piangers.
Não raro, os comentários nos vídeos são de mulheres (e até homens) que não têm filhos. Isso porque a “Hel” usa muito sarcasmo e bom senso para abordar outros temas da vida contemporânea, como sexualidade, gordofobia e igualdade de gêneros. Também não tem pudores de falar de si mesma como talvez muitas de nós não desabafem nem na terapia.
– A imagem da mãe é aquela de ter que ser uma figura maravilhosa, imaculada, que cuida das crianças… Então, engravidei sem ter um relacionamento sério com o pai do Caetano. E depois namorei um cara quando estava grávida. Jesus, Maria e José, que vadia que não consegue segurar as pernas, né? Engravidou solteira e agora está aí com outro? – conta em um de seus vídeos. – Somos muito julgadas, o tempo todo. Parem de julgar as mães. Parem de julgar a vida delas. Mais sororidade com as coleguinhas – pede Helen, e complementa: – Parem também de ter pena. As pessoas têm muita pena de mãe solo. E a pena faz o quê? Faz nada! Faz apenas com que aquela pessoa se sinta mal. Pare de ter pena da sua coleguinha.
SOBRE SER MÃE
Eu não sabia que, quando você vira mãe, talvez você nunca mais consiga voltar ao mercado de trabalho. Tem quem cuide do seu filho?
Eu não sabia que ter filho e trabalhar era ouvir: ‘Teve filho pra dar pros avós criarem’.
Eu tive ‘sorte’ porque o pai do meu filho paga pensão, ‘assumiu’ o filho, eu tinha que ficar feliz porque ele faz mais do que a média.
Não sabia que estaria excluída várias vezes de círculos sociais.
Eu não sabia que, ao ser mãe e estar solteira, eu teria uma patrulha de pessoas ao meu redor tentando me casar: ‘já já você vai arranjar alguém, mas para isso tem que ser vaidosa, para isso tem que emagrecer, vamos fechar a boca agora, arranjar um namorado bem bonito? Pois com sorte ele pode até virar pai do meu filho, que tal?’ Escutei isso várias vezes.
Não sabia que as mães muitas vezes se sentiam tão sós.
NASCE UMA MÃE
Helen tinha 25 anos quando fez xixi no palitinho e, ao ver dois risquinhos azuis do “positivo”, chorou. Chorou porque não era uma gravidez planejada. Chorou muitas vezes depois ao longo da gestação por causa dos hormônios.
– Não gostei da gravidez. Fiquei muito irritada o tempo todo, tinha muito sono, depois muita fome, queria matar as pessoas, chorava muito e me sentia culpada por chorar e deixar meu filho triste. Ninguém me falou que os hormônios eram assim, que você ficava louca, maluca, inchada. Você compra calcinhas que são do tamanho de um lençol. Que a água do chuveiro bate no peito e você chora de dor. Não bastou tudo isso, eu entrei na estatística das grávidas que tinham tesão. Olha que legal, a pessoa solteira, grávida, grande e tinha tesão, sonhos eróticos. Gente, ninguém me falou essa porra – desabafa.
Mas, calma, também havia a parte boa.
– Tem pele boa, cabelo bom, eu curtia tirar fotinho da barriga o tempo todo, comprar as roupinhas de bebê. Sempre acho lindo quando vejo mulher grávida, ela parece que tem um brilho. Falavam isso de mim, do meu brilho, mas eu nunca achei naquela época.
Helen também conta que penou para encontrar um médico que fechasse com seu desejo. Trocou de obstetra quatro vezes e vendeu o carro para poder ter o filho do que jeito que queria, com parto humanizado. Temia passar por violência obstétrica.
– Você escuta frases como “Na hora de fazer foi bom, por que tá gritando agora?”. Alguém faz um corte em você sem avisar (episiotomia). E você demora até um ano para voltar a sentir prazer, mas tudo bem pois mãe não precisa sentir prazer, né? – contou no vídeo “Relato de Parto”.
