Das tantas coisas que Leona Cavalli leva consigo de Rosário do Sul, sua terra natal, a principal é uma conexão profunda com a natureza. Na cidade da Fronteira Oeste, a atriz cresceu rodeada de campo, de fazenda e de uma “linda praia de água doce” – das Areias Brancas –, o que consolidou o amor pelas coisas da terra como um de seus sentimentos mais fortes.
Aos 53 anos e morando fora do Estado há cerca de três décadas, esse afeto continua sendo um dos pilares de sua vida feliz. Leona tem um sítio no Rio de Janeiro, onde cuida das suas plantas, leva uma alimentação vegetariana e encara o tempo de forma cíclica.
— Sinceramente, me sinto vivendo uma das melhores fases. Mas me cuido, claro. Procuro fazer ioga, dança, meditação, mantenho muito contato com a natureza e me sincronizo através do calendário maia há alguns anos. Nessa forma de contagem de tempo, você harmoniza a mente e as energias de cada dia com as da natureza. Isso tem me trazido paz, e quando há paz de espírito, a vida fica mais leve e feliz — afirma.
Filha de um professor de latim, a gaúcha foi registrada no cartório como Allyeona, nome inspirado na palavra “alea”, que significa sorte. Embora sua mãe desejasse chamá-la Leona desde o princípio, o pai temeu que fosse forte demais para um bebê e virasse “leoa” na boca dos futuros colegas de escola. Quis o destino que a alcunha de artista viesse a contrariá-lo.
— Quando comecei a atuar, as pessoas falavam: “Aquela atriz, a Leona”, e escreviam sem os dois “l” e o “y”. Ou seja, com o tempo foi ficando Leona, que é o original, que minha mãe sempre quis — relembra.
Desde então, passaram-se 30 anos de carreira no teatro, no cinema e na TV. Atualmente no elenco da novela Terra e Paixão, da TV Globo, a atriz interpreta a diretora de escola Gladys, personagem que tem levantado debates por ser uma mulher casada e mãe, que em público defende com fervor os valores mais tradicionais e, nos bastidores, trai o marido.
O caminho que a levou às tramas do horário nobre começou ainda em Rosário do Sul, o que foi um desafio já que a Leona não tinha referências profissionais na família nem teatros para frequentar na cidade. Acabou se apaixonando pela prática:
— Desde a primeira vez que entrei no palco em uma peça infantil, aos seis anos, nunca mais quis ser outra coisa na vida, mas foi um sonho, de certa forma, solitário, porque não havia referência. Apesar desse começo ter sido difícil, foi importante, porque me trouxe força, determinação e disciplina para seguir com meu sonho, mesmo durante fases muito difíceis. Os desafios trazem renovação constante, e ser atriz sempre pede esse não-acomodamento.
A faculdade de Artes Cênicas na UFRGS, que acabou não concluindo, demandou uma mudança para Porto Alegre e as oportunidades de trabalho exigiram um segundo movimento, para São Paulo. A carreira começou oficialmente em 1993, quando Leona interpretou Ofélia em Ham-Let, montagem da companhia Teatro Oficina.
Foi lá que teve início sua parceria e amizade com o dramaturgo e diretor Zé Celso Martinez, que morreu no início deste mês, após um incêndio atingir seu apartamento na capital paulista. A atriz relata ter sido um privilégio começar a carreira ao lado dele, bem como tê-lo reencontrado nos palcos no ano passado, quando interpretou Mefistófeles na peça Fausto, o último espetáculo de Martinez.
— Com ele acessei a dimensão do teatro sagrado, e isso levarei pela vida toda. A força e a liberdade criativa do Zé foram únicas, arrebatadoras. Ele irradiava isso e deixa essa semente na arte brasileira que permanecerá em todos que amam o teatro — declara a gaúcha.
Em entrevista à Revista Donna, Leona reflete sobre o amor pelo seu ofício, os momentos marcantes de sua carreira, os aprendizados com a passagem do tempo e sua visão sobre a maternidade. Ela também descreve uma busca constante por uma cultura de paz. Confira:
Recentemente você publicou um vídeo recitando Fernando Pessoa: "Segue o teu destino / Rega as tuas plantas / Ama as tuas rosas / O resto é a sombra". É dessa forma que procura levar a vida?
É uma busca constante, focar no melhor. Meu, dos outros e da vida. É o que posso dar de melhor ao mundo, ver o que há de melhor na vida. Amo Fernando Pessoa, poesia, e sempre que alguma obra de arte me toca, é porque traz de alguma forma esse sentido maior da beleza do caminho humano.
Meu trabalho, o processo da atuação, fala exatamente disso, de revelar o ser humano para o próprio ser, para que a gente possa crescer, se identificar, repudiar, brincar ou se divertir com a nossa aventura aqui na Terra, que é de todos.
Vem ao Rio Grande do Sul com frequência?
