O cineasta Fernando Grostein Andrade, 41 anos, revelou ter sido estuprado duas vezes, aos 14 e aos 28 anos, em um texto escrito em primeira pessoa e publicado pela revista Piauí nesta quarta-feira (31). Para contar os acontecimentos, o irmão mais novo do apresentador Luciano Huck primeiramente relembrou a morte do pai, o jornalista Mário de Andrade.
"Já me mataram várias vezes. A primeira, quando fui impactado pela morte de meu pai, o jornalista Mário de Andrade. Ele era editor da revista Playboy e apaixonado pelo seu trabalho. Cresci em um ambiente em que se discutia durante o jantar assuntos de política, jornalismo e a produção de ensaios fotográficos com mulheres como Bruna Lombardi e Luma de Oliveira. Quando eu tinha 10 anos, ele teve um ataque cardíaco fulminante. Eu me lembro de ter jogado uma flor de hibisco em seu caixão, esperando que algo renascesse dali. Virei um menino tímido e introspectivo. Durante o meu luto tive o amparo da minha família, minha mãe, meu padrasto, meus irmãos e do meu cachorro na época, o Elvis. Encontrei cor e vida no ofício de cuidar de orquídeas. Era fascinado por todo o processo de cultivo dessas flores", lembrou ele.
Foi justamente seu fascínio pelas orquídeas que o levou a aparecer em uma reportagem para o telejornal SPTV, da Rede Globo. O episódio fez com que o então menino sofresse bullying e violência.
"Foi uma matéria linda sobre um menino que cultivava plantas para escapar da dor do luto. Fiquei feliz e orgulhoso, mas houve um efeito colateral: a reportagem virou a minha vida de ponta-cabeça. Passei a ser chamado de 'florzinha' na escola. A minha voz e meu jeito de andar foram alvos de piada. É o tipo de ataque que resulta extremamente cruel, porque nesse momento da vida não temos noção clara sobre a sexualidade, qualquer sexualidade. Mesmo assim, o mundo externo agride e aponta o dedo, chamando a pessoa de algo que ela nem sabe o que é, exatamente, mas que passa a atrelar ao medo e à rejeição. Foi como se eu estivesse pelado de repente, no meio do colégio e cercado pela multidão de alunos. Mesmo os que diziam ser 'legal' eu gostar de plantas, falavam isso com um sorrisinho no canto da boca. Sofri preconceito inclusive da parte dos professores", afirmou.
Foi nesta época que ele conta ter sido estuprado pela primeira vez.
"Eu era um adolescente com traços bastante andróginos. Quando tinha 14 anos, durante uma festa em uma boate, homens me seguraram à força e penetraram meu ânus com o dedo. Desde então, passei a anular o meu modo de ser: empostava a voz, para fazê-la mais grossa, e me reprimia na hora de caminhar, para parecer mais masculino. Nas festas, evitava dançar, para não associarem meus modos com o que rejeitavam. Passei até a reproduzir falas machistas e homofóbicas, a fim de esconder minha verdadeira identidade".
Sobre a segunda vez em que sofreu a violência sexual, no entanto, ele diz ainda não se sentir pronto para falar.
"Na juventude, amigos me forçaram a transar com uma mulher que havia posado para a Playboy. Foi quando perdi a virgindade, aos 17 anos. A homofobia pode ser tão cruel que é capaz de tirar o direito de a pessoa ter sua primeira relação sexual de maneira privada, com quem deseja e escolheu de verdade. Aos 18 anos, sofri assédio sexual. Aos 20, vivendo sempre às escondidas e com medo, fui sequestrado por um garoto de programa. Aos 28, fui estuprado mais uma vez, porém sobre este episódio não consigo falar ainda".
O cineasta, que é casado com o ator Fernando Siqueira, 24 anos, acredita que a a nova geração tem uma mentalidade mais aberta em relação à sexualidade.
"Os colegas heterossexuais dele têm amigos gays, e está tudo bem assim. Os da minha geração viveram com a suspeita de que, quando um homem olhava outro homem, ele estava se arriscando a tomar uma surra. Os homens da geração do Fernando em geral se sentem lisonjeados por serem paquerados, não importa o gênero da pessoa. Há mais respeito pelo que é diferente. Elogios à beleza são palavras de afeto e não agressão", concluiu.