As ideias sobre a maternidade idealizada foram pouco a pouco ruindo, cedendo espaço a uma nova postura, mais realista, de quem estava encarando uma gestação sozinha.
– Parece que isso incomodava as pessoas, parecia que estava com um abacaxi de glitter na cabeça. Para mim, antes de engravidar, ser mãe é a Gisele Bündchen que está amamentando e fazendo a unha e sendo maquiada ao mesmo tempo. Ou então a Rachel de Friends, que era solteira que nem eu quando ficou grávida, ótimo, e todos os amigos com ela ajudando. Tinha a mãe da novela, dos filmes, da revista, eu quero ser mãe. Mas isso não é ser mãe, né? Ninguém me falou – relatou ao gravar seu primeiro TEDx, em junho.
NASCE UMA CRIANÇA
Nos primeiros dias após o nascimento de Caetano, as pessoas iam visitar Helen em casa e faziam aquela tradicional perguntinha social: está tudo bem?
– Eu respondia que sim, mas queria dizer: “Não tenho a mínima ideia do que estou fazendo, nunca fiz isso”. Mas aí diziam: tem o instinto materno. Só que não, gente, não é o instinto que ensina a gente a amamentar, você põe e diz que a pega do seio é assim, olha a boquinha, tem que massagear…
Helen teve depressão pós-parto e, sozinha, preferiu não falar sobre isso com muita gente.
– Quando eu dizia que estava assim, imediatamente tinha que explicar que amo meu filho, que a minha depressão era com o mundo. Mas era esquisito porque ninguém queria falar comigo sobre isso. E via umas mulheres competindo pra ver quem eram as melhores mães do mundo.
A culpa materna, que já havia dado as caras na gestação quando Helen chorava, voltou a visitá-la também com frequência.
– Sempre tem alguém pra cobrar: “Ah, Helen, mas o Caetano faz turno integral na escola? Mas você faz home office, por que ele vai pra lá?”. Gente, eu trabalho, foi uma escolha minha, eu não fico em casa fazendo yoga, não, tá?
A gente tem que seguir seu coração. Culpa materna é um negócio que não tem como se livrar. Dá para ressignificar, mas, parar de existir, realmente é difícil. Você sente culpa de tudo, mas tem que ter uma barreira – explica no vídeo “Culpa, Estranha Culpa”.
Os julgamentos alheios, outros velhos conhecidos, se intensificaram depois do nascimento de Caê, especialmente os inúmeros preconceitos direcionados a mães solo.
– As pessoas dizem que a mulher não pode reclamar, afinal ela escolheu ser mãe solo, não pode dizer que está cansada, não pode pedir ajuda… É uma extensa lista. E tudo isso sempre tem o machismo na origem. Eu nem sabia o que era feminismo, então achava que se estudasse sobre isso eu poderia lutar contra o machismo. Amo meu filho, mas odeio ser mãe neste sistema do patriarcado. É o machismo que faz com que sua maternidade seja uma coisa ruim, opressora. Não foi fácil conciliar feminismo e maternidade. É conflituoso, pois a maternidade aprisiona as mulheres pelo modelo que a gente tem hoje.
E Helen também teve que lidar com muitos momentos de solidão: em um de seus primeiros vídeos, relata como algumas pessoas até então superpróximas viraram quase completas desconhecidas depois que um pequeno ser surgiu sugando seu leite e seu tempo livre.
– Se você fala sobre as reais dificuldades da maternidade, você é uma bruxa. E muitas pessoas se afastam. Sabe esses testes de internet? Não existe um teste para saber quem vão ser seus amigos depois que você virar mãe – diz ela, que hoje tem a ajuda de amigos fiéis na criação do filho Caê e do “filho virtual”, seu canal.
NASCE UMA YOUTUBER
Formada em Jornalismo, Helen cursou Artes Cênicas e sempre foi considerada a mais cômica da turma, desde a escola. Obviamente, muitas pessoas que conheceu nos últimos anos sugeriram que criasse um canal no YouTube para mostrar esse talento, mas ela tinha medo.