Menos do que o tamanho da minha saudade gostaria. Consigo ir em torno de duas, três, vezes por ano, em função do meu trabalho. Mas trago um coração com muito amor e saudade, porque a minha família inteira mora no RS.
Como foi a chegada aos 50?
Viver muito significa ter saúde. Ainda é a melhor opção. O importante é viver cada tempo no seu tempo, aproveitar o momento. Viver tudo que se tem para viver em cada instante, ano, década, é sempre sinal de uma vida bem vivida.
Tenho o privilégio de fazer o que amo, e isso faz com que o tempo não seja um peso. Ao contrário, a maturidade tem me trazido qualidade de vida.
É um momento em que a menopausa entra em pauta?
Sim, o corpo muda e nos pede cuidados maiores. Passei a ter uma atenção muito maior com saúde, alimentação, regularidade do sono, pele, hidratação e respiração. Isso é natural e bom. Nossa consciência corporal se amplia e também a consciência como um todo, porque vem uma percepção de que a saúde faz parte do processo cotidiano.
Esse cuidado acaba se tornando também maior com a própria consciência, trazendo benefícios muito mais ligados à qualidade do que à quantidade. Ou seja, de certa forma, a gente passa a aproveitar melhor a vida.
Quais personagens guarda com mais carinho?
Amo minhas personagens, porque amo muito o que faço, e tenho tido a sorte de trabalhar com autores, diretores e equipe maravilhosos. O papel da estreia no teatro, Ofélia, em Ham-Let, e também Cacilda!, ambos com direção de Zé Celso Martinez, marcaram, assim como as peças Toda Nudez Será Castigada e Um Bonde Chamado Desejo, dirigidas por Cibele Forjaz.
No cinema, a primeira personagem, Dalva, de Um Céu de Estrelas, e Elisa, do filme A Cerca, que deve estrear no segundo semestre deste ano. Na TV, cito os que fiz com o autor e diretor Walcyr Carrasco, de Terra e Paixão. Com ele fiz também a Zarolha, em Gabriela, e a Glauce, em Amor à Vida.
No âmbito pessoal, para onde busca crescer?
A busca da evolução é a coisa mais importante da minha vida, e espero continuar me desenvolvendo e compreendendo mais sobre ela e sobre o ser aqui na Terra. A forma como mais gosto de fazer isso é através do trabalho, justamente, porque o interpreto outras pessoas.
Espero continuar escrevendo, interpretando e dirigindo. E encarando desafios, porque me instiga, transforma e dá prazer.
Seu ofício a coloca no foco. Sente alguma pressão para manter uma aparência sempre jovem?
O fato de ter uma profissão que lida o tempo todo com o público traz uma pressão, sim, mas acho que é muito mais uma curiosidade, um querer saber sobre os meus processos. Levo assim e procuro trazer para o lado da saúde. Ou seja, estar sempre bem, saudável e pronta para viver qualquer tipo de personagem.
Com isso vem um desapego, porque existe um cuidado necessário com a aparência, mas também de não se apegar, porque a transformação que novas personagens pedem é imprevisível e constante.
Você optou por não ser mãe. Sente-se julgada por essa decisão?
Não. Acho que isso, inclusive, está mudando e a tendência é que mude cada vez mais essa necessidade da maternidade ou paternidade. Optei por não ser mãe, mas tenho um instinto maternal muito grande e me sinto feliz sendo mãe de outras formas – de amigos, sobrinhos, bichos, plantas, projetos e personagens.
Faço muitos papéis de mãe. O primeiro que fiz era uma e atualmente também estou fazendo. Me traz uma felicidade grande exercer esse instinto.
Você é discreta com seus relacionamentos. Está apaixonada?
Já vivo uma exposição tão grande, que prefiro me manter discreta e preservar a intimidade. Mas o amor é a minha matéria-prima. Estou, vivo e sou completamente apaixonada. Tudo o que se relaciona ao amor me toca profundamente.
Sua personagem em Terra e Paixão problematiza o moralismo da sociedade?
A Gladys vive uma situação familiar muito comum. É defensora dos valores tradicionais, da moral, dos bons costumes e faz exatamente o oposto. Acho, sim, que a novela funciona como uma espécie de denúncia. Não no sentido de julgamento, mas de mostrar como esses valores são hipócritas em muitos dos casos.
Em um episódio, Gladys aconselha Lucinda (Débora Falabella) a não denunciar o marido por maus-tratos. O que você pensa sobre isso?
Falar sobre esse assunto é urgente e necessário, porque temos uma sociedade em que o índice de violência contra as mulheres é um dos mais altos do mundo, em pleno século 21, e isso é uma vergonha. Trazer isso em uma novela é importante, porque as pessoas podem repensar. Acredito que um mundo com mais felicidade só é possível com menos violência. Uma cultura de paz é necessária e traz felicidade.