– Pensei: “Vai ter 50 pessoas inscritas. Vai ser um fracasso, vai ser mais uma coisa para a terapia, como se já não bastasse tudo o que eu tenho…”. Um dia, vi um vídeo da Jout Jout comemorando dois anos do canal dela e aquilo me inspirou. Hoje em dia penso: “Será que meu analista também olha o canal?” – diz, aos risos.
Um ano e meio depois, o Hel Mother (ou Hel “Mádi”, para os íntimos”) já tinha 100 mil inscritos. Fez sucesso o jeito despachado da moça, às vezes didático, com edições de vídeo rápidas e pegada pop, e ainda por cima aquele sotaque inexplicável. A gente tenta explicar a mistura: nascida em Goiandira (Goiás), filha de pai cearense e mãe mineira, morou a vida toda em Brasília e depois foi para São Paulo.
Uma de suas bandeiras é falar sobre a maternidade solo sem vitimização e com franqueza, incentivando que outras mulheres se ajudem.
– Falar mãe solteira é algo bem feio e ruim, mãe não se define pelo estado civil. Vamos fazer com que no mecanismo de pesquisa do Google apareça “mãe solo”, e não “mãe solteira”. Ah, mas se o cara botou o nome na certidão e paga pensão, esta mãe ainda é solo? Sim, amiga. Se o pai da criança não divide a criação igualitariamente, sim, ela é considerada mãe solo – define.
Não tem filhos e está aí pensando: “E eu com isso”?
– Você pode ajudar a romper essa cultura de mãe solo. Tem um amigo que é pai ausente? Você não sabe, afinal ele posta tanta foto do filho nas redes sociais, não é? E ele “pega” nos finais de semana. Pergunte sobre o dia a dia da criança. Sua filha dançou na festa junina? Gosta de comer o quê? Ele vai engasgar ou talvez minta. Tem pai só de fim de semana, pai de férias, pai quando dá. Você pode incentivar um amigo seu a não ser só “pai quando dá”, e sim ser pai. Já pensou você fazer parte deste movimento maravilhoso? – destaca no vídeo “Mães Solo: o que são, o que comem, onde vivem”.
PERGUNTAS QUE VOCÊ NÃO DEVERIA FAZER A UMA MÃE SOLO
• O pai ajuda?
“Primeiro que pai não ‘ajuda’, pai ‘cria’ o filho. Então, se você quiser saber mesmo isso, se for da sua conta, né, pois isso é um pouco invasivo, você pergunta: o pai cria junto com você? Afinal, quem ajuda é vô, vó, tio, tia, vizinho…”
• O pai é presente?
“Gente, se você não me conhece, é indelicado perguntar isso. Mas perguntam muito. É um saco. Se não for para me oferecer ajuda, vai ser só pra fofocar sobre a vida da coleguinha.”
• Você sabe quem é o pai?
“Sim, eu sei quem é, mas isso é muito escroto de se perguntar, ok?”
• Você recebe pensão? Quanto é a pensão?
“Gente. Não! Ninguém sai por aí perguntando nada disso, tipo, ‘oi, fulana, quanto você está ganhando de salário?’ Mas já me perguntaram também o que eu faço com o dinheiro. Tipo a pessoa que me via em festas aos finais de semana (e mãe não pode ter vida social?) e veio perguntar: será que você não está gastando a pensão do Caetano em coisas que não são para ele? Gente, mãe não tem filho para viver de pensão, ok? O pai do meu filho não é o Neymar.
E nem se fosse também, afinal o filho do Neymar tem que ganhar pensão alta, sim, pois é de acordo com a qualidade de vida que o pai ou a mãe tem. É direito do filho.”
• E o seu filho, onde está?
“Se estou em uma festa, sempre tem alguém que vem perguntar. Ou então criticar: ‘Nossa, como você tem coragem?’. Ora, com a mesma coragem que você está me fazendo essa pergunta! Como se a gente deixasse o filho numa gaiola e saísse de casa, né?”
• Calma, você vai encontrar alguém...
DEPOIMENTOS
O que outras mães comentam sobre ela e sobre o assunto
Pâmela Ghilardi, do blog Fofoca de Mãe, mãe do Lucca, quatro anos
“Quando engravidei, ninguém falava sobre o ‘outro’ lado da maternidade e foi por
isso que criei um blog. Ele veio dessa necessidade, de falar o que não era falado em livros e nem pela família ou amigas que já eram mães. Aos poucos outras mães também foram se identificando e querendo compartilhar essa maternidade real. Foi então que um dia, rodando pela internet encontrei um vídeo de uma mãe falando abertamente sobre as amizades depois da maternidade. Era a Hel Mother e foi amor à primeira vista. Todo vídeo que ela posta, eu já saio correndo pra assistir, pois ela fala abertamente de milhares assuntos que ainda são tabus na maternidade, assim como eu também gosto de falar. Compartilhar a maternidade na internet é abrir a sua vida para ajudar outras mães, mostrar que elas não precisam ter vergonha de dizer que estão cansadas e que precisam de um tempo só delas. É aquele abraço virtual em uma mãe que teve um dia difícil e que ela estava indo dormir frustrada, pois achava que estava sendo uma péssima mãe.”
Ana Cardoso, escritora, jornalista, socióloga, mãe de Anita, 12 anos, e Aurora, cinco
“A Helen é um furacão, cheio de energia. Está sempre se analisando, seu discurso é muito pensado para não ofender ninguém. Aprendi muito com ela sobre respeitar o público. Ela é humana demais, uma pessoa consciente que entende a responsabilidade de seu papel de influenciadora.”
Clara Averbuck, escritora, colunista de Donna, mãe de Catarina, 14
“É muito legal o que a Hel e outras mães estão fazendo, que é desmistificar a maternidade. Há uma romantização muito nociva às mulheres e aos filhos de que é tudo lindo, mas, como outras relações, há toda uma construção de laços e uma mudança muito profunda. Muitas mães se sentem culpadas por não sentirem instantaneamente o que ouviram a vida inteira o que deviam sentir por seus filhos assim que nascem, por cansar, por sentir dor, exaustão, tristeza. Nenhuma mulher deve abdicar de si pela maternidade. É claro que ser mãe exige algumas renúncias, mas é injusto e absurdo que isso seja cobrado só da mãe. Ou ela fez o filho com o dedo? Ter contato com as realidades do dia a dia da maternidade só traz o bem. Sinto falta de mais gente falando sobre a maternidade na adolescência, que também é romantizada: você acha que seu filho ou filha vai crescer e absorver tudo o que você ensinou e tudo será flores, mas não é bem assim, né? Eu com uma filha de 14 anos, que o diga. Para essas mães, indico o ‘Mãe da Adolescente’, da Thatu Nunes. Obrigada, Hel, por ajudar tantas mulheres que são mães! Loviú e vamos marcar nossos drinks.”
Aline Namba, psicóloga, criadora do grupo "Mães Solo" no Facebook, mãe da Ana Clara de 12 anos e do João Pedro de 7
"Conheci a expressão "mãe solo" há pouco mais de 1 ano, época em que me separei. Achava que era restrito a mães solteiras, mas após assistir a um dos vídeos da Helen, me dei conta de que era mãe solo antes mesmo da separação. Após fazer parte de um grupo de mães no WhatsApp, criei um grupo (secreto) no Facebook chamado "Mães Solo", que já conta com quase 300 membros. Estamos sempre em contato para desabafar e compartilhar experiências. Pra mim, ser mãe solo significa reinventar a maternidade todos os dias, sabendo que as nossas decisões afetarão diretamente na formação da personalidade dos filhos. Minha vida é dinâmica, procurei criar uma hierarquia de prioridades: em primeiro lugar, os filhos. Depois família, trabalho e vida pessoal. Isso ajuda nas minhas escolhas e na organização da vida diária."
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